A crescente influência de grupos de pressão pró-Israel em Portugal

Dimensão analítica: Cidadania, Desigualdades e Participação Social

Título do artigo: A crescente influência de grupos de pressão pró-Israel em Portugal

Autor: Bruno Costa

Filiação institucional: Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra

E-mail: brunoarcq@gmail.com

Palavras-chave: grupos de pressão, poder político, opinião pública.

No seu mais recente livro [1], Ilan Pappé apresenta a trajetória e a consolidação histórica do lóbi sionista desde finais do século XIX até à atualidade. Ao ler o texto é possível compreender como as lideranças sionistas souberam, simultaneamente, posicionar o seu projeto como indispensável para os interesses estratégicos e geopolíticos das grandes potências de cada época e construir uma narrativa apelativa no que diz respeito aos preconceitos e mitos, tanto religiosos como seculares, que domina(va)m o espaço-tempo europeu e norte-americano. No caso sionista-israelita, segundo o autor, foi bem-sucedida a estratégia de juntar diferentes grupos de interesse, de modo a formar uma barreira que dificulta a responsabilização do Estado de Israel por este violar sistematicamente o direito internacional e o direito internacional humanitário, num contexto moldado por colonização violenta, genocídio, ocupação ilegal e apartheid.

Desde 2007 que o principal grupo dedicado à defesa dos interesses israelitas no espaço europeu (da União Europeia e Reino Unido) é a European Leadership Network (ELNET). Esta “organização sem fins lucrativos” descreve-se, à imagem de outras com a mesma agenda, como “dedicada ao fortalecimento das relações entre a Europa e Israel, tendo como base, valores democráticos e interesses estratégicos partilhados”, uma mensagem que deixa claro o alinhamento estratégico e que repete mitologias partilhadas sobre a excecionalidade democrática de Israel no Médio Oriente e da Europa no mundo.

No mesmo website, podemos ainda ler que esta é uma “organização apartidária que mantém a imparcialidade e independência de forma rigorosa” [2], isto apesar de apresentar como parceiro destacado o Ministérios dos Negócios Estrangeiros de Israel e de ter como membros e colaboradores ex-militares, ex-governantes e diplomatas israelitas. Entre as posições públicas mais recentes da organização estão a negação da existência de fome em Gaza, a justificação da necessidade de matar civis palestinianos e a descredibilização da ONU e dos seus organismos, entre outras, que a transformam numa espécie de caixa de ressonância do governo israelita. [3]

Em janeiro de 2025, uma delegação portuguesa de deputadas/os à Assembleia da República – Liliana Reis, Regina Bastos, Alexandre Poço, Bruno Ventura e Carlos Reis, do Partido Social Democrata, e João Almeida, do Centro Democrático Social – Partido Popular – realizou uma viagem a Israel patrocinada pela ELNET e pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros israelita. [4] O objetivo destas viagens de parlamentares fica mais claro quando ouvimos Emmanuel Navon [3], diretor executivo da ELNET, dizer que sem elas dificilmente seria possível construir relações tão estreitas e ter um impacte político direto tão significativo.

Algumas das pessoas presentes na viagem já faziam parte da rede de organizações pró-Israel, como membros do Grupo Parlamentar de Amizade Portugal-Israel, formado em 2012, e/ou da secção portuguesa do Caucus Parlamentar da Israel Allies Foundation, formado em 2024, pelo que dificilmente passaram a adotar apenas agora posições alinhadas com a política externa israelita. Contudo, as esferas política e pública são terrenos em disputa, existindo a necessidade de cultivar e expandir alianças que estejam (in)formadas e articuladas entre si, exercendo uma “pedagogia” que ajude a construir e a legitimar mudanças políticas, diplomáticas e novos consensos mais favoráveis e coincidentes com as ações israelitas no terreno. No contexto português, parece existir um cada vez maior investimento na construção dessa tal “pedagogia”, provavelmente com o objetivo de desacreditar os consensos históricos que marcam a posição oficial da diplomacia portuguesa e que podem ser resumidos como: “defender e considerar como legítimos os direitos do povo palestiniano a terem um Estado, condenar a ocupação por Israel dos territórios árabes e defender a existência do Estado de Israel.” [5]

Para esse efeito é ativada uma ampla e difusa rede de pressão e influência que conta ainda com a Associação Lusa Portugueses por Israel, fundada em 2020 e presidida por Madalena Barata, representante da Israel Allies Foundation que organizou uma festa de despedida para Dor Shapira, antigo embaixador de Israel em Portugal. Nesse evento estiveram presentes algumas das mesmas pessoas envolvidas na viagem organizada pela ELNET, mas também deputados de outros partidos políticos (Partido Socialista, Iniciativa Liberal e Chega), membros do executivo municipal de Lisboa e importantes “fazedores de opinião” que contribuem com diferentes grupos portugueses de comunicação social. [6] Não é então surpreendente que a construção de novos consensos passe também pelo espaço mediático, onde é repetida, quase pelas mesmas palavras, a narrativa oficial dos representantes diplomáticos de Israel em Portugal. [7] Estes novos consensos são costurados num contexto de avanço da extrema-direita, em que a UE e os seus Estados-membros assumem, cada vez mais, o “modelo israelita de sociedade”, onde a paz se constrói pela guerra e onde a “ordem social e política securitária alimenta-se não apenas da sucessão de ‘ameaças’ externas, mas também da identificação obsessiva de inimigos internos”. [8]

Importante para a identificação destes “inimigos” tem sido a errada e perigosa equiparação entre antissemitismo e antissionismo, uma narrativa antes marginal em Portugal, mas que começa agora a ganhar espaço, muito como resultado da Estratégia da União Europeia para Combater o Antissemitismo e Apoiar a Vida Judaica (2021-2030) que adotou a definição operacional de antissemitismo da Aliança Internacional para a Memória do Holocausto (IHRA).

Indo ao encontro da agenda dos grupos de pressão pró-Israel e como forma de calar as vozes que abrem fissuras num consentimento difícil de fabricar enquanto um genocídio é cometido, o governo português nomeou, em fevereiro de 2025, um novo coordenador nacional da estratégia da UE –mais empenhado em silenciar críticos de Israel [9]– e foram apresentados para discussão, em março de 2025, na Assembleia da República, dois Projetos de Resolução (n.o 618/XVI/1.a e n.o 729/XVI/1.a) que recomendavam, de forma mais ou menos direta, a adoção, por Portugal, da definição operacional da IHRA, que ajuda a consolidar o estatuto excecional de impunidade que Israel ocupa no quadro de relações internacionais. A Resolução aprovada na sequência dessa discussão (n.o 115/2025) acaba por reforçar o papel da estratégia da UE de forma acrítica e, portanto, contribui para um processo que visa facilitar –como noutros contextos [10]– a criminalização de pessoas e/ou organizações solidárias com o povo palestiniano, que critiquem Israel e que exijam a prestação de contas pelos crimes cometidos na Palestina e no Médio Oriente.

Apenas deslegitimando e calando as vozes que se insurgem contra um Estado colonial que viola sistematicamente o direito internacional e o direito internacional humanitário é que se consegue normalizar o aprofundamento em curso dos laços políticos e das relações económicas entre Portugal [11] – assim como a grande maioria dos Estados-membros da UE [12] – e Israel.

Notas:

[1] Pappé, Ilan (2024), Lobbying for Zionism on Both Sides of the Atlantic, Londres: Oneworld Publications.

[2] “About”, European Leadership Network (https://elnetwork.eu/about/).

[3] William, Marcus (2024), “Revealed: The secretive group taking MPs on trips to Israel”, openDemocracy (https://www.opendemocracy.net/en/dark-money-investigations/elnet-mps-trips-israel-gaza-uk-politicians-trump-donors/).

[4] “ELNET-Israel & MFA Delegation of Portuguese Parliamentarians”, European Leadership Network (https://elnetwork.eu/country/israel/elnetisraelmfa-portuguesempsdelegation/).

[5] Reis, Bárbara (2023), “Há 50 anos que Portugal diz: tudo pela Palestina, nada contra Israel”, Público (https://www.publico.pt/2023/10/21/politica/opiniao/ha-50-anos-portugal-palestina-nada-israel-2067492).

[6] “Em pleno genocídio, PS e direita brindam com embaixador israelita”, Esquerda (https://www.esquerda.net/artigo/em-pleno-genocidio-ps-e-direita-brindam-com-embaixador-israelita/91782).

[7] “Helena Ferro de Gouveia concorda com embaixador de Israel: ‘Objetivamente não existe fome em Gaza’”, CNN Portugal (https://cnnportugal.iol.pt/videos/helena-ferro-de-gouveia-concorda-com-embaixador-de-israel-objetivamente-nao-existe-fome-em-gaza/678b87370cf23e044af767bc).

[8] Loff, Manuel (2025), “Guerra e paz”, Público (https://www.publico.pt/2025/02/19/opiniao/opiniao/guerra-paz-2123004).

[9] Loff, Manuel (2025), “Censura e intimidação”, Público (https://www.publico.pt/2025/05/14/opiniao/opiniao/censura-intimidacao-2132948).

[10] Ahmed, Sal (2025), “Meet the Jewish activist Germany arrested for being pro-Palestinian”, Middle East Eye (https://www.middleeasteye.net/news/germany-crackdown-israel-gaza-jewish-activist).

[11] “Comércio Internacional Portugal – Israel”, Gabinete de Estratégia e Estudos da República Portuguesa (https://www.gee.gov.pt/pt/docs/publicacoes/estatisticas-de-comercio-bilateral/israel/1599-comercio-internacional-de-portugal-com-israel/file).

[12] “Israel”, European Commission (https://policy.trade.ec.europa.eu/eu-trade-relationships-country-and-region/countries-and-regions/israel_en).

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