A decisão de (não) ter (mais) filhos

Dimensão analítica: Família, Envelhecimento e Ciclos de Vida

Título do artigo: A decisão de (não) ter (mais) filhos

Autora: Margarida Mesquita

Filiação institucional: Professora Auxiliar no Instituto Superior de Ciências Sociais e Politicas – Universidade de Lisboa e Investigadora no Centro de Administração e Politicas Públicas

E-mail: mmesquita@iscsp.ulisboa.pt

Palavras-chave: natalidade, parentalidade, infância.

Numa espécie de inversão da lógica económica de que os “bens” raros são valiosos, assiste-se nas sociedades ocidentais ao paradoxo de um crescente interesse e valor pela criança ter conduzido à diminuição do número de filhos.

Embora de âmbito privado as decisões de (não) ter (mais) filhos são condicionadas pelos contextos de ordem pública que (não) suportam, apoiam e incentivam a parentalidade o que exige uma análise, profunda e abrangente, das especificidades das realidades envolvidas em termos diacrónicos e sincrónicos.

Diacronicamente assistiu-se a uma crescente exigência e complexidade na parentalidade face à crescente centralidade das crianças na família, ao reconhecimento das crianças enquanto sujeitos de direitos, ao incremento do conhecimento sobre o desenvolvimento infantil e o papel dos pais na promoção desse desenvolvimento, e à diversificação das tipologias familiares. Contudo, a disponibilidade para o exercício da parentalidade diminuiu face à crescente integração das mulheres no mercado de trabalho e às exigências deste, e os apoios públicos e familiares foram condicionados pela crise do Estado Providência e contração das redes familiares.

A diversidade europeia em termos de fecundidade justifica que se analisem diferenças sincrónicas a três níveis:

1. Nas condições (idealmente) necessárias para se ter (mais) filhos: estabilidade na conjugalidade, pelo impacto que poderá ter no projecto de ter filhos em comum; e, nível de rendimentos e estabilidade profissional, pelos potenciais efeitos nas expectativas de se poder fazer face aos gastos inerentes ao acompanhamento dos filhos;

2. Nos apoios para se ter (mais) filhos: ao nível da conciliação trabalho – parentalidade e ao nível das soluções socioeducativas e de guarda das crianças;

3. Nos incentivos para se ter (mais) filhos: medidas integradas em políticas de incentivo à natalidade (como, por exemplo, reduções fiscais).

No caso português, de acordo com o Inquérito à Fecundidade do INE (1), tem-se em média 1,03 filhos e espera vir a ter-se, no máximo, 1,77 filhos, muito embora se desejasse ter 2,31 filhos. Assim, 70% dos homens e 68% das mulheres têm menos filhos do que os desejados.

No estudo coordenado por Karin Wall (2) entre os vários motivos apontados para não se querer ter mais filhos (constrangimentos materiais, idade avançada, falta de disponibilidade pessoal, problemas de saúde, satisfação com a descendência, problemas com filhos/cônjuge, e impossibilidade de ter mais filhos) os constrangimentos materiais surgem como o segundo motivo mais apontado para não se querer ter mais filhos e como o motivo mais apontado para se ter só um filho. No Inquérito à Fecundidade (3) entre as razões apontadas para não se ter (mais) filhos sobressaem os custos financeiros e as dificuldades em conseguir emprego.

O peso dos factores económicos na decisão de ter (mais) filhos não pode dissociar-se do aumento e prolongamento dos custos com os filhos resultante das crescentes exigências nos cuidados e educação dos filhos, do prolongamento dos estudos e das dificuldades de inserção dos jovens no mercado de trabalho. Portugal surge como o quinto país europeu, dos 29 analisados pela UNICEF (4), com o nível mais elevado de pobreza infantil, depois da Hungria, Letónia, Roménia e Bulgária. Em Portugal o risco de pobreza para as famílias com crianças dependentes é superior em 3,5 p.p. ao estimado para a população em geral e aumentou (1,7 p.p.) entre 2011 e 2012 (3). De acordo com o INE (3) as taxas de risco de pobreza mais elevadas foram estimadas para os agregados constituídos por: dois adultos com três ou mais crianças (40,4%); um adulto com pelo menos uma criança dependente (33,6%); e três ou mais adultos com crianças (23,7%), que ao longo da série enfrentavam, pela primeira vez, um risco de pobreza superior ao das pessoas que viviam sós (21,7%).

Portugal diferencia-se de alguns países europeus com índices sintéticos de fecundidade mais promissores (nomeadamente: a França, Irlanda, Islândia, Reino Unido e Suécia) em algumas condições que podem ser (eventualmente) concebidas como (idealmente) necessárias para se ter (mais) filhos: estabilidade na conjugalidade e trabalho.

Em relação à conjugalidade, Portugal apresenta um número de divórcios por 100 casamentos consideravelmente superior ao daqueles países.

Em relação ao trabalho, e considerando que este constitui a principal fonte de rendimentos na generalidade das famílias, os ganhos anuais brutos médios na indústria e serviços, dos empregados em tempo integral em empresas com 10 ou mais empregados eram em 2010 significativamente inferiores no caso português e, pelo contrário, em 2013 as taxas de desemprego e contratos não permanentes eram significativamente superiores às verificadas nesses países e inclusive à média verificada na EU27.

Figura filhos

Concluindo

Nas sociedades ocidentais o crescente interesse e valor pela criança conduziu a uma diminuição do número de nascimentos a ponto de não se reporem as gerações.

Com vista à definição de políticas públicas importa compreender as decisões de (não) se ter (mais) filhos com base numa reflexão profunda e abrangente aos níveis: diacrónico, visando compreender a complexidade do fenómeno com base nas mudanças ocorridas com efeitos na parentalidade e consequentemente na decisão de (não) ter (mais) filhos; e, sincrónico, que numa perspectiva sistémica permita considerar quer as variáveis intrínsecas da parentalidade e/ou natalidade quer as outras esferas de vida dos indivíduos com elas relacionadas [5].

Portugal diferencia-se de outros países europeus, com Índices Sintéticos de Fecundidade mais promissores, em algumas condições (eventualmente idealizadas como) necessárias para se ter (mais) filhos.

Notas

[1] INE, IP. (2014). Inquérito à Fecundidade. Lisboa: INE.

[2] Wall, Karin (2005). Famílias em Portugal. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais.

[3] INE (2013). Inquérito às condições de vida e rendimento. Lisboa. INE.

[4] UNICEF (2012). Relatório «Medir a Pobreza Infantil».

[5] Mesquita, Margarida (2013). Parentalidade: um contexto de mudanças. Lisboa: ISCSP

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