O trabalho e a doença mental

Dimensão analítica: Mercado e Condições de Trabalho

Título do artigo: O trabalho e a doença mental

Autor: Joel Oliveira

Filiação institucional: Sociólogo

E-mail: jfp.oliveira@hotmail.com

Palavras-chave: trabalho, doença mental.

Nos estudos clássicos, a sociedade estrutura-se em torno de quatro fundamentos basilares: a sociedade é moderna; a sociedade é um sistema; a sociedade é trabalho; a sociedade é o Estado-nação. As investigações clássicas contêm, quase sempre, uma representação sistémica de um todo social dotado de coerência funcional e suportado por forças morais que garantem a coesão social. Por exemplo, a importância do trabalho enquanto mecanismo integrador e uma definição de Estado que seja o garante da identidade comum e da coesão social [5].

Não obstante, Adam Smith vê o esforço produtivo como uma maldição [8]. Para Karl Marx o trabalho possui uma produtividade própria, já que para além da produção dos meios de sobrevivência e de subsistência existe a produção de um excedente [4]. Max Weber considera o trabalho como uma vocação perante Deus [10]. Michel Foucault considera o trabalho como uma punição [3]. Todavia, consideraremos o trabalho, enquanto conceito, como um esforço e um produto, trabalhar é produzir [9].

Durante os trinta gloriosos anos do séc. XX, após a Segunda Guerra Mundial, vigorou o pleno emprego e o modelo de Estado de Bem-estar nos países industrializados da Europa. O direito ao trabalho estava consagrado, assim como o direito à proteção que abrange a doença, os acidentes de trabalho, a velhice, o desemprego, etc. [2] Contudo, esta estabilidade é posta em causa em virtude da crise no mercado de trabalho das últimas décadas. O aumento da esperança média de vida e o consequente crescimento de dependentes de pensões sociais colocam em questão a legitimidade e viabilidade do Estado de Bem-estar. Para Esping-Andersen, as dificuldades atuais dos Estados-Providência resultam de três fatores fundamentais: o impacto da internacionalização económica; as alterações demográficas; e a mudança na família [1].

O trabalho para além de ser um fator basilar nas dinâmicas de inclusão social é, também, fundamental na sustentabilidade social. O trabalho é, ainda, a principal fonte de rendimento, proporciona um ambiente social estruturado, permite o acesso a contextos sociais externos ao ambiente familiar, assume uma função relevante na organização quotidiana da vida das pessoas, contribui de forma particular para a formação da identidade pessoal e social, entre muitas outras razões [6].

Se o trabalho consiste num eixo elementar no processo de inclusão social e a doença apresenta-se como estado de sofrimento físico e psíquico, a experimentação de um estado de sofrimento pode conduzir à perda de capacidade produtiva e económica, gerando vulnerabilidades e consequências sociais e familiares [6]. Para Talcott Parsons, a saúde consiste num pré-requisito funcional do sistema social, isto é, circunscreve-se como uma necessidade funcional, não só para as pessoas como, também, para a própria sociedade. Neste sentido, a doença impossibilita as pessoas de desempenharem os seus papéis sociais de forma efetiva [7].

Posto isto, um diagnóstico de uma doença mental, por exemplo, pode colocar uma pessoa numa situação vulnerável face à sua atividade profissional e/ou complicar a reinserção no mercado de trabalho, quer pelo estigma que vulgarmente acarreta, como pelos efeitos secundários que a medicação possa provocar. Os efeitos secundários da medicação, usada nos tratamentos, são geralmente dolorosos e causam vários sintomas impeditivos de uma execução desejável das tarefas da vida quotidiana e das de uma profissão. A vivência de uma situação de doença mental, dependendo da sua intensidade, pode também significar a necessidade de internamentos mais ou menos demorados, tornando possível a existência de uma rutura com o mercado de trabalho, maior ou menor em função da gravidade.

Neste sentido, a reinserção no mercado de trabalho pode dificultar-se e estes fatores pesam sobremaneira: quer ao nível da admissão, por parte da entidade empregadora; quer ao nível da capacidade de exercício pleno da atividade profissional [6]. Uma pessoa com um diagnóstico de uma doença mental pode ocultar estas circunstâncias se a sua situação de doença o permitir. Porém, o cumprimento de um horário de trabalho rígido e pouco flexível torna-se um objetivo difícil de atingir, devido aos efeitos secundários da medicação, a necessidade, por vezes, de consultas e acompanhamentos especializados e poderão, ainda, ocorrer situações de internamento. Portanto, ocultar uma situação de doença nem sempre é possível e, desta forma, a reinserção no mercado de trabalho pode ficar condicionada por estes fatores [6].

O trabalho constitui a principal fonte de rendimento. Se uma pessoa está impedida de o exercer na sua plenitude, poderá experimentar uma situação de privação, já que a satisfação das necessidades básicas, de uma vida socialmente aceitável, poderá ficar vulnerável ou em causa. Estas vulnerabilidades variam conforme a sua situação económica, a intensidade da doença e o tipo de patologia. A sua sobrevivência e a sua autonomia económica, nestes casos, estará significativamente mais dependente das famílias e/ou do Estado. Assim, se existir uma fragilização dos laços sociais com a família e/ou com o trabalho, aumentará a sua dependência face aos apoios estatais [6].

Notas:

[1] Esping-andersen, Gösta (1998), “Conferencia: A sustentabilidade dos Estados-Providência no Sec. XXI”, Sociedade e Trabalho, Lisboa, N.º especial, pp. 13-21.

[2] Estivill, Jordi (2003), Panorama da luta contra a exclusão social: conceitos e estratégias. (Consultado em 09/03/2010): http://www.ilo.org/ciaris/pages/portugue/frame/index.htm.

[3] Foucault, Michel (1975), Discipline and Punish: The Birth of the Prison, New York, Vintage Books.

[4] Marx, Karl (1967), O Capital, Rio de Janeiro, Zahar, Vol. I e II, (Primeira edição 1867).

[5] Monteiro, Alcides A. (2004), Associativismo e Novos Laços Sociais, Coimbra, Quarteto.

[6] Oliveira, Joel e Augusto, Amélia (2012), “A doença mental enquanto vulnerabilidade à exclusão social: o caso da esquizofrenia e da depressão”, in MATOS, Alice Delerue e SCHOUTEN, Maria Johanna (orgs.), Saúde. Sistemas, Mediações e Comportamentos, Ribeirão, Ed. Húmus.

[7] Parsons, Talcott (1964), The Social System, New York, A Free Press Paperback, (Primeira edição 1951).

[8] Smith, Adam (1987), Inquérito sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2.ª Edição, Vol. I, (Primeira edição 1776).

[9] Vatin, François (2002), Epistemologia e Sociologia do Trabalho, Lisboa, Instituto Piaget.

[10] Weber, Max (2010), A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, Oeiras, Editorial Presença, (Primeira edição 1904-1905).

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