Dimensão analítica: Economia e Política
Título do artigo: Crise(s) e representações da globalização em Portugal
Autora: Raquel Ribeiro (1, 2), Gabrielle Poeschl (1)
Filiação institucional: (1) Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto; (2) Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra
E-mail: rribeiro@fpce.up.pt
Palavras-chave: globalização, crise económica, representações sociais.
A Grande Recessão, como foi apelidada a crise financeira e económica global originada na crise do mercado hipotecário subprime (empréstimos de risco) norte-americano no ano de 2007, foi a mais grave desde 1929 resultando numa contração do PIB mundial e numa perda de cerca de 67 milhões de empregos à escala global [1].
A crise tornou saliente a fragilidade do sistema económico-financeiro global e a possibilidade da ocorrência de novas crises, propiciadas pelo aumento da volatilidade dos fluxos de capitais e financeirização da economia decorrentes do processo de globalização. Tornou também saliente a gravidade e extensão que tais crises podem ter pela interdependência entre países e efeitos de contaminação [2].
Se no início da crise chegou a ser apontada a necessidade de uma mudança paradigmática, de romper com a ideologia neoliberal dominante no processo de globalização [3], o decorrer da crise mostrou que tal não ocorreria. Contrariamente, em vez da propalada regulação do sistema financeiro, os resgates dos bancos pelos Estados transferiram os custos da crise para os indivíduos e suas famílias. O discurso de que se “viveu acima das possibilidades” legitimou as fortes medidas de austeridade implementadas um pouco por toda a Europa, com especial enfoque nos países sobre assistência financeira da Troika. Como resultado, os sistemas que garantem os direitos fundamentais inalienáveis foram comprometidos [4] e as desigualdades sociais aumentaram na maioria dos países [5].
Se é verdade que a globalização sempre dividiu a opinião pública [6], diversos estudos revelam uma diminuição crescente de entusiasmo sobretudo nos países ricos e desenvolvidos, nomeadamente pelo aumento das desigualdades sociais [7][8].
Em Portugal, diversos estudos procuraram conhecer a representação das pessoas leigas sobre o fenómeno. Esses estudos revelaram uma atitude globalmente mais favorável que desfavorável, centrada na ideia de “união”, na unificação à escala mundial caracterizada pela ausência de fronteiras, partilha de informação e uniformização, mas também enquanto processo multidimensional abrangendo aspetos económicos, culturais, ambientais, tecnológicos e políticos [9].
Um dos estudos, realizado no advento da crise (2008-2009) [10], evidenciava uma ancoragem da representação no processo de integração na União Europeia, sobretudo por parte das pessoas mais favoráveis ao fenómeno, percecionada como protetora e potenciadora dos efeitos negativos e positivos da globalização, respetivamente. Contrariamente, as pessoas menos favoráveis salientavam a injustiça e as desigualdades sociais, considerando a globalização um jogo de soma nula, de vencedores e vencidos. Para estes últimos, a regulação do processo de globalização era necessária e possível, cabendo este papel não só às instituições nacionais e internacionais, mas também aos indivíduos e organizações da sociedade civil.
Um estudo exploratório realizado após dois anos de medidas de austeridade no quadro do programa de assistência financeira [11] sugeria uma diminuição da possibilidade percebida de ação por parte das pessoas menos favoráveis à globalização, i.e. aquelas que alertavam para as consequências adversas decorrentes da forma como o processo estava a ser conduzido. O estudo sugeria ainda que tal perda de empoderamento poderia estar associada ao desenrolar da crise na medida em estes inquiridos consideravam mais que os restantes que a crise tinha a ver com a globalização.
A forma como as nações e as entidades internacionais, nomeadamente as instituições europeias, lidaram com as consequências da crise parece ter enfraquecido a mobilização social daqueles que pugnavam por uma mudança da globalização em curso. Talvez porque as diversas ações de protesto que decorreram um pouco por toda a Europa entre 2011 e 2012 contra a crise e as medidas de austeridade [12] resultaram em poucas ou insignificantes mudanças no curso da governação global.
A crise parece ter tornado salientes não só os riscos da globalização financeira e económica, mas também os perigos da globalização política. Com efeito, a globalização tem conduzido a um esvaziamento progressivo do espaço de decisão dos governos nacionais, pela transferência do poder para entidades supranacionais ou regionais. Na medida em que estas entidades defendem frequentemente os interesses das nações mais ricas e poderosas que as tendem a controlar, elas adquirem também o poder de legitimar ou fazer fracassar a vontade dos cidadãos expressa democraticamente a nível nacional. A forma como as instituições europeias lidaram com a crise das dívidas soberanas decorrente da crise internacional, particularmente na Grécia, é disso exemplo.
Se alguns indicadores económicos por vezes sugerem que o pior da crise económica poderá já ter passado, as consequências da crise no que refere à confiança dos/as cidadãos/ãs nas instituições internacionais [13] e no próprio sistema democrático poderá estar ainda por vir… e determinar o futuro do próprio processo de globalização.
Notas
[1] United Nations (2013). The millennium development goals report. New York: United Nations.
[2] United Nations Development Program (1999). Human development report 1999. New York: Oxford University Press.
[3] Admati, A. & Hellwig, M. (2013). Bankers’ new clothes: What’s wrong with banking and what to do about it. Princeton: Princeton University Press.
[4] Tamamović, A.I. (2015). The impact of the crisis on fundamental rights across Member States of the EU – Comparative analysis, Disponível em [Consult. 19 Set 2015]: <http://www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/STUD/2015/510021/ IPOL_STU%282015%29510021_EN.pdf>
[5] Oxfam (2014). Working for the few: Political capture and economic inequality, Disponível em [Consult. 12 Set 2015]:<https://www.oxfam.org/en/research/working-few>
[6] World Economic Forum. (2002). Global public opinion on globalization, Disponível em [Consult. 20 Mai 2005]:<www.globescan.com/global/>
[7] Kohut, A. & Wike, R. (2008). Assessing globalization benefits and drawbacks of trade and integration, Disponível em [Consult. 6 Jun 2015]:<http://www.pewglobal.org/ 2008/06/24/assessingglobalization/>
[8] Pew Research Center (2014). Faith and skepticism about trade, foreign investment, Disponível em [Consult. 14 Set 215]:<http://www.pewglobal.org/2014/09/16/faith-and-skepticism-about-trade-foreign-investment/>
[9] Ribeiro, R. & Poeschl, G. (2013). Globalização e suas consequências: Representações de estudantes e profissionais portugueses. Psicologia e Saber Social, 2(1), 51-71.
[10] Ribeiro, R. (2011). Representações da globalização, justiça e relações entre países: Um contributo para o estudo do metassistema das representações sociais (Tese de Doutoramento). Universidade do Porto, Portugal.
[11] Ribeiro, R. & Poeschl, G. (2015). Portuguese economic crisis and social representations of globalization. 2nd Cive Morum International Congress, pp. 43-44.
[12] E.g., o 12 de março em Portugal e o movimento dos “indignados”, as manifestações na praça Syntagma (Grécia) ou na Puerta del Sol (Espanha).
[13] Diversos relatórios do eurobarómetro revelam uma desilusão crescente com as instituições europeias, e.g.:<http://ec.europa.eu/ public_opinion/archives/eb/eb80/eb80_fact_pt_en.pdf>.
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