Dimensão analítica: Condições e Estilos de Vida
Título do artigo: Cantina Social: o caso da Associação Dar as Mãos
Autor: Ana Maria Pereira Gomes Pedra
Filiação institucional: Associação Dar as Mãos – IPSS / Assistente Social
E-mail: anagpedra@hotmail.com
Palavras-chave: Economia Social, IPSS, Cantina Social.
A versão originária da Constituição de 1976 já previa três setores da economia: o público, o privado e o cooperativo. Com a revisão de 1989 passa a mencionar o setor público, o setor privado e o setor cooperativo e social. Na revisão constitucional de 1997 ao setor cooperativo e social é acrescentado um subsetor de solidariedade social. Salienta-se que “este sector social solidário, confrontado com necessidades infinitas, tem disponíveis recursos finitos, o que exige qualidade na sua ação, rigor e preocupações de sustentabilidade financeira” [1]. Do ponto de vista legal e de funcionamento, as organizações da Economia Social estão agrupadas em associações mutualistas, cooperativas e instituições particulares de solidariedade social [2]. Uma das caraterísticas destas organizações face às empresas ditas da Economia Formal é a sua importância social. A sua missão tem subjacente produzir bens e serviços com valor social, promover a cidadania e ter interesse pela comunidade onde estão inseridas. [3].
Consideram-se as “organizações sem fins lucrativos” referidas na Carta Social como sendo o conjunto das Instituições Particulares de Solidariedade Social com atuação em Portugal Continental. [4]. Constituídas sem fins lucrativos, por iniciativa de particulares, com a intenção de dar expressão organizada ao dever ético de solidariedade e de justiça entre os cidadãos, proporcionando respostas de ação social [1], através de equipamentos com serviços para os mais carenciados e da dinamização e aderência a parcerias em programas e projetos.
A Associação Dar as Mãos, constituída em 13 de maio de 1994, é uma IPSS (Diário da República nº 64, III Série, de 16 de março de 2004). Segundo consta no Artigo 2º dos respetivos Estatutos, tem por objetivo a ação social, o apoio à integração social, o apoio comunitário, nomeadamente à infância, juventude, deficiência, família e terceira idade, em situação de carência socioeconómica, no concelho de Vila Nova de Famalicão.
Uma área de intervenção em que tem sido efetuado um trabalho de apoio à integração social e apoio à comunidade é a designada Cantina Social, resposta social que iniciou a sua atividade em 14 de dezembro de 2004, com a designada “Sopa dos Pobres”. Desde 16 de outubro de 2010 é servida uma refeição diária a quem a solicita. No âmbito de um protocolo celebrado com o Instituto da Segurança Social, e desde 01 de julho de 2014, são abrangidas 50 refeições diárias (jantar).
A Cantina Social insere-se no âmbito da Convenção da Rede Solidária das Cantinas Sociais. Um dos objetivos do Plano de Emergência Social prende-se com a necessidade de suprir as carências alimentares dos indivíduos e das famílias em situação de vulnerabilidade, através da disponibilização de refeições. Com a finalidade de diminuir o impacto da crise económico-financeira dos últimos tempos e de maximizar os recursos sociais existentes, foi implementado o Programa de Emergência Alimentar, aumentando assim a resposta às situações de fome.
As entidades do setor social e solidário são um pilar fundamental no suporte e apoio a todos aqueles que, por vicissitudes diversas, se encontram numa situação de fragilidade, constituindo-se, assim, num instrumento mais próximo dos cidadãos e com maior capacidade de resposta às situações de carência ou de desigualdade social. [5]
De forma a contextualizar a Cantina Social da Associação, é pertinente apresentar a caraterização socioeconómica do concelho de V. N. de Famalicão. Em crescente processo de urbanização, localiza-se numa área de povoamentos dispersos, de alta densidade demográfica e de uma industrialização difusa, afeta à indústria têxtil, vestuário e calçado. A Região Norte e o concelho de Famalicão caraterizam-se pelo forte dinamismo demográfico, devido à percentagem elevada de população jovem. Salienta-se uma das mais elevadas taxas de desemprego, em especial destaque no Vale do Ave. A pobreza continua a ser um dos aspetos mais preocupantes a merecer intervenção neste concelho. Paralelamente, surgem várias problemáticas associadas: violência, toxicodependência, alcoolismo, precariedade habitacional e situações de sem-abrigo. Idosos, crianças, jovens e famílias monoparentais são os grupos-alvo afetados pelas condições precárias.
Os beneficiários das Cantinas enquadram-se nos seguintes critérios: idosos com baixos rendimentos; famílias expostas ao fenómeno do desemprego; famílias com filhos a cargo; pessoas com deficiência; pessoas com dificuldades em (re)ingressar no mercado de trabalho.
Os problemas sociais relacionados com a pobreza e a exclusão social representam uma situação complexa e ameaçadora da coesão social. É importante relacionar a noção de exclusão social com o conceito de pobreza: esta consiste numa situação de privação e falta de recursos; aquela associa-se à não realização de direitos de cidadania, processos de fragilização e desvinculação nas relações sociais e familiares e nos processos de produção. Assim, ser excluído significa encontrar-se simultaneamente fora da ordem do trabalho e das redes concretas de solidariedade. É encontrar-se sem um lugar determinado na sociedade [6].
A exclusão, ao ser qualificada de «social», permite o entendimento de uma relação com a sociedade e, neste sentido, tem a ver com a cidadania. Igualmente, “ao definirmos «exclusão social» é preciso ter, implícita e explicitamente, uma ideia do que significa o seu oposto, correntemente designado por «inclusão social», «integração social» ou «inserção social», (…)” [7], sendo que, “a não-integração de uma parte da população é um desafio para qualquer sociedade” [8]. O fenómeno da exclusão social exige a intervenção no sentido da garantia dos direitos sociais, traduzidos no “direito de integração como elemento para a reconstrução dos direitos de cidadania” [9].
Nas sociedades atuais, caraterizadas pela multiplicidade de riscos sociais, a intervenção social assume-se como instrumento privilegiado para assegurar a integração das pessoas e o exercício dos direitos humanos. Procurando uma maior eficácia das políticas sociais, a Associação Dar as Mãos visa a integração dos beneficiários tendo em atenção o valor intrínseco da dignidade da pessoa humana.
Notas
[1] Bordalo, F. & Cruz, M. (2010), Gestão de IPSS, Ana Paula Nicolau, Carla Sepúlveda e Manuela Cruz (Orgs.), Braga: Célula 2000.
[2] Viçoso, D. (1998), “A Contabilidade das Organizações Sem Finalidade Lucrativa”, Pestana Barros e J. C. Gomes Santos (Orgs), O Mutualismo Português: Solidariedade e Progresso Social, Lisboa: Vulgata, pp. 203-216.
[3] Campos, M. C. (2004), Economia Social e o Terceiro Sector em Portugal: delimitação, estudos e projectos, (Mesa Redonda realizada em 22 de Janeiro no auditório do INDEG/ISCTE de Lisboa).
[4] Nunes, F., Reto, L. & Carneiro, M. (2001), O Terceiro Sector Em Portugal: Delimitação, Caracterização e Potencialidades, Lisboa: INSCOOP.
[5] Compromisso de Cooperação para o Setor Social e Solidário – Protocolo para o Biénio 2015-2016
[6] Castel, R. (2000), A precariedade: transformações históricas e tratamento social, M.-H. Soulet (org.), Da não-integração: tentativas de definição teórica de um problema social contemporâneo, Coimbra: Quarteto Editora, pp. 21-38.
[7] Costa, A. B. (2004), Exclusões Sociais, Colecção Fundação Mário Soares, Cadernos Democráticos 2, 4ª ed., Lisboa: Gradiva Publicações, Lda.
[8] Walgrave, L. (2000), Vulnerabilidade Societal e Acção Social, M.-H. Soulet (org.), Da não-integração: tentativas de definição teórica de um problema social contemporâneo, Coimbra: Quarteto Editora, pp.75-106.
[9] Pereirinha, J. (1996), “A (Re) Definição dos Direitos Sociais Face à Crise do Estado-Providência e ao Fenómeno da Exclusão Social”, Intervenção Social, 15/16, pp. 131-142.
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