O Serviço Nacional de Saúde Português – passado, presente e futuro

Dimensão analítica: Saúde

Título do artigo: O Serviço Nacional de Saúde Português – passado, presente e futuro

Autor: Filipe Magalhães

Filiação Institucional: Administração Central do Sistema de Saúde, IP

E-mail: fillipe@iol.pt

Palavras-chave: Serviço Nacional de Saúde; Ineficiências; Reformas e desafios.

O serviço nacional de saúde [SNS], de matriz Beveridgeano, encontra-se a comemorar a sua terceira década de existência. Se no Homem comemorar 30 anos significa entrar num universo marcado por várias experiências, tal significa igualmente uma linha que permita fazer introspectivas que levam, invariavelmente, quer ao abandono de utopias, quer à construção de convicções que irão pautar todo o futuro. Mutatis mutandis, o mesmo se pode dizer sobre o SNS. Efectivamente, com esse percurso de tantos anos o SNS já obteve o estatuto de adulto. Nestas 3 décadas conforme se criaram e destruíram utopias, concomitantemente germinaram-se convicções, sendo a mais perene a assunção do SNS como pilar estruturante de um Estado que se encontra, idealmente, ao serviço de todo e qualquer cidadão, independentemente do seu status social, económico, político ou cultural.

Tal como dizia Pessoa, “O homem sonha e a obra nasce”, a história do SNS foi resultado de contributos de personalidades que imprimiram, com as suas acções, uma dinâmica fundamental para a implementação de um serviço assente em mecanismos de solidariedade social.

Depois de vários progressos nasce em 1979, pela mão do então Ministro da Saúde, António Arnaut, através da publicação da Lei n.º 56/79, de 15 de Setembro, o SNS. Estes foram tempos de difícil navegação porque coincidiram, no Ocidente, com os choques petrolíferos que ditaram o fim dos trinta anos gloriosos pelo que, nas palavras de Sakellarides (2006) [1] foram tempos de instabilidade no seio dos países.

Decorrente desta contextualização, o SNS sofreu constantes crises de identidade. Porque “ a política…sobre a saúde…é mais errática e conjuntural do que planeada” (Campos e Ramos 2005, p.159) [2], o serviço viveu em constante tensão entre as suas obrigações sociais e as suas limitações económico-financeiras disponíveis para dar resposta a essas obrigações.

Até ao ano de 2002 o Estado e a sua intervenção na saúde assumia-se como uma acção holística, isto é, ao mesmo tempo que prestava os cuidados, ao próprio Estado estava incumbida a tarefa de gerir o SNS.

Ora, por via da assunção deste desenho organizacional, emergiram uma série de factores nefastos ao próprio SNS. Na verdade, ao assumir todos os papéis, o Estado, com a mesma rapidez com que se burocratizou, também fez crescer as ineficiências decorrentes da adopção de esquemas de prestação pesados, desligados das necessidades das populações e das aspirações, legítimas, dos seus trabalhadores Campos (2003) [3].

Para afastar este contínuo declínio do SNS, a partir de 2002, o papel do Estado deslocou-se da esfera de financiador/prestador para a de financiador/regulador. Com efeito, com a publicação da Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro, com o objectivo de flexibilizar a sua gestão, o sector hospitalar passou a prever quatro formas jurídicas distintas de organização.

Com a publicação deste diploma, que previa, entre outras coisas, a utilização do contrato individual de trabalho e o pagamento dos actos e actividades efectivamente realizadas “… estavam criados os mecanismos…na procura da eficiência” (Harfouche 2008, p.71) [4].

Em 2005, o Decreto-Lei n.º 93/2005, de 7 de Junho, procedeu à transformação das unidades “SA” em “EPE”, sendo que o Decreto-Lei nº 233/2005, de 29 de Dezembro, aprovou o estatuto das Entidades Públicas Empresariais.

Contudo, a migração do paradigma gestionário “SA” para o “EPE” não apresentou diferenças significativas. No entanto, constituiu um passo em frente, na procura da flexibilidade organizacional em relação ao modelo anterior (OPSS 2009) [5].

Apesar destas orientações difusas, até mesmo caóticas, o saldo final destes 30 anos não deixa de ser claramente progressista e portanto positivo (Escoval et al. 2008) [6].

Porém, como qualquer outro sistema organizacional, o SNS deve, permanentemente, debruçar-se sobre os desafios que a sociedade paulatinamente lhe impõe. Esses desafios deverão estar presentes a dois níveis: o do macro sistema e do micro sistema.

Segundo Saltman (1994) [7], ao nível dos macro-sistemas, e para se assegurar a sobrevivência do serviço, o papel do Estado deverá deslocar-se do prestador tradicional para o regulador da saúde. A acção governativa, nestes moldes, mais do que se preocupar com o planeamento directo e da gestão, deverá ocupar-se da manutenção ou reforço do poder regulador, impondo padrões e assegurando a correcção de procedimentos a todos os quadrantes cuja acção afecte a área da saúde.

Por outro lado, para Reis (2008) [8], no micro sistema, o aumento da procura, decorrente do envelhecimento populacional, vai redundar em novas ofertas de serviços. No entanto, como esta é uma área onde, por tradição, se vive em permanente estado de restrição de recursos humanos, a tendência será a da mobilidade destes profissionais entre prestadores de cuidados, pelo que o poder de atracção e retenção vai depender da capacidade das entidades prestadoras de cuidados entenderem-nos como recursos estratégicos que devem ser rentabilizados e orientados para os objectivos nucleares das organizações.

Em matéria da prestação efectiva de cuidados, salienta-se que estes deverão passar de uma filosofia assente no combate isolado à enfermidade para uma lógica de resultados. Este redesenho metodológico vai implicar uma aposta nas equipas multidisciplinares, que em rede irão abordar os cuidados numa perspectiva holística e assim obter ganhos em saúde para o cliente (Porter e Teisberg 2006) [9]. Para se moverem nesta realidade, os profissionais terão que, cada vez mais, apostar na sua formação de modo a desenvolverem acções fundamentadas em evidências protocolares, isto é, adoptar boas práticas clínicas no seu desempenho profissional.

Para dar resposta a todos estes reptos, o SNS deverá ter uma preocupação constante com a reforma dos modelos de gestão, do financiamento e dos esquemas organizacionais, porquanto eles se revestem como pilares fundamentais para a adopção de um sistema mais eficiente, com maior qualidade, mais produtivo e responsabilizante (Harding e Preker 2001) [10].

Notas

[1] Sakellarides, C.(2006), De Alma a Harry – Crónica da Democratização da Saúde: Edições Almedina.

[2] Campos, A. e Ramos, F. (2005) – Contas e ganhos na saúde em Portugal. In desafios de Portugal, Seminários da Presidência da República, Casa das Letras, Lisboa.

[3] Campos, A. (2003), Hospital–empresa: crónica de um nascimento retardado: Revista Portuguesa de Saúde Pública. 21:1 (Janeiro-Junho) pp. 23-33.

[4] Harfouche, A. P. (2008), Hospitais transformados em empresas – Análise do impacto na eficiência: estudo comparativo: Universidade Técnica de Lisboa: Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas.

[5] Observatório Português dos Sistemas de Saúde (2009), 10/30 Anos: Razões para continuar: relatório da primavera: Escola Nacional de Saúde Pública.

[6] Escoval, A. et al. (2008), Financiamento, Inovação e Sustentabilidade: Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Hospitalar, Lisboa.

[7] Saltman, R. (1994), Patient choice and patient empowerment in northern european health systems: A conceptual framework: International Journal of Health Services. 24.

[8] Reis, V. (2008), Que Futuro para o Serviço Nacional de Saúde: Revista da Ordem dos Farmacêuticos: nº81, Janeiro/Fevereiro.

[9] Porter, M. e Teisberg, E. (2006), Redefining health care. Boston, Mass: Harvard Business School, Press;

[10] Harding, A. e Preker, A (2001), Innovations in health care delivery: organizational reforms within the public sector: Washington.

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