(Inter)relação terapêutica e diversidade cultural: desafios e perspetivas

Dimensão analítica: Saúde

Título do artigo: (Inter)relação terapêutica e diversidade cultural: desafios e perspetivas

Autora: Rita Rodrigues

Filiação institucional: Docente | Centro em Rede de Investigação em Antropologia (CRIA)

E-mail: rodrigues.arita@gmail.com

Palavras-chave: profissionais de saúde, imigrantes, prestação de cuidados.

A nova realidade social e demográfica fruto do aumento dos fluxos migratórios em Portugal espelha a difusão da heterogeneidade cultural e étnica que caracteriza de um modo geral as sociedades atuais, colocando-as perante um fenómeno com repercussões a vários níveis, nomeadamente, individual, social, cultural e estrutural. Neste contexto, a expansão dos movimentos migratórios faz emergir a necessidade de (re)pensar a organização das diversas estruturas da sociedade, bem como compreender os potenciais desafios (inter)pessoais que decorrem do crescente contacto com a diversidade cultural e étnica.

Atualmente as dimensões migração e saúde/doença constituem importantes campos de análise sendo alvo das mais diversas considerações. No quadro específico da (inter)relação terapêutica e da perspetiva dos profissionais de saúde face às questões de saúde e doença nos imigrantes, estudos existentes alertam para os desafios que a crescente diversidade cultural impõem no âmbito da prestação de cuidados e ainda da própria estrutura e organização dos serviços [1][2]. Tem vindo a ser debatido que a postura dos profissionais de saúde no âmbito do atendimento e da prestação de cuidados constitui um fator determinante para o (in)sucesso da prática clínica e, em simultâneo, reflete a sua (in)capacidade para gerir os diversos aspetos intrínsecos às especificidades socioculturais de cada utente [3]. Neste contexto, importa dissecar o papel dos profissionais no contexto dos cuidados de saúde e pensar sobre o modo como as perceções e as atitudes dos mesmos influenciam a relação e prática terapêutica.

É importante compreender que a posição que os profissionais de saúde, enquanto atores sociais, adotam é indissociável do quadro sociocultural no qual se encontram inseridos, o que significa que a sua experiência e visão da realidade refletem as divisões sociais e os preconceitos da sociedade mais ampla repercutindo-se na formação das representações, nas atitudes e práticas quotidianas. Todavia o contexto relacional é, não só estruturado a partir das perceções e atitudes dos profissionais, como também mediante as próprias características do sistema/serviços de saúde e as especificidades dos utentes [1].

O encontro entre modelos explicativos [4] distintos traduz formas diferenciadas de entender a saúde e doença e, em simultâneo, define diferentes práticas de saúde. A discrepância contextual ao nível das práticas e normas sociais, assim como as diferentes perceções sobre a necessidade de procura de cuidados de saúde e expectativas face aos serviços e profissionais, subjacente à ausência de um conhecimento antecipado dos aspetos únicos das crenças e práticas, potencia a ocorrência de dificuldades no âmbito da prestação de cuidados e, subsequentemente, determina o percurso terapêutico adotado. Pelo que a compreensão dos modelos explicativos empregues pelos diferentes intervenientes no âmbito dos cuidados de saúde, nomeadamente profissionais e utentes, possibilita a avaliação da relação entre eles e dos problemas de comunicação que podem surgir a partir da interação entre modelos culturais e modelos médicos. Tal remete-nos para refletir sobre a pertinência da diferenciação das práticas no âmbito da prestação de cuidados num contexto marcado por uma população cada vez mais heterogénea dada a profusão de utentes de diversas origens culturais e religiosas.

De facto, o desfasamento entre quadros socioculturais – país de origem e país de acolhimento – pode interferir no bem-estar e estado de saúde das populações imigrantes e, em simultâneo, no seu processo de adaptação e integração na sociedade [2]. Sob esta perspetiva e dado que a área da saúde constitui um eixo fundamental no âmbito do processo de integração coloca-se o desafio no sentido do desenvolvimento de uma cooperação mutua entre profissionais de saúde e população imigrante. Com efeito, considerando que os profissionais de saúde constituem um elemento chave no contexto da relação estabelecida com os utentes, estes assumem um papel fundamental no que respeita a diminuição das desigualdades e dificuldades que os imigrantes experienciam na procura de cuidados.

Em suma, reflexo da conjuntura atual vislumbra-se um compromisso institucional assente na promoção da cidadania e integração da população imigrante nos vários sectores da sociedade, em particular no sector da saúde dada a sua preeminência na definição do bem-estar. O enfoque assenta na resposta às dificuldades no acesso à saúde e a situações de discriminação e estigmatização que têm vindo a ser descritas em diversos estudos realizados [1][5][6] através da criação de espaços terapêuticos “culturalmente sensíveis” cuja idealização determina a configuração de um corpo clínico com competências para responder de forma adequada às múltiplas interpretações e práticas culturais. Neste contexto, “a realidade atual tornou a aquisição de competências na área da diversidade cultural num ímpeto incontornável para os profissionais de saúde” [1], onde o conhecimento e a compreensão das diversas construções culturais em torno da saúde e doença assumem um papel importante na dinamização do diálogo entre profissionais e utentes, possibilitando também uma adequação das abordagens à realidade específica de cada utente, em particular no domínio do diagnóstico e da definição da terapêutica.

Notas

[1] Rodrigues, Rita; Dias, Sónia (2012), Encontro com a diferença: a perspetiva dos profissionais de saúde no contexto da prestação de cuidados aos imigrantes, Forum Sociológico, 22, pp. 63-72.

[2] Peiro, Maria José; Benedict, Roumyana (2009), Migration Health: Better health for All in Europe. Final Report Assisting Migrants and Communities (AMAC): Analysis of Social Determinants of Health and Health Inequalities, Brussels: IOM.

[3] Navarrete, M. Luisa Vázquez; Terraza-Nunez, Rebeca; Vargas Lorenzo, Ingrid; Lizana Alcazo, Tona (2009), Necesidades de los Profesionales de Salud en la Atención a la Población Inmigrante, Gaceta Sanitária, 23 (5), pp. 396-402.

[4] Kleinman, Artur (1980), Patients and Healers in the Context of Cultures. An Exploration of Boderland between Anthropology and Psychiatry, Berkeley/Los Angeles: University of California Press.

[5] Dias, Sónia; Rocha, Cristianne (2009), Saúde Sexual e Reprodutiva de Mulheres Imigrantes Africanas e Brasileiras: Um estudo qualitativo, Lisboa: ACIDI.

[6] Campayo, Javier García; González Broto, C.; Buil, B.; Garcia Luengo, M.; Caballero, L.; Collazo, F. (2006), Attitudes of Spanish doctors towards immigrant patients: an opinion survey, Actas Españolas de Psiquiatria, 34 (6), pp. 371-376.

 

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