Dimensão analítica: Condições e Estilos de Vida
Título do artigo: Classes sociais e estilos de vida: para além da aporia
Autor: João Teixeira Lopes
Filiação institucional: Faculdade de Letras da Universidade do Porto
E-mail: jlopes@letras.up.pt
Palavras-chave: Classes sociais, estilos de vida.
O conceito de estilos de vida tem funcionado como um catalisador de fortes polémicas na teoria social. Dir-se-ia fracturante entre as perspectivas materialistas, assentes na centralidade absoluta das relações sociais de produção e as abordagens pós-estruturalistas, de pendor pós-moderno, para quem “tudo o que é sólido se dissolve no ar”.
Esclareçamos: nas análises marxistas e materialistas as classes sociais, constituídas no mundo do trabalho, engendram práticas (culturais, de consumo, de lazer, de sociabilidade) que correspondem, grosso modo, aos constrangimentos das condições objectivas de existência, traduzindo, assim, um ethos de classe. Pelo contrário, qual espelho invertido, as abordagens pós-estruturalistas e pós-modernas fabricam uma espécie de curto-circuito teórico entre posições, disposições e tomadas de posição sociais. Para estas últimas, os estilos de vida funcionariam como uma espécie de supermercado do pronto a consumir hedonista e narcísico, amiúde associado às teorias da livre escolha de actores racionais, num certo paralelismo com as teorias económicas neoclássicas. Como afirmava Jonathan Raban, no seu livre Soft City, escolha uma forma para si e a cidade ao seu redor moldar-se-á à sua imagem…
Entre umas e outras floresceu o culto prático e teórico do indivíduo e do individualismo, acentuando as dimensões da reflexividade, da auto-constituição do sujeito e da autonomia, em sociedades de modernidade tardia ou de segunda modernidade (Giddens & Beck). De certa forma, persiste nestas abordagens de terceira via uma espécie de crença nos mecanismos de circulação da dupla hermenêutica, capazes de generalizarem competências de reflexividade (baseada na escolha mas também na auto-confrontação) em sectores alargados da população urbanizada, escolarizada e terciarizada (as chamadas “novas classes médias”, lugares contraditórios de classe por excelência, de acordo com Erik Olin Wright).
Múltiplos estudos têm reiteradamente comprovado a importância da filiação classista das práticas sociais nas diferentes esferas ou mundos da vida e importa respeitar o cariz cumulativo do conhecimento sociológico, apesar da crescente desmaterialização do universo económico e laboral. Nesse sentido, não parece sequer razoável falar, como alguns insistem, num “regresso das classes sociais”, uma vez que elas sempre jogaram o seu papel. Todavia, importa superar atavismos mecanicistas. Os estilos de vida desempenham mediações simbolicamente importantes e alargam domínios de estudo. Na verdade, permitem-nos compreender o cariz pluridimensional das identidades, por exemplo. Estas estruturam-se em vários eixos para além da pertença social: o género, a etnia, a orientação sexual.
Assim, as políticas de identidade desvendam um jogo bem mais complexo de relações de dominação multiformes, jogando-se em vários tabuleiros e articulando diferentes papéis sociais do e no mesmo sujeito.
Além do mais, os estilos de vida não devem ser analisados como mera duplicata da lógica da existência material. Na sua vertente icónica, simbólica, no seu valor de signo, melhor dizendo, expressam e partilham vivências que, não raras vezes, estruturam sólidos nós (sub)culturais. O seu cariz performativo produz efeitos propriamente práticos, ou seja, cria realidades. O que são tais realidades senão dimensões materiais de existência entrelaçadas em operadores simbólico-ideológicos? Superemos, então, a aporia…




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