Integração, normalização e diferenciação: algumas reflexões para (não) balizar a discussão (I)

Dimensão analítica: Educação, Ciência e Tecnologia

Título do artigo: Integração, normalização e diferenciação: algumas reflexões para (não) balizar a discussão (I)

Autora: Maria José Casa-Nova

Filiação institucional: Instituto de Educação, Universidade do Minho

E-mail: mjcasanova@ie.uminho.pt

Palavras-chave: normalização, diferenciação, educação escolar.

Tradicionalmente, o espaço escolar tem sido um espaço que venho há alguns anos a designar de “sócio-culturalmente territorializado”, ou seja, de hegemonia da cultura dominante. Aquele espaço tem sido veículo de uma tentativa de homogeneização de grupos cultural e socialmente heterogéneos através da imposição subtil de um processo de assimilação de todas as diferenças à norma normativa.

Subjacente a esta tentativa de assemelhar todos os “Outros” à maioria, está, por um lado, o receio do “diferente” (com a tentativa de anulação dessa diferença) e o receio dos conflitos sociais que possam derivar dessa diferença. Por outro lado, a esta tentativa de assemelhar todos os “Outros”, está a ideia de que o progresso da humanidade está inextricavelmente ligado à aproximação, de todo o ser humano, ao estádio evolutivo da cultura ocidental, considerado, numa concepção universalista da cultura, como o estádio mais avançado a que o ser humano chegou do ponto de vista cultural [a].

INTEGRAÇÃO

Na perspectiva da sociedade maioritária, a integração social das diferenças culturais e sociais mais contrastantes, é fundamental ao equilíbrio das sociedades, mas esta integração subentende frequentemente a perda das características culturais consideradas ameaçadoras ou radicalmente diferentes face à cultura maioritária. Integrar significa, então, despojar o “Outro” das suas diferenças, para o transformar na “mesmidade”.

No entanto, numa perspectiva sociológica crítica, integrar significa a aceitação recíproca de todos os “Outros” na sua diferença naquilo em que essa diferença não colida com valores considerados fundamentais em termos dos Direitos Humanos (nomeadamente o direito à vida e à integridade física e psicológica), considerando essa diferença enriquecedora das sociedades e do ser Humano, tornando-o mais flexível e permeável à diferença [b]. Significa aceitar a partilha dos mesmos espaços de sociabilidade, de lazer, de trabalho; a participação nas instituições e esferas da sociedade numa perspectiva de igualdade com equidade (no respeito pela diferença de todos e todas); um processo recíproco e horizontal, sem tentativas de construção de relações sócio-culturais subordinadas a relações estruturais de poder maioria-minoria.

NORMALIZAÇÃO

As reflexões que tenho vindo a desenvolver levam-nos a um outro conceito, o conceito de normalização e ao seu significado em sociedades fortemente hierarquizadas do ponto de vista das relações de poder, ou seja, do ponto de vista das relações entre seres humanos cuja hetero-classificação os coloca nos níveis mais baixos dessa hierarquização, seja por relação à classe, à cultura, ao género, ao fenótipo, à identidade sexual, à diferença geracional, à diferença regional…

Falar de normalização significa, em primeira instância, falar de norma e do sentido da mesma, quer no plano teórico, quer no plano das práticas. A ideia de norma é a ideia de um modelo ou padrão que, numa determinada sociedade se convencionou considerar como o comportamento ideal a seguir, sendo adoptado e incorporado no quotidiano, transformando-se em automatismos de pensamento e de acção. Agir com normalidade será, portanto, agir de acordo com a norma social, preferencialmente incorporada nos processos de socialização primária, o que possibilita uma certa previsibilidade comportamental psicologicamente securitária dos indivíduos (Casa-Nova, 2011).

Numa perspectiva Durkheimiana (1984), preocupada com o equilíbrio e a produção de sociedades regradas (não anómicas), o processo de socialização através da educação escolar é fundamental para produzir uma interiorização normativa homogénea, convertendo-se numa espécie de “segunda natureza”.

Normalizar significa portanto fazer agir (no sentido do constrangimento, por regra não consciencializado) de acordo com a norma pré-existente.

Do ponto de vista da educação escolar, é comummente aceite e, inclusive, defendido, que a instituição educativa, para além de instruir, tem o dever de “educar para a norma”, sendo esta função frequentemente assumida como primordial em relação à primeira, principalmente no que diz respeito a crianças e jovens provenientes de classes de menor estatuto social ou de grupos sócio-culturais minoritários considerados como fortemente contrastantes do ponto de vista das regras apreendidas nos processos de socialização primária. E este “educar para a norma” significa frequentemente uma tentativa de despojar as crianças dos valores e normas de comportamento assumidas dentro do grupo de pertença, tornando-os iguais a todos os outros pertencentes ao grupo sócio-cultural maioritário.

O desafio está em conseguir que estas crianças e jovens frequentem a educação escolar proposta pela sociedade maioritária (no sentido de acederem ao que Michael Young (2010) designou de “conhecimento poderoso” (o conhecimento produzido pelas diversas ciências), sem que esta frequência e o êxito na mesma signifique a perda, a substituição de uma cultura por uma outra que, numa escala valorativa, é considerada superior ou como estando num estádio de desenvolvimento superior.

Notas

[a] De acordo com a concepção universalista de cultura, existe apenas uma cultura, mas em diferentes estádios de evolução, sendo que a cultura ocidental representa o estádio mais avançado da mesma, razão pela qual todas as outras formas de cultura deverão um dia atingir o mesmo estádio de desenvolvimento, tornando-se modernas e identificadas com o progresso. A este propósito, ver Wieviorka (2002) A diferença. Lisboa: Edições Fenda.

[b] Considera-se uma perspectiva não etnocêntrica de Direitos Humanos aquela que encontre denominadores comuns por parte de todas as culturas em torno do significado da dignidade e do respeito humanos.

Referências bibliográficas

Casa-Nova (2011) Da igualdade legal-formal à igualdade em exercício. Das leis, dos conceitos e das práticas, in São José Almeida, Continuar a tentar pensar. Lisboa: Sextante, pp.17-21.

Durkheim, Emile (1984) Sociologia, Educação e Moral. Porto: Rés Editora.

Young, Michael (2010) Conhecimento e currículo. Porto: Porto Editora.

 

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