Imagens do envelhecimento e da velhice (na população portuguesa)

Dimensão analítica: Família, Envelhecimento e Ciclos de Vida

Título do artigo: Imagens do envelhecimento e da velhice (na população portuguesa)

Autora: Margarida Cerqueira

Filiação institucional: Escola Superior de Saúde da Universidade de Aveiro

E-mail: mcerqueira@ua.pt

Palavras-chave: Envelhecimento, Imagens, Velhismo (Idadismo)

A reflexão sobre o envelhecimento e a velhice esteve sempre presente ao longo da história da humanidade. Filósofos, escritores, poetas e ideólogos debruçaram-se sobre os conceitos e repercussões quer em termos individuais quer em termos sociais.

Perspectivadas à luz das normas sociais explícitas e implícitas, numa relação directa entre os contextos histórico, social, político e económico, as imagens do envelhecimento e da velhice reflectiram e reflectem o discurso das sociedades. Envelhecer relaciona-se não só com as alterações biológicas e psicológicas, mas também com as condicionantes sociais existentes, reflexo dos padrões dominantes e da forma como as sociedades vivenciam e lidam com a passagem do tempo [1]. A noção de velhice – categoria social que em termos cronológicos tem lugar aos 65 anos de idade na maioria dos países desenvolvidos – e a categorização das diferentes fases da vida são, deste modo, traçadas quer em termos individuais quer culturais e sociais.

De uma forma geral, a velhice tanto é uma fase temida por aqueles que ‘ainda lá não chegaram’ como uma fase ‘mal vivida’ pelos que nela já se encontram [2]. Reflexo deste temor encontra-se a sobrevalorização da juventude, exemplo da recusa das alterações do envelhecimento, sendo a velhice desconsiderada e perspectivada como uma inevitabilidade funesta.

Sabe-se que as imagens do envelhecimento e da velhice (em geral, constituídas por imagens mentais, sociais e culturais interligadas entre si) não incidem necessariamente num indivíduo específico, mas tendem a ocorrer no plano do imaginário do que se considera ser a pessoa idosa [3]. Com frequência, a pessoa idosa é catalogada numa categoria lata, caracterizada como um protótipo que apresenta atributos particulares, distintos dos das pessoas jovens (sejam de natureza negativa ou positiva). As imagens também podem assumir um carácter implícito, ou seja, encontrarem-se encobertas. A investigação sugere que tal ocorre quando os indivíduos não têm consciência de que possuem determinadas imagens e que, por esse motivo, não as podem identificar ou controlar. Quando negativas, esta dinâmica pode repercutir-se numa discriminação mais pungente: a não consciência dessas imagens tidas sobre os outros conduz o indivíduo a imputar essa ideia a outro aspecto/factor que as justifiquem.

Ao se atribuir distintas acepções às diferentes idades (espelhadas nas imagens), define-se qual o estatuto concedido e as regras de comportamento a adoptar pelos respectivos indivíduos. Determinando os moldes de interacção tanto no plano intergeracional como no plano intrageracional, as imagens acabam por decretar normas convencionadas, oportunidades de participação e de distribuição de recursos que cabem a cada fase cronológica [4]. No que concerne à faixa etária das pessoas idosas, traduzem-se amiúde em estereótipos, preconceitos ou discriminação que, por sua vez, se transformam em idadismo (discriminação em função da idade) e em particular em velhismo (discriminação para com os mais velhos). Esta associação entre as imagens tidas e a realidade dos indivíduos corporiza um impacto a nível social: as primeiras influenciam e reflectem-se na forma como estes se relacionam entre si [5].

A construção e compreensão da velhice têm sido objecto de análise na investigação científica a nível mundial. Em Portugal, alguns autores têm realizado estudos no âmbito dos estereótipos em relação às pessoas idosas. Num estudo recente e com uma amostra representativa da população portuguesa, emergiram três imagens do envelhecimento e da velhice que reflectem a concepção sobre o que é envelhecer e quais as características inerentes à condição de pessoa idosa [6]: (1) incompetente, dependente e matura (45,8%) (2) competente, independente e matura (30,5%), e (3) muito incompetente, dependente e matura (23,7%). Pode constatar-se que 69,5% dos sujeitos inquiridos manifestam imagens negativas, sejam moderadas ou fortes, associando a velhice e o envelhecimento à incompetência e dependência, apesar da sempre presente noção de maturidade. Os resultados sugerem que estas imagens são multidimensionais e complexas, incidindo sobre vertentes várias, nomeadamente a biológica, funcional, psicológica, cognitiva, social e afectiva.

Em súmula, sejam imagens de natureza mais negativa, mais positiva ou ambivalente (negativa e positiva, em simultâneo), o discurso sobre o envelhecimento e velhice tende a ser homogeneizante, centrado nas doenças e vulnerabilidades, mas também na sabedoria e maturidade emocional do indivíduo. Se por um lado existe a convicção de um declínio na capacidade e autonomia físicas e psicológicas, por outro a prática de vida e o conhecimento acumulado pelos anos vividos fazem com que a velhice seja vista como uma fase de competências para a percepção e interpretação do mundo. Decorrentes desta aparente contradição, constatam-se repercussões de significados diversos em várias áreas, como nas relações intra e intergeracionais, nas laborais, no acesso e utilização dos sistemas de saúde, educação e acção social, com efeitos nas pessoas idosas, nas não-idosas e nas suas relações sociais.

A alteração das imagens pouco ajustadas à realidade do envelhecimento e da velhice devem ser consideradas numa dimensão integral, em termos sociais e institucionais, não devendo ser imputada apenas à responsabilidade individual. Este processo deve ter lugar ao longo da vida do indivíduo, onde as diversas instituições representam um papel crucial na mudança das imagens e comportamentos velhistas.

Notas

[1] Minois, G. (1999). História da velhice no ocidente. Lisboa: Editorial Teorema, Lda.

[2] Nelson, T. D. (2005). Ageism: Prejudice against our feared future self. Journal of Social Studies, 61 (2), 207-221.

[3] Cuddy, A. J., & Fiske, S. T. (2002). Doddering but dear: process, content and function in stereotyping of older persons. In T. D. Nelson (Ed.), Ageism: Stereotyping and prejudice against older persons (pp. 3-26). Cambridge: Massachusetts Institute of Technology Press.

[4] Cox, H. (2006). Later life: The realities of aging (6th ed.). New Jersey: Pearson, Prentice-Hall.

[5] Palmore, E. B. (2004). Research note: Ageism in Canada and the United States. Journal of Cross-Cultural Gerontology, 19, 41-46.

[6] Cerqueira, M. (2010). Imagens do envelhecimento e da velhice: um estudo na população portuguesa. Tese apresentada à Secção Autónoma Ciências da Saúde da Universidade de Aveiro com vista à obtenção do grau de Doutor em Ciências da Saúde.

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