O menosprezo pela igualdade na distribuição da riqueza

Dimensão analítica: Cidadania, Desigualdades e Participação Social

Título do artigo: O menosprezo pela igualdade na distribuição da riqueza

Autor: João Moreira de Campos

Filiação institucional: Universidade Católica Portuguesa

E-mail: joãomoreiradecampos@gmail.com

Palavras-chave: Desigualdade social, Crise económica, Riqueza.

A tese de Francis Fukuyama sobre o fim da História (1989) previa que o domínio de uma única super-potência acarretasse a estabilidade global. Após décadas de um jogo de sombras, a ideia de que o equilíbrio geo-político e a globalização económica contribuiriam para o bem-estar económico e social prevaleceu. Todavia, a chegada do século XXI defraudou as expectativas mais optimistas quanto à expansão contínua da prosperidade. A primeira década do novo século iniciou-se com uma crise à escala mundial de curta duração e de impacto moderado. Passados não mais do que seis anos, a contracção da economia global voltou a acontecer, desta vez com uma magnitude consideravelmente superior.

Além de frustrar a expectativa generalizada de prosperidade ininterrupta, a eclosão das duas crises obrigou à reflexão sobre os pressupostos teóricos estabelecidos nas ciências económicas. Neste sentido, conceitos como o de ciclo económico foram alvo de múltiplas interrogações. Uma das hipóteses colocadas por diversos analistas foi a de que os ciclos económicos estariam a tornar-se mais curtos, ou seja começou a debater-se a ideia de que a crescente volatilidade da actividade económica a nível global poderia contribuir para a ocorrência de períodos de recessão mais frequentes. Uma das previsões que resultou desse debate foi a possibilidade de uma nova crise económica surgir entre 2016 e 2020.

Caso esta previsão esteja correcta e surja um novo colapso de dimensão global em breve, a situação portuguesa poderá tornar-se ainda mais dramática do que foi nos últimos anos. Num país que ainda procura o melhor caminho para recuperar da devastação causada pela crise anterior, um novo choque significaria o enfraquecimento de um tecido social que se encontra muito debilitado e o aprofundamento das abissais desigualdades já existentes. De acordo com o último relatório de desenvolvimento humano das Nações Unidas (2015), do conjunto dos países europeus mais desenvolvidos, só a Croácia, Montenegro e a Letónia enfrentam situações de desigualdade mais agudas do que aquela com que Portugal se debate. Esta condição justifica-se sobretudo pela desigualdade existente ao nível da educação e pela disparidade dos níveis de rendimento.

Após cinco anos de severa austeridade, não é de estranhar que Portugal seja um dos países europeus onde a riqueza é distribuída de forma mais desigual. As políticas públicas adoptadas pelos anteriores Governos em muito contribuíram para que fosse esta a realidade. Por exemplo, entre os primeiros trimestres de 2011 e 2013, o número de beneficiários de prestações sociais como o abono de família ou o rendimento social de inserção decresceu significativamente (-5,8% e -13,5%, respectivamente). A diminuição dos apoios sociais, acompanhada pelo aumento do desemprego e pela redução dos níveis de rendimento, contribuíram para que o fosso entre os que mais têm e os mais desfavorecidos continuasse a ser um dos maiores da Europa.

Embora seja uma realidade com que os portugueses se debatem desde há muito e de forma cada vez mais acentuada, a verdade é que a desigualdade na distribuição da riqueza continua a ter um papel secundário na discussão pública. Raramente é tida como uma das principais causas dos insucessos nacionais, ou sequer considerada uma das consequências mais preocupantes das políticas públicas implementadas. Perante a situação devastadora que Portugal atravessou nos últimos anos, seria lógico que a reivindicação de uma distribuição mais equitativa da riqueza fosse assumida por uma ampla maioria da população. Ao invés, ficou a ideia de que os portugueses tinham incorporado mais facilmente o sentimento de culpa própria, responsabilizando-se pela utilização desmedida das linhas de crédito e acusando os seus concidadãos de terem vivido opulentamente acima das suas possibilidades, aceitando simultaneamente a desigualdade na distribuição da riqueza como algo natural, inevitável e perfeitamente enquadrado no contexto europeu.

O próprio debate político acaba por não atribuir a atenção devida a este problema. Durante os longos meses de discussão sobre o passado, o presente e o futuro do país provocada pelos actos eleitorais que ocorreram, o tema da desigualdade na distribuição da riqueza foi frequentemente relegado para segundo plano em detrimento de questões como o financiamento da economia nacional ou a consolidação das contas públicas. Mesmo a maioria dos partidos e dos candidatos que se debruçaram sobre a urgência do combate à pobreza acabaram por não dar o devido enfoque a este assunto. O receio de que as soluções que preconizam possam ser consideradas demagógicas ou impopulares leva a que, muitas vezes, os actores políticos evitem abordá-lo. Desta feita, entre a população portuguesa, acaba por não haver a percepção de que as assimetrias sociais com que o país se debate não encontram paralelo na generalidade das nações europeias.

Apesar de não ter a relevância merecida em território nacional, o tema da desigualdade na distribuição da riqueza tem estado no centro da discussão política e económica noutras latitudes. O sucesso do livro “O Capital no século XXI” assim o comprova. Nesta obra, Thomas Piketty advoga que a desigualdade na distribuição de riqueza se deve sobretudo à acumulação de capital e não tanto às discrepâncias existentes entre níveis de rendimento, suportando esta conclusão com a ideia de que a taxa de rendimento do capital é, em média e no longo-prazo, superior à taxa de crescimento da produção. Anteriormente, Paul Krugman havia defendido que níveis de imposto mais reduzidos sobre ganhos de capital não promovem necessariamente o crescimento económico. Um fenómeno global mais recente tem sido protagonizado por Bernie Sanders nas eleições primárias do Partido Democrata. Assumindo a luta contra a desigualdade na distribuição da riqueza como principal mensagem da sua campanha, o senador do Vermont tem conseguido cativar milhões de pessoas, sobretudo jovens que têm aderido de forma entusiástica, o que indicia que este é um tema que pode marcar definitivamente o futuro.

Se se vierem a confirmar as previsões mais pessimistas de alguns analistas económicos, é possível que o impacto de uma nova contracção na economia dê força a um movimento nacional com semelhanças ao de Bernie Sanders. O resultado do Bloco de Esquerda nas últimas eleições Legislativas terá sido, provavelmente, uma primeira amostra do quão real pode ser essa hipótese. Mesmo que a este problema não corresponda uma mudança política e consequentemente prática, um novo colapso económico pode despoletar uma maior consciencialização dos portugueses quanto à forma como a riqueza é distribuída e gerar um debate aprofundado sobre o modelo de sociedade que se pretende construir. Ainda assim, dada a premência do problema e o recente calvário social que o país atravessou, qualquer uma das hipóteses chegará sempre tarde.

Bibliografia

Abreu, A., Mendes, H. & Rodrigues, J. (2013), A crise, a troika e as alternativas urgentes, Tinta-da-China.

Fukuyama, F. (1989), “The end of history?.” The national interest 16: 3-18.

Krugman, P. (2012), Taxes at the Top, The New York Times, Disponível em http://www.nytimes.com/2012/01/20/opinion/krugman-taxes-at-the-top.html.

Organização das Nações Unidas (2015), Human Development Report 2015: Work for Human Development, Disponível em http://hdr.undp.org/sites/default/files/2015_human_development_report.pdf.

Piketty, T. (2014), Capital in the twenty-first century, Harvard University Press.

Turner, M. (2011), Are economic cycles getting shorter?, Financial News, Disponível em http://www.efinancialnews.com/story/2011-06-24/economic-cycle-shorter

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