Refugiados em Portugal: um desafio identitário

Dimensão analítica: Cidadania, Desigualdades e Participação Social

Título do artigo: Refugiados em Portugal: um desafio identitário

Autor: Ivan Rodrigo Novais

Filiação institucional: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade da Beira Interior, Doutoramento em Sociologia

E-mail: ivan.novais@ubi.pt

Palavras-chave: Identidades, Globalização, Organizações, Refugiados.

Fig.INovais

Figura 1. Banco de Imagens Freepik

Inicialmente instalados em espaços forjados para concentração de ajuda humanitária, a vida dos deslocados tornou-se um dilema presente no contexto dos países de acolhimento. Não por acaso, a vulnerabilidade dos sujeitos nestas condições é tema constante nas Ciências Socias, que buscam compreender a dimensão e os impactos dos fluxos migratórios em diferentes cenários, destacando as articulações complexas entre conflitos étnicos, organizações e direitos humanos. Os fatores de risco e os processos de adaptação [1] são pontos transversais que também estão presentes nas investigações sobre o fenómeno em Portugal. De acordo com o último Relatório de Imigrações, Fronteiras e Asilo (SEF, 2020) [2] houve um aumento de 45,3% dos pedidos de proteção internacional em relação ao ano anterior, dado que reforça a emergência deste tema, sobretudo pela complexidade dos efeitos globais da pandemia da COVID-19.

É igualmente relevante aprofundar a investigação das condições de acolhimento adotadas pelas organizações que estão na linha de frente no atendimento aos refugiados. Prontamente, as condições e circunstâncias das entidades para dar uma resposta concertada a atual crise de refugiados são motivos de questionamentos centrais: Como as entidades de acolhimento estão a conduzir os conflitos de caráter étnico-cultural à escala local? Quais as estratégias de inclusão dos refugiados na sociedade portuguesa? E, quais os acontecimentos recentes que precipitam divergências de cariz identitário?

Por efeito do princípio macrossocial do fenómeno das identidades, a abordagem das ocorrências globais se tornou trivial para compreender o grande fluxo migratório, principalmente na Europa, nestas últimas décadas. Destacam-se os contributos analíticos sobre as Migrações Globais [3] que vêm a colaborar acentuadamente na explicação de acontecimentos ligados aos fluxos de pessoas de trânsito no planeta. Tal perspetiva concetual está sintonizada com outras interpretações sobre a mundialização e tem o intuito de entender o impacto das migrações nas estruturas sociais. No caso dos refugiados, fica explícita uma condicionante sobre as identidades em disputa; elas expõem um caráter contrastivo mais atenuado e elevam as potenciais narrativas étnicas nacionalistas, fator que se tornou tema do dia em muitas nações. O estranhamento hostil e, muitas vezes, a suspeição delituosa, são assuntos associados ao acolhimento de refugiados.

De modo paralelo, há um intenso esforço das entidades de acolhimento para desconstruir discursos que colocam em causa o asilo. É o caso do Conselho Português para os Refugiados (CPR), que resolveu disponibilizar na sua plataforma digital, doze respostas sobre comentários recorrentes – geralmente direcionados aos administradores das entidades – que refletem discursivamente a marginalização dos requerentes de asilo, como o exemplo a seguir:

– “Eles vivem à nossa custa e não fazem nada.”

Não é verdade. Desde o primeiro momento que o CPR prepara os requerentes e beneficiários de protecção internacional para que sejam autónomos e auto-suficientes. Os apoios específicos que recebem são transitórios e garantem a sua subsistência até que estejam em condições de trabalhar e integrar a economia portuguesa produzindo riqueza que é distribuída pela sociedade. [4]

Tais discursos, aprofundam o debate sobre as razões que influenciam o processo de identificação [5] dos refugiados, dada a sua vivência na sociedade portuguesa. São as adversidades e os obstáculos impostos a estes indivíduos em refúgio, que revelam a aparência de uma identidade contrastiva. Isto foi observado na recente investigação de Sofia de Almeida (2019) que explorou o impacto das políticas de asilo e das práticas institucionais em mulheres e meninas refugiadas em Portugal e na Dinamarca [6]. Segundo o estudo, as representações coletivas – principalmente as opiniões públicas sobre refugiados – são uma das determinantes para consolidação (ou não) do processo de inclusão na sociedade. E, considerando que apenas 23% [7] da população portuguesa diz ter conhecimento sobre assuntos ligados a imigrações, as entidades de acolhimento estão a concentrar esforços em construir projetos artísticos e culturais para a promoção da inclusão destes cidadãos, buscando estratégias criativas de mediação social e de inclusão [8].

Mesmo diante da amplitude da crise global e das questões humanitárias envolvendo os requerentes de asilo, este tema continua a demonstrar abismos sociais nas práticas e discursos sobre a vida em refúgio. É um desafio multilateral abordar o fenómeno das identidades iminentes nestes contextos, trazendo para o debate as análises de comportamentos identitários a partir das condições de acolhimento e inclusão social de refugiados na sociedade portuguesa.

Notas:

[1] Santinho, M. (2011). Refugiados e Requerentes de Asilo em Portugal: Contornos Políticos no Campo da Saúde. Doctoral dissertation at the ISCTE-IUL, Lisbon.

[2] SEF/GEPF (2020). Relatório de Imigrações, Fronteiras e Asilo 2019. Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, Portugal. Disponível em: https://www.sef.pt/pt/pages/conteudo-detalhe.aspx?nID=92

[3] Martell, L. (2016). The Sociology Of Globalization. Second edition. Cambridge, UK; Malden, MA: Polity Press.

[4] Conselho Português para os Refugiados (CPR) Acesso em 20/02/2021. https://cpr.pt/mitos/

[5] Oliveira, R.C. (1976). Identidade, Etnia e Estrutura Social. São Paulo: Pioneira

[6] Almeida, S. (2019). Políticas, Instituições e Percursos Migratórios de Mulheres e Meninas Refugiadas em Portugal e Dinamarca. Doctoral dissertation at the ISCTE-IUL, Lisbon.

[7] European Comission (2017). Special Eurobarometer 469. Integracion of immigrants in the European Union, Wave EB88.2 – TNS opinion & social.

[8] Ferro, L., Lopes, J.T. & Veloso, L. (2016). Die Herausforderung Kultureller Bildung für die soziale Inklusion von Flüchtlingen in Portugal. Perspektiven Kultureller
Bildung in Europa. Diversität und Flucht. Fachtagung 02. bis 03. November 2016, pp. 141-153.

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