O princípio do fim da era pós-industrial (II)

Dimensão analítica: Condições e Estilos de Vida

Título do artigo: O princípio do fim da era pós-industrial (II)

Autor: Pedro Jorge Pereira

Filiação institucional: Projecto EDUCACES / Independente

E-mail: ecotopia2012@gmail.com

Palavras-chave: Ecologia, Qualidade de Vida e Industrialização

Earth provides enough to satisfy every man’s need, but not every man’s greed

Na Terra existe o suficiente para as necessidades de todos os seres humanos mas não existe o suficiente para a sua ganância, dizia Mahatma Gandhi, naquilo que pode resumir de forma tão perfeita aquilo que é o essencial da questão.

Será que toda esta profusão materialista de carácter essencialmente individualista se tem vindo a traduzir numa maior felicidade ou bem-estar por parte dos indivíduos? Será que o estilo de vida moderno é um caminho credível para uma real felicidade e sentido de vida? Será que se pode falar, acima de tudo, de “qualidade de vida”?

Antes de tudo o mais talvez seja de enorme pertinência reflectir sobre o real custo, ou seja, a factura em termos ambientais, sociais e económicos que o sistema produtivo actual (orientado nada mais, nada menos, para o desperdício) implica.

Vivemos na “era do descartável” o que significa que a esmagadora maioria daquilo que é produzido é-o para somente uma utilização (nas vezes em que chega sequer a ser utilizado) e em muitos casos para ser usado por breves segundos [1].

Não pretende toda esta reflexão ser uma apologia de “regresso ao passado”, de total renúncia àquilo que somos e nos tornamos enquanto projecto de civilização. Creio essencialmente que urge fazer aquilo que nunca foi verdadeiramente feito: Uma profunda reflexão.

Reflectirmos verdadeiramente no caminho que queremos e, sobretudo, podemos seguir. Creio que este caminho de plena destruição ecológica é, por inerência, comprometedor de quaisquer perspectivas de sobrevivência planetária, como de resto se está a manifestar nos diversos fenómenos e crises ecológicas, sociais e económicas actuais.

Não creio, sobretudo, que para ganharmos tudo aquilo que supostamente ganhamos tivéssemos que perder tudo aquilo que perdemos, e que os nossos pais ainda tiveram.

Não creio que o Rio Leça tivesse que ter sido assassinado para nos podermos ter tornado no que somos actualmente. E perdemos tanto!

Não creio que nenhuma civilização se possa desenvolver e, antes de tudo, encontrar e definir enquanto civilização, desprovida das suas raízes, identidade e essência. E a nossa essência depende sempre da nossa relação umbilical com a Mãe Natureza, com os ciclos e ritmos da terra. A nossa qualidade de vida depende, em larga medida, mais do que qualquer indicador sócio-económico, da forma como formos capazes de nos integrar na paisagem que herdamos, na forma como somos capazes, para viver, de manter vivos, funcionais e plenos de vitalidade todos os elementos vivos da própria paisagem Natural. Dito de outra forma: de mantermos os ecossistemas vivos e saudáveis. E por vezes são de facto os países que em certos aspectos revelam mais essa capacidade (os países nórdicos por exemplo) os que possuem, simultaneamente, melhores resultados em termos de índices de desenvolvimento humano, entre outros indicadores sócio-económicos.

A água é essencial à vida. Mas tornamos o Leça num esgoto e a água chega-nos agora de longe. Para além disso, tem que ser impregnada de toda uma série de substâncias químicas, lixívias nomeadamente, para lhe podermos chamar algo como potável.

A terra e o alimento que ela produz é essencial para algo tão básico como nos alimentarmos. Mas as hortas e terras agrícolas outrora férteis e abundantes deram lugar à insana miragem da especulação imobiliária desenfreada. E assim ganhou Matosinhos e Leça em cimento e altura aquilo que perdeu, e tanto, de ligação com a própria terra.

Teria que ter sido assim? Não podia ter sido de outra forma? Não podemos negar a nossa história mas muito menos a responsabilidade que temos em cada momento histórico das acções e decisões que tomamos enquanto sociedade e projecto de civilização. Seja movidos pela consciência, pela necessidade ou simplesmente pelo sacro-santo lucro, a verdade é que há sempre algo que de uma forma ou outra nos move, as circunstâncias não são um mero reflexo de condicionantes históricas transcendentes.

Não sei se algum dia o meu Pai voltará a ver o Leça “a respirar”. Não sei sequer se o meu filho terá algum dia esse privilégio agora quase utópico. Mas acredito convictamente que temos que reencontrar as nossas raízes, que voltar à terra, se queremos que a espécie humana e muitas outras espécies animais e vegetais – que estamos de forma selvagem a destruir – continuem a poder viver neste planeta.

Acredito convictamente que a qualidade de vida se define pela forma como somos capazes de nos integrar nos ecossistemas ecológicos naturais de forma harmoniosa, humilde e mantendo vivos os seus elementos e dinâmicas naturais. Creio que se define ainda pela forma como somos capazes de construir sociedades norteadas pela busca de um bem-estar comum, pela construção de relações sociais providas de sentido e profundidade, e pela existência de uma forte espírito cooperativo de fraternidade e acção solidária.

Creio que o caminho, ou os caminhos, que temos vindo a seguir nesta era industrial não poderiam ser, de forma clara e predominante, mais na direcção oposta.

Só tendo noção desse facto enquanto sociedade, só quando despertarmos do transe consumista, materialista e egoísta em que estamos mergulhados, é que poderemos partir noutras direcções e caminhos, tentando encontrar e reencontrar novos sentidos para a nossa vida social e individual.

Caminhos esses que terão de ser encontrados não nas fórmulas tecnocráticas esgotadas e repetidas até à exaustão (sua e do planeta) mas na capacidade de ousarmos sonhar e semear uma mundo novo, em muitos aspectos mais parecido com aquilo que ele era antes de nos termos deixado industrializar de forma tão exacerbada. Temos imenso a aprender com aquilo que éramos, com aquilo que nos tornamos mas, e ainda mais, com toda a criatividade naquilo que podemos ser enquanto projecto pós-industrial (porquê pós-industrial? Porque não acredito minimamente na viabilidade prática e filosófica de manutenção deste sistema por inerência “insustentável”). Temos imenso a aprender se formos criativos e ousarmos sonhar voltar a tomar banho no Rio Leça. Quando isso acontecer viveremos num habitat capaz de nos proporcionar toda uma qualidade de vida não aferível por qualquer indicador macro-económico mas sobretudo pelos risos dos nossos filhos brincando e chapinhando na água.

Não me parece que o iminente colapso do sistema capitalista industrial (nomeadamente pelo cada vez mais dispendioso acesso àquela que é a sua matéria prima mais fulcral: o petróleo) nos deixe grande margem para fazermos outra coisa que não essa: repensarmos numa nova sociedade pós-carbono e pós-industrial. E há já muitos indivíduos e comunidades criativas e alternativas pelo mundo fora que estão já a fazer dessa reflexão a sua prática e estilo de vida. [2]

Não será que o próprio Leça merece também que façamos esse esforço por ele (e, por inerência, por nós próprios)?

Notas

[1] Beaven, Colin (2009), “Impacto Zero – As aventuras de um cidadão comum que tenta salvar o Planeta”, Carnaxide: Editora Objectiva

[2] Dawson, Jonathan (2010), “Ecoaldeias – Novas Fronteiras para a Sustentabilidade, Águas Santas, Edições: Sempre em Pé.

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