Dimensão analítica: Saúde
Título do artigo: Relação dos médicos com a indústria farmacéutica
Autor: Joaquín Lamela López
Filiação institucional: Clínica de Neumología Doctor Lamela, Orense (España)
E-mail: info@clinicajoaquinlamela.com
Palavras-chave: relação, médicos, indústria farmacêutica.
“Quando um tema se presta muito a controversia não se pode esperar dizer a verdade. Só pode explicar como se chega a formular uma opinião” (Virginia Wolf) [1].
Na minha opinião, construida por trinta anos da relação com a indústria farmacêutica e mais de dez sem relação nenhuma, os médicos cairão nas mãos das companhias farmacêuticas. Quase me atrevo a dizer que os médicos fazem de intermediarios entre elas e os doentes.
Exporei as razões porque os médicos caíram nas suas mãos, qual poderá ser o futuro se continuar assim, e que devemos fazer para corrigir esta relação inadequada mas transversal a muitos países da europa, incluindo Portugal.
São três as razões porque caímos nas suas mãos: o marketing agressivo das companhias farmacêuticas, a perda de poder aquisitivo e a desonestidade dos médicos.
Marketing agressivo das companhias farmacéuticas – Analisarei vários aspetos relacionados com esta afirmação. Um, talvez o mais importante, é o papel dos delegados de informação médica “DIM”. Eles são pagos para fazer o que lhes dizem os seus chefes. Esta mensagem pode resumir as instruções que lhe são dadas: “o objetivo é conseguir cinquenta ou mais receitas por semana em cada zona (…).
E se não atingir esse número terá que questionar se a relação de confiança que dizem ter com os médicos é realmente tão boa. Responsabiliza-los por todo o tempo gasto, das amostras, das refeições, dos eventos que lhes proporcionaram e de fechar o acordo. Está nas vossas mãos” [2].
Além disso, as companhias farmacêuticas convidam os médicos para congressos e também para reuniões que organizam para apresentar novidades terapêuticas, muitas vezes em países estrangeiros, em bons hotéis e com refeições sofisticadas. Nestas reuniões contam com médicos “líderes de opinião” – designação adquirida e baseada muitas vezes só no interesse e na publicidade das companhias farmacêuticas – para detalhar as “excelências” de algum medicamento que a companhia patrocinadora do evento organiza e comercializa. Alguns destes “líderes de opinião” estão ligados às companhias farmacêuticas como consultores; outros são bons comunicadores que trabalham para distintas companhias e convencem os médicos convidados da excelência do fármaco a troco de boas retribuições.
Os convites aos médicos aumentam as prescrições desnecessárias com repercussões perversas para os doentes e económicamente para todos os cidadãos. Se se investe tanto em marketing com os médicos é porque há retorno do investimento. Não direi os valores dos investimentos porque são assombrosos. Só um exemplo: em 2014 a indústria farmacêutica pagou 6,5 biliões de dólares a hospitais e médicos americanos [3].
As companhias farmacêuticas suportam a maior parte dos gastos dos congressos das sociedades médicas e influenciam a escolha dos conferencistas. As publicações destas sociedades são patrocinadas por elas, e concedem avultadas quantidades de dinheiro para bolsas e cursos de formação. Se não fosse assim seria necessário encerrar a maior parte destas sociedades porque seriam inviáveis apenas com as cotas dos sócios.
As companhias farmacêuticas dão grande importancia aos cursos de formação médica. Dizem que são o que move o mercado [4]. Estes cursos, suportados por elas, são organizados pelas sociedades médicas e destinam-se a médicos em formação. As companhias farmacêuticas intervêm na escolha dos formadores. Estes formadores são “peritos” bem relacionados com elas, e as conferencias naturalmente condicionadas a seu favor.
Financiam também associações de doentes porque estas podem pressionar os governos para que aprovem medicamentos de utilidade duvidosa.
Perda de poder aquisitivo do médico – a perda de poder aquisitivo do médico nas últimas décadas contribuiu para que os médicos tenham caído nas mãos das companhias farmacéuticas.
Os políticos que governam a saúde pública encarregaram-se de dividir os médicos impondo a exclusividade. Esta divisão conduziu que a luta por melhores salários não sejam eficazes e que os intereses sejam distintos entre grupos de médicos.
Em saúde pública não há competitividade; recompensa-se igualmente os bons e os maus médicos. Isto gera mal-estar nos médicos competentes e estimula alguns deles a procurar “apoio” nas companhias farmacêuticas.
Para a perda de poder aquisitivo dos médicos também contribuíram as companhias privadas de saúde. Elas auferem grandes beneficios à custa de honorários miseráveis aos médicos pelas consultas aos seus asociados.
Desonestidade dos médicos – Os médicos esqueceram o primeiro dos 4 “H” que deve ter todo o bom médico, segundo William Osler: honestidade, humanidade, humildade e humor [5].
O futuro, se continuarmos assim – Segundo o texto de Richard Smith, médico e ex diretor do British Medical Journal [6]: “os médicos acabarão por cair em desgraça perante a opinião pública, como aconteceu com jornalistas, deputados e banqueiros por não terem sido capazes de ver até que ponto aceitaram a corrupção”.
Que devemos fazer para nos libertarmos das companhias farmacêuticas – Os médicos devem terminar esta relação imprópria, nefasta para os doentes e cidadãos com as companhias farmacêuticas.
Para o conseguir devem deixar de comunicar com os DIM e não aceitar convites para assistir a congressos ou a reuniões das suas companhias.
A formação continua deve ser suportada pelo médico ou pela empresa onde trabalha.
Não pertencer a sociedades médicas financiadas pelas companhias farmacêuticas e não subscrever revistas subsidiadas pela publicidade destas companhias nem relacionar-se com associações de doentes que dependam delas.
As companhias farmacêuticas, com a ajuda dos “peritos” ou “líderes de opinião” aspiram a que todos os cidadãos se convertam em doentes, ou melhor, que todos os cidadãos incluindo os que estão de boa saúde, tomem medicamentos.
Notas
[1] Wolf, V. (1929), A Room of One’s Own (Una habitación propia). España, Ed. Seix Barral 1997.
[2] Mensaje del Gerente Regional de Novo Nordisk a sus visitadores médicos (2006), New York Times, 28 enero.
[3] McCarhy, M. (2015), Industry paid $6.5bn to US physicians and hospitals in 2014, British Medical Journal, 351, pp. 3697.
[4] Ladelfeld, C.S.; Steinman, M.A. (2009), The Neurontin legacy – marketing through misinformation and manipulation, New England Journal of Medicine, 360, pp. 103-106.
[5] Bliss, M. (2002), William Osler: A Life in Medicine, University of Toronto Press.
[6] Gotzsche, P.C. (2014), Medicamentos que matan y crimen organizado. Cómo las grandes farmacéuticas han corrompido el Sistema de Salud. España, Ed. Los libros del lince, Prólogo, pp 20.
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