Erguer pontes, tecer futuros, construir alternativas: as Economias Social e Solidária como práticas de Educação para o Desenvolvimento

Dimensão analítica: Economia e Política

Título do artigo: Erguer pontes, tecer futuros, construir alternativas: as Economias Social e Solidária como práticas de Educação para o Desenvolvimento

Autora: La Salete Coelho

Filiação institucional: Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto e Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viana do Castelo

E-mail: ceaup.lasaletecoelho@gmail.com

Palavras-chave: Educação para o Desenvolvimento; Cidadania Global; Economias Alternativas.

Num tempo marcado por desafios como a globalização, a crise económica e financeira, as desigualdades sociais, os problemas ambientais, entre outros, realizamos um estudo dedicado à análise de conceitos e práticas que propõem mundivisões alternativas. Debruçamo-nos sobre a análise das relações entre a Economia Social e a Economia Solidária e destas com a Educação para o Desenvolvimento (ED) e sobre a forma como esta relação é percebida e equacionada em projetos de ED que exprimem e mobilizam princípios e conteúdos de Economia Social e Solidária (ESS). Em termos metodológicos a nossa investigação realizou-se através de um estudo de caso da Organização Não-Governamental CIDAC – Centro de Intervenção para o Desenvolvimento Amílcar Cabral.

Tentaremos apresentar, em breves palavras, algumas das principais conclusões encontradas.

Parece inegável que a Globalização é, no momento presente, “o sistema organizativo das relações internacionais” (Freidman, 1999), e tem potenciado o surgimento de ideias aceites e validadas como universais. Apesar de ser um fenómeno essencialmente económico, a globalização também se tornou um fenómeno político – propondo modelos de desenvolvimento centrados nas leis de mercado e, portanto, liberta de regulamentações estatais -, e um fenómeno cultural, uma vez que se tem pautado pela sobrevalorização de umas culturas em detrimento de outras.

Boaventura de Sousa Santos alerta para a necessidade de procurar respostas para os desafios da globalização: “podemos afirmar que temos problemas modernos para os quais não temos soluções modernas” (2007:19). Vivemos um tempo de transição que deve ser marcado pela procura de alternativas para responder às especificidades de cada região, de cada cultura, de cada indivíduo. É neste contexto que inserimos os conceitos de ED e de ESS.

No nosso estudo, referimo-nos à ED enquanto “processo dinâmico, interativo e participativo que visa: a formação integral das pessoas; a consciencialização e compreensão das causas dos problemas de desenvolvimento e das desigualdades locais e globais num contexto de interdependência; a vivência da interculturalidade; o compromisso para a ação transformadora alicerçada na justiça, equidade e solidariedade; a promoção do direito e do dever de todas as pessoas, e de todos os povos, participarem e contribuírem para um desenvolvimento integral e sustentável” (ENED, 2010). De facto, vemo-la como uma ferramenta que propõe uma forma de olhar o mundo aplicável em diferentes domínios da vida social (económico, ambiental, educativo, etc.). Nesse sentido, sustentamos que os diferentes modelos de economia alternativos, incluindo as propostas das Economias Social e Solidária, são formas de expressar os processos de ED no campo económico. Ambas apresentam em comum o facto de serem propostas alternativas aos sistemas instalados – a qualificação da economia como “social” e/ou “solidária” e a qualificação da educação como “para o desenvolvimento” demonstra que ambas se querem posicionar contra os conceitos instituídos, propondo algo diferente.

No nosso estudo de caso, do cruzamento das informações sugeridas pela análise bibliográfica, da análise de conteúdo às entrevistas e da análise documental, surgiram-nos algumas conclusões, que aqui partilhamos:

– Identificamos como conceitos e valores fundamentais comuns às duas áreas, a procura de um mundo com maior justiça social, baseado em redes de solidariedade, que permitam reforçar a coesão social e o espírito de cooperação e de comunidade. A construção deste mundo, que implica resistência, rutura, e proposta de alternativas só poderá ser efetivada a partir de uma cidadania ativa, quer política quer social. Encontramos ainda um espírito de missão, imbuído por uma visão na possibilidade de um outro mundo.

– Reconhecemos problemáticas comuns: algumas caraterísticas do sistema de mercado, capitalista, que produz, incessantemente, excluídos e que desumaniza o indivíduo, vendo nele apenas as suas capacidades produtivas; a crise dos sistemas políticos baseada numa crise de cidadania originada pelo descrédito a que os cidadãos vetaram as instituições políticas; a crise dos laços sociais pela incitação a mecanismos que geram e premeiam o individualismo e a competição e que não estimulam o trabalho em cooperação; a situação atual de crise, de mudança de paradigma, de incertezas provocadas pela velocidade e pelos desafios do mundo global.

– Ambas as áreas se mostraram preocupadas com as consequências da globalização, uma vez que está a disseminar o modelo ocidental sem ter em atenção a multiplicidade de realidades existentes no mundo.

– No que concerne à definição de economia, constatamos que que esta é encarada como a melhor distribuição dos recursos, e não a acumulação de riqueza como um fim em si mesmo. O objetivo da economia seria, assim, o de possibilitar uma vida melhor para todos, que satisfaça as necessidades pessoais, que propicie o estabelecimento de relações mais fortes e que lide com os recursos e o ambiente de forma equilibrada.

Ambas as áreas em estudo propõem visões holísticas do desenvolvimento, enquanto processo de autonomização dos indivíduos, liberdade de opção, de participação e de construção do seu próprio destino, enquanto relações sustentáveis com os outros e com o meio ambiente.

Verificamos que as duas áreas dão uma importância fundamental à dimensão da cidadania enquanto participação e prática social. Só uma sociedade esclarecida, com uma consciência crítica, pode caminhar rumo à emancipação dos seus cidadãos.

Ambos os campos teóricos consideram que a educação formal necessita de alterações, uma vez que não está ao serviço da libertação, como propõe Paulo Freire, mas sim ao serviço da manutenção do sistema vigente.

Identificamos como metodologias comuns a utilização de metodologias ativas, onde a participação do indivíduo é fundamental; o questionamento dos modelos dominantes e a preocupação com a coerência.

Em suma, este estudo possibilitou-nos constatar que quer a ED quer a ESS apresentam caminhos alternativos à globalização hegemónica, caminhos assentes no reconhecimento e respeito pela diversidade, quer na constatação da multiplicidade de realidades e de valorização das mesmas, quer na procura de soluções também na diversidade. Caminhos que proponham o reconhecimento do Ser Humano como protagonista, regressando à conceção de uma economia política baseada na centralidade do ser humano; a organização da ação coletiva, pela potenciação das vontades e ações individuais em ações coletivas e o fortalecimento das relações interpessoais como objetivo maior da sociedade, transformando hábitos marcados pela competição em cooperação. No fundo, a procura de atitudes globais favoráveis, de atitudes que tenham em mente um bem maior, um bem comum a toda a humanidade, que contenham a procura de uma globalização de atitudes cívicas.

Nota:

Este artigo surge com base na seguinte dissertação:

Coelho, La Salete (2013), Erguer Pontes, Tecer Futuros e Construir Alternativas: a Economia Social e Solidária como prática(s) de Educação para o Desenvolvimento. Tese de Mestrado em Economia Social, Universidade Católica Portuguesa, Porto, Portugal.

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Referências bibliográficas:

Despacho n.º 25931/2009. Ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Educação. Estratégia Nacional de Educação para o Desenvolvimento, pp. 48391- 48402.

Friedman, Thomas L. (2000), Compreender a Globalização. O Lexus e a Oliveira. Lisboa: Quetzal Editores.

Santos, Boaventura S. (2007) Renovar a teoria crítica e reinventar a emancipação social, São Paulo: Boitempo Editorial.

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