Dimensão analítica: Ambiente, Espaço e Território
Título do artigo: Inovação como base para o planeamento democrático e vice-versa: o contributo da governança experimental para o desenvolvimento territorial
Autor/a: Iván G. Peyré Tartaruga, Fernanda Queiroz Sperotto
Filiação institucional: Centro de Estudos de Geografia e Ordenamento do Território (CEGOT), Faculdade de Letras, Universidade do Porto
E-mail: itartaruga@letras.up.pt, fsperotto@letras.up.pt
Palavras-chave: inovação, governança, desenvolvimento territorial.
Atualmente, a humanidade enfrenta importantes desafios oriundos de diferentes domínios, como o económico (crescimento insuficiente e desemprego), o ambiental (mudanças climáticas e diminuição da biodiversidade) e o sanitário (riscos de surtos pandémicos, como Covid-19). Um caminho para superar esses problemas passa por políticas e planeamento voltados para bens e serviços comuns. No campo das políticas de inovação tecnológica, a importância do planeamento público é algo reconhecido no meio académico e observado em ações de governos nacionais de relevo em desenvolvimento tecnológico, como ilustram as políticas de inovação orientadas por missões nos Estados Unidos e alguns países da União Europeia. Basicamente, estas políticas têm por objetivo enfrentar importantes desafios da sociedade que necessitam de grandes esforços numa direção comum.
Fulcral no encaminhamento dessas ações e estratégias é a existência e o nível de participação dos cidadãos nessas estratégias inovativas. Portanto, o contributo da cidadania informada e interessada na gestão dos problemas cotidianos dos territórios urbanos e rurais é algo que merece ser investigado. Uma experiência nessa direção são as free innovations (inovações gratuitas), categoria de inovação apresentada pelo acadêmico Eric von Hippel [1]. Essas inovações, para além de serem criadas por pessoas comuns, normalmente em suas moradas, têm como objetivo solucionar, a priori, problemas particulares dessas pessoas e não possuem fins lucrativos. Bicicletas geradoras de energia elétrica, pâncreas artificial e diversas Apps são exemplos dessas inovações.
A literatura da inovação demonstra que as inovações requerem bases diferentes de conhecimento – analítica, sintética e simbólica –, geralmente complementares [2]: a analítica proveniente da ciência, tem seu papel valorizado, nomeadamente, nas parcerias universidade-empresa; a sintética, comum na engenharia e em outras áreas técnicas, fornece soluções práticas eficientes; enquanto a simbólica tem origem na cultura e é baseada em atributos estéticos. Especialmente, as duas últimas bases (sintética e simbólica) são fortemente influenciadas pelo uso do conhecimento tácito e, consequentemente, pelas características do território. Com efeito, tal conjunto de conhecimentos pode partir das pessoas comuns em suas atividades e espaços cotidianos.
Neste contexto, o tipo de planeamento que promove o reconhecimento das informações e conhecimentos da cidadania na construção das soluções dos problemas cotidianos, conhecido por governança experimental [3], nos parece essencial. Um tipo de governança que se empenha em envolver as pessoas diretamente na experimentação de inovações eficientes para cada território. Este modelo de governança está em linha com a perspetiva das políticas baseadas no lugar [4], que possui como principal diretriz a satisfação das necessidades vitais dos cidadãos em seus espaços de vivência. Necessidades fundamentadas na economia fundacional [5], isto é, nos setores essenciais para as pessoas como saúde, educação, serviços dirigidos aos idosos, energia ou agroalimentar. Esta economia tem por base o consumo social (coletivo) de bens e serviços essenciais através de políticas públicas.
O Mission-Oriented Innovation Network (MOIN), uma rede de investigação da University College London, vem a acompanhar alguns exemplos interessantes do tipo de políticas discutidas aqui, as de missões baseadas no lugar. Vejam-se os exemplos das cidades espanholas de Valencia e Barcelona. Enquanto a primeira possui como objetivo tornar a cidade mais saudável, cooperativa, empreendedora e sustentável, Barcelona almeja alcançar uma economia inovadora e inclusiva, um rendimento maior das pessoas, uma mobilidade segura e sustentável, uma alimentação saudável, uma melhor coesão social, uma moradia adequada para todos, e uma maior vitalidade cultural. Outro exemplo interessante é o dos laboratórios de inovação do setor público como, por exemplo, a Agência de Inovação (NESTA) britânica e o Fundo de Inovação da Finlândia. Estes laboratórios visam promover inovações sociais por meio de financiamentos e promoção de espaços físicos adequados para a cidadania encontrar soluções aos seus problemas cotidianos.
Em Portugal, mesmo que de forma menos abrangente e estruturada, já há programas importantes nesse sentido, como a iniciativa Portugal Inovação Social do governo português com apoio do Fundo Social Europeu. Esta iniciativa apoiou nos últimos anos um pouco mais de 600 projetos no país por meio de concursos públicos de empreendedorismo e inovação social. Deste modo, foram apoiados projetos em educação, emprego, inclusão digital, incubadoras de inovação social, saúde, entre outros. Assim, os projetos abrangeram desde a promoção da educação escolar através de jogos digitais de aprendizagem (games), na Região Centro, como a disponibilidade de modo solidário de alimentos por meio de hortas urbanas, no Algarve.
O Centro de Inovação Social é outro exemplo português interessante. Órgão criado pela Câmara do Porto, visa promover e sensibilizar a população local nos temas da inovação social. Nesse sentido, este Centro realizou o concurso “Pontes para o Futuro” que ofereceu premiações (recursos financeiros) para a cidadania organizada propor projetos de inovação social para a cidade. Além das premiações, as equipas vencedoras recebiam capacitação para a efetivação dos projetos.
Por fim, a promoção de inovações por meio da governança experimental pode ser um dos caminhos para um planeamento mais democrático e condizente com um desenvolvimento territorial multidimensional [6]: social, económico, ambiental, tecnológico e preocupado com as desigualdades socioeconómicas. O principal desafio desta perspetiva reside na identificação e efetivação das potencialidades e oportunidades no território de Portugal.
Notas:
[1] von Hippel, E. (2016). Free Innovation. Cambridge: MIT Press.
[2] Asheim, B., Boschma, R. & Cooke, P. (2011). Constructing Regional Advantage: Platform Policies Based on Related Variety and Differentiated Knowledge Bases, Regional Studies, 45, 893-904.
[3] Morgan, K. (2018). Experimental governance and territorial development, Paris: OECD.
[4] Barca, F., Mccann, P., & Rodríguez-Pose, A. (2012). The case for regional development intervention: place-based versus place-neutral approaches, Journal of Regional Science, 52, 134-152.
[5] Coenen, L. & Morgan, K. (2020). Evolving geographies of innovation: existing paradigms, critiques and possible alternatives, Norsk Geografisk Tidsskrift – Norwegian Journal of Geography, 74, 13–24.
[6] Tartaruga, I. & Sperotto, F. (2021). Rethinking clusters in the sense of innovation, inclusion and green growth, In S. R. Sedita; S. Blasi (Eds.). Rethinking Clusters: Place-based Value Creation in Sustainability Transitions (101-110), Cham, Switzerland: Springer.
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