A Sustentabilidade e a Crise – da retórica à prolação

Dimensão analítica: Ambiente, Espaço e Território

Título do artigo: A Sustentabilidade e a Crise – da retórica à prolação

Autor: João Guerra

Filiação institucional: Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa

E-mail: Joao.Guerra@ics.ulisboa.pt

Palavras-chave: Sustentabilidade, Equidade, Crise.

Apesar de uma retórica que tem vindo a propagandear os imperativos de proteção ecológica e de equidade social, tal como foi defendido no relatório Bruntland que consagrou o conceito de desenvolvimento sustentável, os resultados práticos estão longe de ser satisfatórios. Diagnóstico que, aliás, é defendido no Relatório de Desenvolvimento Humano de 2011, onde se denuncia que as questões da igualdade social e da sustentabilidade ambiental são tratadas como aspetos separados e não relacionados, numa lógica contraproducente que condena ao fracasso o esforço de desenvolvimento (PNUD, 2011) [2].

Ainda que sem menosprezar alguns sucessos pontuais (dificilmente podemos adivinhar melhor desfecho sem as ações desenvolvidas nestas últimas três décadas), os resultados globais dececionantes decorrerão fundamentalmente de se ter falhado o alvo. Apesar de implícita a renúncia ao modelo capitalista/produtivista, pouco se contribuiu para a sua transformação e as leis do mercado, que incentivam produção e consumo, não só sobreviveram (Redclift 2009) [3] como, em tempos de dificuldades económicas, tendem a florescer. Em suma, desvalorizando-se o papel das reformas estruturais (i.e. democratização da economia), das reformas socioculturais (i.e., reformulação dos estilos de vida) e das reformas democráticas (i.e., envolvimento e participação dos cidadãos), promete-se a satisfação das necessidades de todos (gerações presentes e futuras) sem pôr em causa os padrões de consumo excessivo que só as atuais iniquidades sociais possibilitam. Condena-se, assim, o desenvolvimento sustentável à inoperância e ao wishful thinking.

Por conseguinte, um olhar holístico sobre a sustentabilidade implica que a crise económico-financeira que tem fustigado, muito em particular, os portugueses não possa desassociar-se da mais transversal crise ecológica advinda da escassez de recursos naturais. Ambas implicam degradação das condições ambientais com repercussões na qualidade de vida das populações, apesar de o seu potencial para a mudança social nem sempre surgir claro. Por um lado os picos de dificuldades económicas têm favorecido menor consumo, tecnologias mais eficientes e “amigas do ambiente” e, até, um impulso crescente do questionamento do modelo de desenvolvimento. Neste sentido, a atual crise poderia ter vindo a transformar-se numa oportunidade de mudança. Por outro lado, as mesmas dificuldades económicas têm empurrando os vários níveis de governação para uma lógica de curto prazo que responde ao sufoco económico, mas esquece o necessário rasgo de longo-prazo. Daqui decorre que, onde a crise mais aperta surgem os sinais mais evidentes de desinvestimento e, por conseguinte, de insustentabilidade.

Afinal, através das medidas de austeridade acrescentou-se crise à crise e favoreceram-se maiores e crescentes debilidades de programas e políticas de promoção da coesão social, em simultâneo com um maior desinvestimento nas políticas de proteção da qualidade ambiental. A ideia de equilíbrio entre justiça e equidade social, economia e ambiente – que estabeleceu a própria ideia de desenvolvimento sustentável – surge, por isso, cada vez mais desapossada pela “camisa-de-forças” orçamental que incita os governos (particularmente os mais afetados pela crise) a cortar drasticamente nas despesas públicas e no investimento, mostrando-se, assim, indisponíveis para lançar grandes pacotes de estímulo a uma reestruturação económica capaz de incentivar padrões de produção e de consumo mais sustentáveis.

Se, “de acordo com o Protocolo de Quioto, as economias mais avançadas deveriam ter reduzido a emissão de gases com efeito de estufa em cerca de 5% até 2010 (…), em termos globais as emissões subiram 40%” (Jackson, 2013:25) [4] no mesmo período. Com a crise económica instalada, as emissões podem até momentaneamente regredir, mas globalmente e a médio/ longo prazo há, no mínimo, sinais contraditórios que não permitem sequer um otimismo moderado. Em Portugal, o governo de Passos Coelho que tomou posse em 2011 “reviu em baixa todos os objetivos inscritos no Plano para as Energias Renováveis até 2020. A energia eólica sofreu um corte de 23%, a solar de 63%, as pequenas centrais hídricas de 33%; a biomassa de 20%; a geotermia de 60%; e a energia das ondas de 98%” (Pena, 2012) [5]. Justificando-se estas e outras medidas com a necessidade de racionalização económica, descuram-se metas antes delineadas, reduzem-se custos e aproveita-se a desaceleração económica para, apesar disso, ostentar níveis de emissões aparentemente mais aceitáveis sem que, na realidade, se altere nada de substancial na estrutura produtiva.

Um aparente sucesso na preservação ambiental pode, afinal, resultar de políticas que a curto, médio e longo prazo se anteveem insustentáveis. Até porque, tudo isto acontece em simultâneo com um desinvestimento nas políticas sociais e com um retrocesso nos direitos adquiridos dos cidadãos, numa fórmula combinada “de contenção das despesas do Estado, privatização do setor público, aumento dos impostos, diminuição dos salários e liberalização do direito do trabalho [que] corresponde a uma lógica sociológica de naturalização das desigualdades” (Ferreira, 2011: 120) [6] e, portanto, também de perpetuação das iniquidades socioambientais. Neste contexto de pauperização do Estado Social que, no caso português, apenas dava os primeiros passos, assiste-se a um desinvestimento social que cerceia a criação das condições necessárias para a prosperidade e para a implementação da sustentabilidade. Ainda que a visão holística da sustentabilidade – proteção do ambiente natural em confluência com a promoção do bem-estar social e a garantia de equidade intra e inter geracional – tenha vindo a granjear uma visibilidade e aceitação declarada crescentes, a realidade parece apontar para uma implementação globalmente medíocre que se agudiza em tempos de crise.

Notas

[1] CMAD (1987), O Nosso Futuro Comum – Relatório da Comissão Mundial para o Ambiente e o Desenvolvimento, Lisboa: Meribérica

[2] PNUD (2011), Relatório do Desenvolvimento Humano 2011, Lisboa: IPAD-PNUD.

[3] Redclift, M. (2009), “The Environment and Carbon Dependence: Landscapes of Sustainability and Materiality”, Current Sociology, 57 (3): 369–387.

[4] Jackson, T. (2013), Prosperidade Sem Crescimento – Economia para um Planeta Finito. Lisboa: Tinta da China.

[5] Pena, P. (2012),“Entrevista a Viriato Soromenho-Marques”, Visão, 25 de Outubro de 2012.

[6] Ferreira, A. C. (2011), “A sociedade de austeridade: Poder, medo e direito do trabalho de exceção “, Revista Crítica de Ciências Sociais – Onde para o mercado?. 95: 119 – 136.

.

Esta entrada foi publicada em Ambiente, Espaço e Território com as tags , , . ligação permanente.