Um tempo circunscrito? Aceleração e urgência em organizações start-up (II)

Dimensão analítica: Economia, Trabalho e Governação Pública

Título do artigo: Um tempo circunscrito? Aceleração e urgência em organizações start-up (II)

Autor: João Vasco Coelho

Filiação institucional: CIES/ISCTE-IUL

E-mail: vasco.jcoelho@gmail.com

Palavras-chave: Start-up, Inovação, Empreendedorismo, Tempo.

Atendendo à evidência empírica existente e tendo em consideração a atenção e o investimento público que o fenómeno start-up e as iniciativas de empreendedorismo de base tecnológica tem suscitado em Portugal na última década [1][2], afigura-se relevante aprofundar a compreensão destas realidades socioeconómicas nas suas diferentes dimensões, complementando as perspectivas macro e meso prevalecentes nos estudos que têm vindo a ser realizados acerca das organizações start-up, centrados na análise do impacto das agendas de política pública, da estratégia industrial de agentes privados e das organizações start-up  na transformação do tecido e do perfil da economia nacional, e no papel de diferentes agentes económicos na configuração de clusters locais, regionais, nacionais e internacionais de fomento de inovação [3].

Neste contexto, é significativo considerar o facto de no discurso veiculado por instituições e actores que testemunham a evolução recente do fenómeno start-up português, ser escassa a menção ao desaparecimento de organizações start-up e a especificidades da sua vida interior, inerentes à sua actividade e organização quotidiana, gerando uma imagem truncada deste fenómeno enquanto realidade social e económica. No caso de Portugal, atendendo ao investimento e apoio público que tem vindo a ser observado no referente a iniciativas de empreendedorismo de base tecnológica [1], importará destacar um dado empírico em particular como eixo de análise e reflexão crítica [3]: o elevado grau de incerteza da continuidade de existência de uma organização start-up, circunstância potencialmente produtora de especificidades normativas no quadro socioeconómico português, matizadas pelos efeitos de diferentes éticas teológicas e um sentido de temporalidade finita [4] [5] [6] [7] [8].

Trabalhos como os de Hwang e Horowitt [9] sinalizam a necessidade de adoptar outros modos de ver a organização start-up, alargando os quadros de compreensão do seu funcionamento, de explicação do seu sucesso, do seu (elevado) fracasso. Em concreto, os autores mencionados apresentam especificidades da situação concreta de emprego e de trabalho dos indivíduos, como factores potencialmente debilitantes do desempenho de uma organização start-up: i) as implicações de uma racionalidade imediatista, de lógicas de acção ancoradas no curto-prazo; ii) a dificuldade em manter um sentido de confiança num contexto de incerteza persistente; iii) um quadro normativo que incentiva a experimentação incessante; iv) o posicionamento da start-up num ecossistema de relações que multiplica os processos de decisão, os seus protagonistas, a sua simultaneidade, tornando-os dificilmente geríveis e previsíveis.

Estudos recentes realizados em Portugal [2][10] destacam a impermanência normativa como especificidade passível de ser observada ao nível das relações estabelecidas com e numa organização start-up, uma coordenada de constrangimento institucional da acção individual cujo foco se desloca para o momento presente, vivido e perspectivado com particular sentido de urgência [4][8]. O contrato social e psicológico emergente neste contexto delimita, nestes termos, um eixo de condicionamento normativo, oculto, omisso ou pouco invocado em termos discursivos. Assim perspectivadas, a actividade da e na organização start-up e a acção empreendedora apresentam-se constrangida pelo tempo, valorizado enquanto recurso técnico, finito, passível de mobilização diferencial como condição e condicionante crítica do sucesso de um empreendimento start-up [4].

No contexto nacional, à frequência de relatos de sucesso importará justapor referências a dimensões de vulnerabilidade e sustentabilidade [1] como as mencionadas. Na referência à iniciativa empreendedora e ao universo start-up, constata-se a prevalência de uma ânsia por cunhar novos paradigmas, tecno-excitações vibrantes, por vertebrar novas vitalidades que justifiquem a defesa da existência de novas ordens sociais e económicas, que, por analogia às evoluções informáticas, representam novas versões de ordens sociais e económicas pré-existentes.

Uma nova linguagem compõe uma narrativa que é colocada em circulação, uma promessa de prosperidade com reverberações quasi-míticas. Como se nomear fosse já consumar uma ideia de progresso, a realidade socioeconómica nacional é paulatinamente recodificada, não através de transformações estruturais operadas no tecido produtivo, mas por via do apelo mântrico de promessas encapsuladas num léxico tecno-optimista:
AI. machine learning. data. prompt. geek. tech. med-tech. aceleradora. incubadora. start-up. scale-up. e-commerce. on-demand. app. ecossistema. empreendedorismo 3.0. indústria 4.0. gig economy. geek economy. empresa-centauro. empresa-unicórnio. empresa-gazela. business angel. bootcamp. tubarão. pitch. growth. early stage. fablab. fazedor. maker. founder. investor. rondas de financiamento. capital de risco. capital-semente. buzz. buzzword. momentum.

O país e a economia são assim ditos como dotados de futuro. O país e a economia são assim ditos como dotados de futuro. A organização start-up e o empreendedorismo apresentam-se, neste contexto, como exemplos de figuras-signo dotadas de qualidades peculiares, de uma intenção civilizadora, hipertélica, livre de constrangimento e contradição – um prodígio de agudezas salvíficas, reflexo de um novo futuro possível. O futuro que é um vício. O futuro que é hoje. O futuro que é jovem.

Porquanto esta promessa de futuro poderá deter, em simultâneo, potencial excludente, no momento presente, importará falar e pensar também sobre os efeitos da circunscrição do tempo na acção empreendedora, a capacidade de enquadrar e fazer sentido da exposição ao risco, de ciclos de vida empresariais curtos, de taxas de encerramento significativas.

Notas:

[1] OECD (2023), OECD SME and Entrepreneurship Outlook 2023. OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/342b8564-en.

[2] Startup Portugal (2024). Startup & Entrepreneurial Ecosystem Report 2024. Lisboa: Startup Portugal.

[3] Coelho, J. V. (2023). Moving too fast? Addressing temporality and acceleration in Portuguese business ventures scaling, Sociologia, Problemas e Práticas, 101, 135-150.

[4] Lévesque, M., & Stephan, U. (2019). It’s time we talk about time in entrepreneurship, Entrepreneurship Theory and Practice, 44 (2), 163-184.

[5] Aeon, B., & Aguinis, H. (2017). It’s about time: New perspectives and insights on time management, Academy of Management Perspectives, 31(4), 309–330.

[6] Johnsen, C., & Holt, R. (2021). Narrating the facets of time in entrepreneurial action, Entrepreneurship Theory and Practice, 47, 613-627.

[7] Frémeaux, S., Henry, F. (2023), Temporality and meaningful entrepreneurship, Journal of Business Ethics, 188, 725–739. https://doi.org/10.1007/s10551-023-05502-0

[8] Holdsworth, C., & Mendonça, M. (2019), Young entrepreneurs and non-teleological temporality in Portugal and the UK. Time and Society, 29 (1), https://doi.org/10.1177/0961463X19873783

[9] Hwang, V.; Horowitt, G. (2012). The rainforest: The secret to build the next Silicon Valley. NY: Regenwald Publishers.

[10] Coelho, J. V. (2018), Uma hipertrofia do presente: Do trabalho e das situações de trabalho numa organização start-up, Forum Sociológico [online], 33.

[11] Audretsch, D., & Thurik, R. (2000). Capitalism and democracy in the 21st century: From the managed to the entrepreneurial economy, Journal of Evolutionary Economics, 10, 17-34.

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