Democracia, participação cívica e actos eleitorais

Dimensão analítica: Cidadania, Desigualdades e Participação Social

Título do artigo: Democracia, participação cívica e actos eleitorais

Autora: Sandra Lima Coelho

Filiação institucional: Instituto de Sociologia da Universidade do Porto

E-mail: sandralimacoelho@gmail.com

Palavras-chave: Democracia, participação social, eleições

António Teixeira Fernandes define a democracia como “um regime político que, sendo poder do povo exercido pelo povo, nunca atinge a sua total realização” (2004: 35) [1]. O autor sustenta que o sistema político, enquanto regime, pode ser democrático, o que não leva, necessariamente, a que a sociedade seja, também ela, democrática. Não existe uma correlação directa, uma correspondência, entre os dois conceitos. Tal acontecimento ocorre porque a divisão de poderes existe de um modo estritamente formal, não se vislumbrando qualquer teor de cariz prático. Desta forma, o regime deixa de ser democrático. As condições propícias à existência de uma democracia passam por uma divisão de poderes e, simultaneamente, por uma distinção clara entre o Estado e a sociedade civil. Esta distinção revela-se fundamental à vivência democrática. O autor afirma que um regime político é tanto mais democrático quanto mais o poder se encontre distribuído ou disseminado na sociedade – “a democracia é poder do povo partilhado entre o povo” [1]. Ou seja, não é possível existir democracia sem participação directa do povo. E a verdade é que, actualmente, assistimos a uma alienação política por parte das populações, que se sentem eminentemente distanciadas face ao poder político. Atentemos nas últimas eleições legislativas no nosso país, realizadas em Junho do corrente ano, nas quais se registou a mais elevada taxa de sempre de abstenção, que se cifrou nos 41,1%. É urgente envolver as populações num processo de cidadania activa, de participação e envolvimento democráticos, uma vez que “uma sociedade verdadeiramente democrática é aquela que o é na sua lei e nas suas instituições, mas sobretudo na prática democrática do quotidiano dos indivíduos” [1].

A democracia representativa formal encontra-se, actualmente, a ser alvo de críticas a nível mundial, devido à crise que a assombra. Questiona-se o seu funcionamento e o papel nela desempenhado pelos partidos políticos. A crescente profissionalização da actividade política conduz a uma progressiva espoliação do poder por parte do povo, o que é contraditório. As minorias eleitas dominam, sem que haja uma efectiva participação popular. Deste modo, a democracia é inexistente. Esta será tanto mais forte quanto maior for a participação popular, o que não se verifica nos nossos dias. Neste contexto, as actuais democracias debatem-se com desafios ao nível da “desafectação política” [2], na medida em que se pautam por um distanciamento face ao poder político. António Teixeira Fernandes defende que os actuais problemas políticos remetem para uma necessidade de aprofundar e propagar a democracia a todas as esferas da vida social, e não exclusivamente ao aspecto político. Ou seja, há que promover a participação social e política, envolvendo as instituições, associações e identidades no processo de desenvolvimento das sociedades democráticas.     Bouzas (2001:8) [3] sustenta que “a democracia em que vive a maioria das pessoas do mundo ocidental é, na generalidade dos casos, meramente formal, com eleições periódicas, em que os diversos partidos políticos em cena fazem promessas de bem-estar que, em muitos casos, acabam por desaparecer por entre a poeira do esquecimento”. António Teixeira Fernandes considera que o problema da concentração de poder, aos níveis político e económico, constitui um dos principais obstáculos ao normal funcionamento da democracia. Para que esta situação seja superada com sucesso, urge actuar ao nível das instituições políticas, através da descentralização, e ao nível da sociedade civil, com o intuito de alcançar a participação, a inclusão social e política e a diminuição das desigualdades, sem as quais a democracia não atinge a sua plenitude.

João Teixeira Lopes refere que, no actual contexto político, os novos movimentos sociais “e a sua prolífera visibilidade (que se traduz na invenção de linguagens, de formas de apresentação em público, de modalidades originais de protesto e reivindicação) marcam o aparecimento de um novo espaço público, descentralizado, multiforme e fragmentado” (2004: 305) [4]. O autor defende que os novos movimentos sociais “dinamizam, permitem cruzar o local e o global, e aproximam-se das formas de estruturação da comunicação mediática, o que lhes confere um poder e visibilidade acrescida” (idem: 306). Por seu turno, e estabelecendo um forte contraste com esta realidade, os partidos políticos tradicionais, as formas de poder público convencionais tendem a ser rígidos e estáticos, em contraste com a colorida dinâmica inerente aos novos movimentos sociais. Como afirma Maria da Glória Gohn, “o campo de acção dos novos movimentos sociais faz-se num espaço de política não-institucional, cuja existência não está prevista nas doutrinas nem na prática da democracia liberal e do Estado do bem-estar social” (Gohn, 1997: 166-167) [5]. O processo contemporâneo de construção e acção política caracteriza-se, cada vez mais, pelo envolvimento de múltiplos agentes, e não se restringe, somente, às autoridades governamentais e seus representantes, isto é, às organizações governamentais.

Progressivamente, assiste-se ao abandono do Estado enquanto elemento unificador da vida social. Instituições como as associações que tratam de temáticas intrínsecas à vida quotidiana ganham, neste contexto, um protagonismo renovado. Movimentos como o “Protesto da Geração à Rasca”, que originou o “Movimento 12 de Março”, evidenciam a acção dos grupos de pressão política, que surgem como reacção à crise do Estado-Providência, que se caracteriza pela burocratização da sua administração e a incapacidade dos partidos políticos de fornecerem resoluções, como refere Eder [6], e anunciam-se como um novo fôlego para uma democracia aparentemente adormecida.

Notas

[1] Fernandes, António Teixeira (2004), “Democracia, Descentralização e Cidadania”, in Democracia, Novos Desafios e Novos Horizontes, Oeiras, Celta Editores.

[2] Viegas, José Manuel Leite (2004), “Problemas e Perspectivas de Mudança das Democracias”, in Democracia, Novos Desafios e Novos Horizontes, Oeiras, Celta Editores.

[3] Bouzas, Miguel Angel Mesa (2001) e Grupo Herramientas Nueve, O que é o voluntariado, Paulinas.

[4] Lopes, João Teixeira (2004), “Política do vivido e acção política”, in Democracia, Novos Desafios e Novos Horizontes, Oeiras, Celta Editores.

[5] Gohn, Maria da Glória (1997), Teoria dos Movimentos Sociais: Paradigmas clássicos e contemporâneos, São Paulo, Edições Loyola.

[6] Eder, Klaus (1993), The New Politics of Class – Social Movements and Cultural Dynamics in Advanced Societies, London, Sage.

Esta entrada foi publicada em Cidadania, Desigualdades e Participação Social com as tags , , . ligação permanente.