Migrações do Futebol Português: uns que entram, outros que saem

Dimensão analítica: Desporto

Título do artigo: Migrações do Futebol Português: uns que entram, outros que saem

Autor: Carlos Nolasco

Filiação institucional: Centro de Estudos Sociais / Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (doutorando)

E-mail: cmsnolasco@gmail.com

Palavras-chave: Migrações internacionais, futebol.

A migração de trabalho desportivo constitui uma realidade importante do desporto contemporâneo, sendo também parte integrante do amplo fluxo das migrações internacionais. A presença de atletas estrangeiros em equipas de diversas modalidades tornou-se um fenómeno comum da actual realidade desportiva, sendo estranho não encontrar equipas com atletas estrangeiros, ou estrangeiros a representar selecções nacionais distintas da dos países de onde são naturais. Se esta é uma característica comum a quase todos os desportos, a migração internacional de atletas é mais pronunciada no futebol.

São vários os motivos que concorrem para intenso fluxo migratório de futebolistas: a decisão jurídica do caso Bosman, em 1995, que liberalizou os mercados de transferências; a institucionalização, pela FIFA, da figura do agente de jogadores enquanto promotores da mobilidade migratória dos futebolistas; a reorganização dos quadros competitivos da UEFA, com a consequente procura de jogadores talentosos e competitivos por parte dos clubes; os direitos televisivos dos jogos de futebol que injetaram nos clubes o dinheiro necessário para “comprar” e “vender” jogadores; a conversão dos clubes em sociedades anónimas, legitimando uma racionalidade economicista na gestão do futebol.

O futebol português não ficou à margem desta dinâmica. Ao longo da sua existência assistiu a muitas histórias de imigração e emigração, sendo nos anos 90 que este processo se intensificou com o aumento inusitado de jogadores portugueses a saírem e de estrangeiros a entrarem em Portugal. Segundo o Football Observatory [1] na época de 2010/11 o futebol português era o terceiro, de 30 ligas europeias, com mais jogadores estrangeiros, depois do Chipre e da Inglaterra. Em simultâneo, Portugal era o quinto país europeu com mais jogadores nacionais emigrados.

Um olhar atento da época futebolística de 2010/11 permite realçar algumas das tendências migratórias do futebol nacional [2]. Na Primeira Liga Portuguesa, do total de 495 jogadores que integraram as 16 equipas que participaram na prova, 56,2% eram estrangeiros. Observando esta relação por equipa, constatava-se que apenas 5 das equipas eram maioritariamente formadas por jogadores nacionais, enquanto 8 tinham nos seus plantéis mais de 60% de jogadores estrangeiros.

A legião de futebolistas estrangeiros era constituída por 43 nacionalidade. Contudo, a ideia de um futebol português cosmopolita, por associação à diversidade de nacionalidades, esvai-se quando se verifica que 60% dos estrangeiros eram brasileiros. A presença massiva de brasileiros no futebol nacional não surpreende: primeiro, porque o Brasil é o maior exportador de futebolistas do mundo; segundo, as afinidades culturais entre Portugal e o Brasil constituem factores importantes no momento de escolha do país de destino quando se decide emigrar. Importa referir que os países africanos de língua oficial portuguesa, que durante muitos anos proporcionaram a Portugal muitos jogadores, tiveram na época em causa uma expressão meramente residual. Para esta situação contribuiu o facto de muitos futebolistas originários desses países terem dupla nacionalidade, sendo consequentemente identificados como portugueses.

Paradoxal, por comparação com o volume de estrangeiros em Portugal, é o volume de jogadores portugueses a trabalhar no estrangeiro. Ao longo da época de 2010/11, foram recenseados 274 futebolistas portugueses em 39 países. O principal destino destes jogadores era a Europa, sendo o Chipre o país com mais portugueses, 59. Os motivos para emigrar para o Chipre são simples de determinar: melhor remuneração; poucas possibilidades de progressão na carreira desportiva em Portugal; o facto dos jogadores portugueses serem bem considerados pelos clubes cipriotas. Segue-se depois a Espanha com 26 portugueses, sendo que as razões invocadas são sensivelmente as mesmas, acrescentando-se a ambição dos jogadores participarem num campeonato mais competitivo.

O que melhor caracteriza o processo migratório de futebolistas em Portugal é a existência simultânea de fluxos de entrada e saída de jogadores que, apesar das especificidades são relativamente idênticos nos perfis competitivos e performances técnicas. Segundo Maria Ioannis Baganha [3], quando se verifica esta similitude nos fluxos migratórios de entrada e saída de e para um mesmo país, está-se perante uma anomalia teórica. O futebol português é marcado por esta anomalia que é gerida de forma estratégica. O significativo número de futebolistas portugueses no estrangeiro e de estrangeiros em Portugal, para além do número de jogadores estrangeiros que todas as épocas saem de Portugal para outros países, permite configurar o futebol nacional como uma placa giratória que importa e exporta mão-de-obra em conformidade com os espaços com os quais se relaciona. Funcionando como placa giratória, os clubes portugueses adquirem jogadores “baratos” no estrangeiro e vendem-nos “caros” para outros campeonatos, Ao mesmo tempo, os jogadores portugueses, pelas razões a que anteriormente se aludiu, acompanham este movimento giratório e emigram. Os resultados desta estratégia estão patentes nos valores resultantes da transferência de jogadores na época 2010/11, quando os clubes portugueses despenderam 85 milhões de euros na aquisição de jogadores e obtiveram 176 em vendas, havendo um saldo positivo de 91 milhões [4]. Em virtude desta redistribuição migratória, nos últimos anos o futebol português converteu-se numa importante montra de venda de jogadores.

Decorrendo as migrações internacionais de atletas no campo da teoria do sistema-mundo, onde os fluxos migratórios de futebolistas são conceptualizados como um movimento de trabalho desportivo da periferia para o centro, o futebol português desenvolve uma estratégia intermédia de recepção e dispersão de jogadores, maximizando as vantagens relativas dessa intermediação entre os espaços periféricos de produção de jogadores e os espaços centrais de consumo de trabalho futebolístico.

Notas

[1] Besson, Roger; Poli, Raffaele e Ravenel, Loïc (2011), CIES Football Observatory’s Demographic Study 2011. Neuchâtel: Centre International d’Etude du Sport.

[2] Trabalho desenvolvido no âmbito do projecto de doutoramento Migrações de Atletas Altamente Qualificados, apoiado pela FCT (Referência: SFRH/BD/37762/2007). Os dados relativos à presença de jogadores estrangeiros na Liga Portuguesa, na época 2010/11, foram obtidos através dos websites dos clubes, da Liga Portuguesa da Futebol Profissional e do website ZeroZero. Os dados referentes aos jogadores portugueses no estrangeiro têm como fonte o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol.

[3] Baganha, Maria Ioannis (2001), “A cada Sul o seu Norte : Dinâmicas migratórias em Portugal” in Santos, Boaventura de Sousa (org), Globalização, fatalidade ou utopia? Porto: Edições Afrontamento.

[4] Disponível em URL [consult. 23 Dezembro 2011] <http://www.futebolfinance.com/as-20-ligas-que-mais-dinheiro-movimentaram-em-transferencias-201011

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