Interesse pela Política e Confiança nas Instituições políticas: Portugal em comparação europeia

Dimensão analítica: Economia e Política

Título do artigo: Interesse pela Política e Confiança nas Instituições políticas: Portugal em comparação europeia

Autor: Rui Brites

Filiação institucional: Sociólogo. Investigador do CIES/ISCTE-IUL e Prof. Associado convidado do ISEG/Universidade de Lisboa

E-mail: rui.brites@outlook.com

Palavras-chave: interesse pela política, confiança.

 

A mesa resplandecia; e as tapeçarias, representando massas de arvoredos, punham em redor como a sombra escura de um retiro silvestre onde, por um capricho, se tivessem acendido candelabros de prata. Os vinhos saíam da frasqueira preciosa do Ramalhete. De todas as coisas da Terra e do Céu se grulhava com fantasia – menos de «política portuguesa», considerada conversa indecorosa entre pessoas de gosto”

                                                                   Eça de Queiroz (Os Maias)

 

O interesse pela política é um indicador que funciona como barómetro da preocupação dos cidadãos pela “coisa pública”. À resposta “De um modo geral, qual o seu interesse pela política?”, colocada pelo European Social Survey, os europeus responderam da seguinte forma:

Interesse pela política na Europa, por país

1Fonte: European Social Survey, base acumulada, 2002-2012

Como se pode observar, entre os 30 países analisados, os portugueses são os que mais afirmam que não se interessam pela política (39%) contra os 19% do total. O ditado popular “a minha política é o trabalho”, parece ter uma ancoragem forte em Portugal, onde aliás, uma expressão equivalente, ganhou um inusitado mediatismo quando o Primeiro-ministro na altura – Cavaco Silva –, solicitado a pronunciar-se sobre a Política nacional, então relativamente “turbulenta”, terá respondido: “deixem-me trabalhar”, entendido pela opinião pública “publicada” como querendo dizer, precisamente, que a sua política era o trabalho.

A posição relativa de Portugal no contexto europeu deve ser um motivo de preocupação e de chamada de atenção para o poder político, pois se juntarmos a estes resultados a confiança nas instituições políticas, vemos que Portugal também se destaca por ser um dos países com as taxas mais elevadas de desconfiança. Confiam apenas moderadamente na Polícia (5,2) e desconfiam da Assembleia da República (3,4) e da Justiça (3,8). Os Políticos (2,2) e os Partidos políticos (2,1) merecem níveis de desconfiança bastante elevados. Estes valores contrastam, claramente, com os níveis de confiança institucional dos cidadãos dos países escandinavos, mais confiantes mas também, como vimos na figura anterior, mais interessados pela política:

 

Confiança na Instituições políticas na Europa, por país (médias*)

Parlamento Nacional Sistema jurídico Polícia Políticos Partidos políticos
Noruega 5,8 6,7 7,1 4,6 4,7
Suécia 5,8 6,1 6,7 4,6 4,7
Finlândia 5,9 7,0 8,0 4,8 4,9
Dinamarca 6,2 7,4 7,8 5,4 5,5
Islândia 5,0 5,9 7,6 4,4 4,1
Reino Unido 4,3 5,2 6,2 3,6 3,6
Irlanda 4,1 5,1 6,5 3,5 3,4
Holanda 5,2 5,7 6,1 5,0 5,1
Bélgica 4,8 4,8 5,9 4,2 4,1
Áustria 4,9 6,0 6,3 3,3 3,3
Alemanha 4,5 5,7 6,7 3,4 3,4
Suíça 5,8 6,3 6,9 4,9 4,8
Luxemburgo 5,7 6,2 6,5 5,0 5,0
França 4,3 4,9 5,8 3,4 3,3
Rep. Checa 3,3 4,0 4,8 2,7 2,7
Polónia 3,0 3,7 5,1 2,3 2,2
Eslováquia 3,6 3,8 4,5 3,1 3,1
Hungria 3,8 4,5 5,0 2,9 2,8
Eslovénia 3,8 3,8 5,0 2,9 2,9
Estónia 4,1 5,0 5,9 3,4 3,3
Bulgária 2,1 2,4 3,6 1,8 1,8
Croácia 2,6 3,2 4,4 1,8 2,0
Lituânia 2,7 3,6 5,0 2,6 2,5
Espanha 4,6 4,4 6,0 3,1 3,0
Portugal 3,4 3,8 5,2 2,2 2,1
Itália 4,2 5,0 6,4 3,0 2,8
Grécia 3,7 5,0 5,5 2,7 2,4
Chipre 4,8 5,7 5,5 3,7 3,6
Ucrânia 2,5 2,5 2,5 2,2 2,3
Rússia 3,6 3,8 3,5 3,0 3,0
Total 4,3 5,0 5,8 3,5 3,4

Fonte: European Social Survey, base acumulada, 2002-2012

* Escala: 0=nenhuma confiança; 10=toda a confiança

Ou seja, a confiança institucional é tributária do interesse pela política e vice-versa, como podemos ver melhor na figura seguinte que cruza o índice de confiança nas instituições políticas, que agrega a resposta conjunta às cinco instituições com o interesse pela política:

 

 

Interesse pela política e Confiança na Instituições políticas na Europa, por país

2Fonte: European Social Survey, base acumulada, 2002-2012

Em conclusão, os portugueses não se interessam pela política mas, quando abrem a janela e as “políticas” lhe entram pela casa adentro, queixam-se dos políticos que elegeram mas em que não confiam. Outra coisa não seria de esperar de um povo que sabe muito mais de futebol do que dos seus direitos, manifestando-se mais perante um “erro do árbitro” do que do atropelo de direitos cívico-políticos. Como muito bem observou Eça de Queiroz há mais de 100 anos.

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