Dimensão analítica: Ambiente, Espaço e Território
Título do artigo: O problema da habitação e as Ilhas do Porto
Autor: Adriano Zilhão
Filiação institucional: Investigador integrado do Instituto de Sociologia da FLUP e Professor Auxiliar do ISSSP
E-mail: adriano.zilhao@isssp.pt
Palavras-chave: habitação, ilhas, industrialização.
A característica fundamental da cidade do Porto desde a Antiguidade até ao século XIX era ser uma cidade fluvial, elo de passagem entre duas margens e abrigo seguro para as embarcações, que começou a olhar o mar para desenvolver o comércio, tornando-se entreposto mercantil com o interior do País e o estrangeiro.
Com a industrialização do País e da cidade, assistimos a um novo período de desenvolvimento urbano: as ricas famílias de mercadores burgueses, que tradicionalmente sempre viveram no interior da cidade, vão instalar-se em novas áreas de expansão da cidade, a Norte, construindo grandes casas com jardins e pequenas quintas. Estes edifícios deixados livres pelos seus proprietários vão ser arrendados a inquilinos recém-chegados à cidade que por sua vez os subalugam por andares, por compartimentos ou mesmo partes de compartimentos em situação clara de sobreocupação. Os seus ocupantes migrantes que residiam nas freguesias centrais da cidade eram recém-chegados dos campos onde voltavam regularmente aos fins-de-semana. Nestas freguesias centrais do Porto (Vitória, S. Nicolau, Sé e Miragaia) viviam, segundo o Censo de 1864, 30 966 residentes (“população legal” na designação da época).
Também com a chegada não só de migrantes rurais mas também das suas famílias, as freguesias na altura periféricas da cidade aumentaram, nas últimas décadas do século XIX, a sua população residente. De facto era em Campanhã, Cedofeita, Massarelos e Sº Ildefonso que, neste fim de século XIX, se concentravam as actividades industriais e, portanto, aí se concentravam também os permanentes fluxos migratórios de novos residentes que originaram, justamente nessas freguesias “industriais”, uma (nova) forma de habitação operária: as “ilhas”.
É no mapa da cidade do Porto à escala 1/5 000 publicado em 1892 que, pela primeira vez, surgem este tipo de “ilhas”. Refira-se que o termo aparece bem antes em vários textos; mas provavelmente esta designação referia-se a casas sobre-ocupadas e não ao tipo particular de construção designado actualmente por ilhas. Este tipo de construção “consistia em filas de pequenas casas, a maior parte delas construídas nos quintais das traseiras de habitações das classes médias e com acesso para a rua apenas através de estreitos corredores debaixo das casas que faziam frente para a rua” (M. Teixeira, 1985: 76), herança da industrialização à semelhança de outras formas de habitação operária desenvolvidas noutros países igualmente em contexto de industrialização dos territórios e das sociedades, como são as “Casas de Corredor” em Espanha (T. B. Salgueiro,1992: 195) ou os bairros operários em Manchester, por exemplo.
Apesar destas semelhanças há, no entanto, aspectos particulares nas ilhas do Porto que são específicos da realidade portuense, nomeadamente ao nível da tipologia da estruturação do espaço que resultava do tipo de loteamento que, na altura, era dominante na cidade: lotes com 5.5 metros de frente e até cerca de 100 metros de profundidade para o interior dos quarteirões. Era também uma forma de escapar à “prática urbanística” municipal da época que, à época, e pela regulamentação em vigor, só controlava as construções à face ou próximas da face da rua e respectivos alçados.
Segundo Martins Pereira “um inquérito realizado em 1885, abarcando a população dos dois bairros administrativos em que a cidade se dividia (excluindo, por isso, as freguesias de Ramalde, Aldoar e Nevogilde) assinalava 531 ilhas com 6 020 famílias, contando no total 19 460 pessoas, ou seja, perto de 16% da população total do concelho. (…) Na viragem do século, as ilhas albergam cerca de um terço dos habitantes do Porto.” (1995: 65).
FREGUESIAS | ILHAS | CASAS |
Bonfim | 350 | 3 939 |
Campanhã | 108 | 1 162 |
Cedofeita | 236 | 2 588 |
Foz | 14 | 112 |
Lordelo | 28 | 325 |
Massarelos | 32 | 703 |
Miragaia | 17 | 236 |
Nevogilde | 1 | 11 |
Paranhos | 132 | 1 228 |
Ramalde | 35 | 299 |
S. Nicolau | 3 | 36 |
S. Ildefonso | 148 | 1 900 |
Sé | 45 | 1 029 |
Vitória | 4 | 26 |
Total | 1 153 | 13 594 |
Em 1889, sobre as ilhas do Porto, escrevia Ricardo Jorge, médico e responsável pela Repartição Municipal de Saúde e Higiene da Câmara Municipal do Porto: são “habitações lôbregas e insalubérrimas onde se amesenda mais de um terço da população; há o desbaste das moléstias infecciosas pela licença do contágio; há enfim uma rede de incapacíssimos esgotos, rastilhando o solo e a água de imundice” (R. Jorge, 1889: 322).
O objectivo filantrópico de assegurar a saúde pública vai, assim, despoletar algumas iniciativas privadas para a construção de “bairros operários”, capazes de contribuir para a resolução do problema das condições de habitação de operários e trabalhadores. Numa brochura de 1956 escrita pelo próprio Presidente da Câmara na época, engenheiro José Albino Machado Vaz, designada de “Plano de Salubrização das Ilhas do Porto” onde os vários aspectos do plano a levar a cabo para a resolução do “problema das ilhas” do Porto eram equacionados, dizia-se que “por inquérito directo na época, indicam-se a seguir as “ilhas” inventariadas em 1940, nas diferentes freguesias da Cidade.
O problema das ilhas e da habitação na cidade do Porto são questões antigas que décadas de evolução da cidade não tem conseguido resolver. Permanece ainda, contemporaneamente, como reflexo de evoluções históricas passadas, próprias de cidades mercantis com rápidos processos de industrialização, reflexo da incapacidade colectiva de encontrar soluções que integrem a questão habitacional no cerne dos percursos colectivos de desenvolvimento social e urbano e, no caso português, como símbolo de uma modernidade inacabada.
Bibliografia
Jorge, R. (1899). “Demografia e higiene na cidade do Porto – Clima, População, Mortalidade, Câmara Municipal do Porto, Porto.
Salgueiro, T. B. (1992). “A cidade em Portugal. Uma Geografia Urbana”, Edições Afrontamento, Porto.
Teixeira, M. A. C. (1985). “Do entendimento da cidade à intervenção urbana. O caso das ilhas da cidade do Porto”. in Revista “Sociedade e Território” nº 2, pp 74-89, Edições Afrontamento, Porto.
Vaz, J. A. M. (1956). “Plano de Salubrização das “ilhas” do Porto”, Edição da CMP, Porto.
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