Dimensão analítica: Mercado e condições de trabalho
Título do artigo: Ensino Superior e Emprego II
Autor: Luís Sousa
Filiação institucional: ESEV/IPV
E-mail: luissousa@esev.ipv.pt; nuno_sousa@mail.pt; moinhodevento@hotmail.com;
Palavras-chave: Ensino Superior, Emprego, Diplomas.
Tendo presente os contextos políticos, económicos e institucionais actuais e objectivos futuros do ensino superior, sobretudo ao nível das políticas europeias, da concorrência institucional e da minimização dos recursos demográficos, importa fazer uma reflexão sobre as actuais condições funcionais do sistema binário e analisar a dicotomia universidade e politécnico[1], fundamentalmente ao nível do tipo de formação facultada (duração dos cursos), da sua distribuição geográfica, da sua organização curricular, bem como da sua ligação à comunidade, tendo presente a origem social dos alunos e os seus contextos e motivações de acesso. Verifica-se que a posição do ensino superior politécnico, na estrutura do ensino superior nacional, não é nem nunca foi semelhante à ocupada pelo ensino universitário e que continuam a persistir inúmeras ideias pré-concebidas, que têm acompanhado este ensino desde a sua criação, colocando-o a um nível distinto do seu congénere. Simão e Costa (2000) referem mesmo que existe uma imagem social relativa ao ensino superior politécnico de um ensino de segunda classe.
A instituição de um ensino profissionalizante levanta algumas questões, tendo presente Grignon (1971) e a sua análise dos sistemas escolares, verificando-se que nas sociedades avançadas a questão da via do ensino profissionalizante ocupa um lugar secundário em comparação com a via liceal, destinada preferencialmente a uma população escolar maioritariamente originária das classes mais baixas. Esta desvalorização institucional e social é agravada pela natureza das suas funções sociais internas, já que este tipo de ensino tende a estabelecer uma hierarquia interna dos saberes transmitidos e desempenha um papel selectivo, fraccionando as classes mais desfavorecidas.
Contudo, o discurso regionalista, na defesa da promoção económica e do bem-estar social a nível nacional, afirma a necessidade de uma rede de escolas vocacionadas para formar os quadros indispensáveis à concretização daqueles objectivos. A rede dos institutos politécnicos veio preencher esta lacuna, surgindo como meio adequado à articulação entre as solicitações dos agentes económicos e o esforço profissionalizante da responsabilidade da escola. A ideologia subjacente às políticas educativas reformistas surgidas a partir de 1983 parece indicar duas tendências particulares; o comprometimento do significado integral do princípio da autonomia relativamente à dependência do ensino face às solicitações exteriores de natureza económica e o renascimento da Teoria do Capital Humano, atribuindo à escola a responsabilidade de garantir um crescimento económico sustentado e institui-se como força motriz do desenvolvimento regional. Contudo, esta oferta não resolveu desequilíbrios de oferta a nível geográfico[1].
A distribuição da rede de oferta deste ensino revela-se, assim, dicotómica, já que a oferta de ensino superior não tem sido geograficamente homogénea. A questão estatutária é, face a este contexto, cada vez mais importante. Vieira (1995) refere que a determinação da cotação atribuída a uma dada instituição escolar é, pelo menos em parte, reflexo da sua história, qualidade das provas dadas, propriedades dos cursos e saberes oferecidos e valor social daqueles que a frequentam, elementos pelos quais passa o seu processo de identificação; a determinação do seu prestígio reflecte também a sua localização no espaço geográfico. A proximidade ou a distância relativamente aos centros universitários, não só condiciona a determinação dos custos, riscos e vantagens na prossecução dos estudos, como gera crenças diferenciais de acesso ao ensino superior, o que certamente interfere no modo como cada estudante (e respectiva família) avalia e representa o destino escolar futuro, como podemos observar em Resende (1988).
Este movimento altera-se recentemente, verificando-se uma extensão significativa a nível quantitativo da rede a nível nacional e um decréscimo significativo da procura de formação de professores, sem significar contudo uma igualização regional das áreas científicas oferecidas. Com excepção da formação de professores, às regiões periféricas levam-se cursos que reproduzem globalmente as características económicas tradicionais da região, potenciando o questionamento desta uniformidade, quando a mesma não está presente a nível universitário, levando ao equacionamento e instrumentalização deste tipo de ensino por parte do poder político e da sua efectiva autonomia institucional.
Assim, segundo Santos (1996), urge, tendo em conta as mutações constantes dos processos produtivos e profissionais, fornecer aos estudantes uma formação cultural sólida e ampla, quadros teóricos e analíticos gerais, uma visão global do mundo e das suas transformações, tendo como objectivo último o desenvolvimento do espírito crítico, criatividade, capacidade de negociação, disponibilidade para a inovação, entre outros. Desta forma, Haug (2001) defende que urge a este sector melhorar a visibilidade do sector como um todo, efectivar o seu direito de competir na arena internacional sem desvantagens, aumentar a mobilidade de alunos entre politécnicos e universidades, instituir-se o direito do politécnico facultar graus de mestre e desenvolver mecanismos que permitam o reconhecimento destas qualificações à escala europeia.
O processo de afirmação do ensino superior politécnico não tem sido, portanto, um processo fácil e igualitário e tem revelado contornos tumultuosos que os novos contextos legais não deixam de reequacionar.
Referências bibliográficas
Grignon, C. L., (1971), L’orde des choses, les fonctions sociales de l’enseignement technique, Paris, Minuit.
Haug, G., (2001), “O significado da Declaração de Bolonha de Junho de 1999”, Revista Millenium, Nº 21, P. 91-98.
Resende, J. M., (1988), “Representações, estratégias e práticas sociais no campo universitário”, Actas da I Conferência Internacional de Sociologia da Educação, Faro, Escola Superior de Educação, P.150-211.
Santos, B. S., (1996), Pela Mão de Alice – O Social e o Político na Pós-Modernidade, Porto, Afrontamento.
Simão, V; Costa, A. A., (2000), O Ensino Politécnico em Portugal, Braga, Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos.
Vieira, M. M., (1995), “Transformação recente no campo do ensino superior”, Análise Social, Vol. XXX (131-132), P. 315-373.