A invisibilidade dos problemas energéticos

Dimensão analítica: Ambiente, Espaço e Território

Título do artigo: A invisibilidade dos problemas energéticos

Autora: Ana Horta

Filiação institucional: Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa

E-mail: ana.horta@ics.ul.pt

Palavras-chave: energia, consumo, media.

Um elemento fundamental do desenvolvimento económico – o consumo intensivo de energia – está cada vez mais ameaçado. A abundância energética, que tem sido um motor do progresso a ponto de se ter verificado uma correlação entre o consumo de energia de cada país e o respetivo Produto Interno Bruto per capita, tem-se baseado na utilização de combustíveis fósseis, dada a sua elevada densidade energética e baixo custo de exploração. Porém, diversos problemas estão a pôr em causa a continuidade deste modelo de desenvolvimento devido ao aumento da insegurança no fornecimento de energia, podendo traduzir-se em acentuados aumentos de preços, quebras no abastecimento e apagões. Entre estes problemas destaca-se o progressivo aumento da procura de energia a nível global, o declínio da produtividade das principais jazidas petrolíferas, a instabilidade geopolítica associada ao fornecimento de petróleo e gás natural, a forte especulação financeira no mercado dos produtos energéticos e a urgência da redução das emissões de carbono provenientes da queima de combustíveis fósseis, que agravam as alterações climáticas.

O reconhecimento da necessidade de transformar o atual paradigma energético tem conduzido diversos líderes internacionais e particularmente a União Europeia a perfilhar como orientação estratégica a adoção de uma ambiciosa política energética que possibilite a transição para uma economia de baixo carbono, o que implica reduzir significativamente o consumo de energia, sobretudo a produzida a partir de combustíveis fósseis.

A gravidade do problema deve-se à quase total dependência das sociedades contemporâneas relativamente a sistemas sociotécnicos baseados nestes combustíveis de alta densidade energética, como é o caso da automobilidade. De fato, o uso de veículos a motor para transporte tornou-se a forma dominante de mobilidade e uma característica essencial da modernidade [1]: o abastecimento de mercadorias depende, muitas vezes exclusivamente, do transporte rodoviário e, no caso do transporte individual, embora o carro ofereça alguma autonomia, todo o sistema de estruturas sociotécnicas da automobilidade não só desencoraja outras formas de locomoção (por serem menos cómodas ou rápidas ou menos seguras, como é o caso da bicicleta na atual configuração viária), como torna-a uma necessidade (seja devido à distância entre casa e trabalho ou à inexistência de transportes públicos eficientes, por exemplo) [2].

Neste contexto, as orientações dadas às políticas públicas são fundamentais no sentido de adaptar e regular os sistemas de transportes, as infraestruturas viárias, ou o ordenamento do território, por exemplo, assim como é necessário que o design industrial incorpore como objetivo oferecer produtos mais eficientes energeticamente. Mas esta necessária transição para uma economia energeticamente mais sustentável não é possível sem o alerta de toda a sociedade, isto é, sem que seja dada atenção pública ao problema, sem que este seja objeto de discurso (não só nos fóruns políticos internacionais) e de reflexividade por parte do público em geral, pois também disso depende o envolvimento dos decisores políticos, económicos e técnico-científicos. O entendimento e a aceitação pública da necessidade de mudança são cruciais dadas as implicações no quotidiano da redução do consumo de energia.

Os media desempenham um papel crítico na construção social dos problemas, não só pela proeminência que lhes atribuem mas também pelos enquadramentos temáticos, definições, dramatismo e imagens que lhes associam. Mas esta construção social também depende fortemente da capacidade de ação e de mobilização da atenção pública de indivíduos ou grupos interessados em promover esse problema no espaço mediático.

No caso da insustentabilidade do atual sistema energético poucos atores têm surgido como porta-vozes do problema. De fato, analisando os conteúdos difundidos pelos media a este respeito observa-se que, tal como o consumo de energia de um modo geral é inconspícuo – por resultar indiretamente da utilização de serviços como o aquecimento da casa ou a conservação de alimentos no frigorífico e não do seu consumo intencional – a construção social dos problemas do sistema energético tem tido uma presença bastante discreta no espaço público. À exceção das crises no abastecimento de petróleo, acompanhadas de fortes aumentos nos preços dos combustíveis e eventualmente de ruturas no abastecimento, os problemas energéticos não têm tido grande visibilidade nos media portugueses [3]. De fato, o dramatismo contido na informação sobre assuntos energéticos diz respeito, sobretudo, ao impacto negativo das subidas de preço no custo de vida das populações.

Quanto ao modo como é quotidianamente retratado o consumo de energia nos conteúdos televisivos [4], percebe-se claramente as convenções e normas culturais que lhe estão associadas: seja sob a forma da iluminação estrategicamente disposta num espaço de modo a transmitir opulência ou conforto, da condução de automóveis de cilindradas elevadas que não só oferecem a emoção da velocidade como estatuto social, ou, em contraste, a ausência de energia, intencionalmente utilizada em cenários em que se pretende transmitir ao público medo, insegurança, tristeza ou pobreza. É visível, além disso, uma promoção implícita de equipamentos consumidores de energia, como é o caso da incorporação nos palcos dos noticiários de ecrãs e painéis eletrónicos ou de computadores portáteis e telemóveis nas séries de ficção.

Se por um lado isto evidencia uma elevada dependência e valorização social do acesso à energia, por outro releva a dificuldade em conceptualizar no espaço público a necessidade de se reduzir o consumo de energia e alterar o atual sistema energético.

Notas

[1] Dennis, Kingsley; Urry, John (2009), Post-Car Mobilities, In J. Conley; A. T. McLaren (Ed.) – Car Troubles. Critical Studies of Automobility and Auto-Mobility, Surrey: Ashgate, pp. 235-251.

[2] Urry, John (2004), The ‘System’ of Automobility, Theory, Culture & Society, 4/5 (21), pp. 25-39.

[3] Horta, Ana (2010), Entre crises: o que fica e o que muda nas notícias televisivas sobre energia, In Silva, A. S.; Martins, J. C.; Magalhães, l.; Golçalves, M. (Org.) – Comunicação, Cognição e Media, Braga: Aletheia/Fac. Filosofia da Univ. Católica Portuguesa, pp. 713-724.

[4] Horta, Ana (2012), Construção televisiva da energia. Comunicação apresentada no 2º Encontro A Investigação no ICS.

 

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