Reflexões sobre a evolução do trabalho feminino em Portugal

Dimensão analítica: Mercado e Condições do Trabalho

Título do artigo: Reflexões sobre a evolução do trabalho feminino em Portugal

Autora: Virgínia do Rosário Baptista

Filiação institucional: CEHC, ISCTE- IUL

E-mail: virbaptista@gmail.com

Palavras-chave: Mercado de Trabalho, Mulheres, Visibilidade.

Neste artigo temos por objectivo reflectir sobre a visibilidade do trabalho feminino em Portugal, desde finais do século XIX.

Pelo censo de 2011, as mulheres eram 48,1% da população activa, a nível nacional. Em tempo de crise económica, as taxas de desemprego, embora superiores para as mulheres, eram similares por géneros: 13,8% para as mulheres e 12,6% para os homens. Situação diferente ocorreu em Lisboa e no Porto. Na capital as percentagens eram para as mulheres de 10,6% e para os homens de 13,2% e, no Porto, de 16,6% e 18,6%, respectivamente. Qual a realidade para que as taxas nos reportam?

Estudos, com base nos Recenseamentos Gerais da População, têm demonstrado que o trabalho feminino foi alvo de maior ou menor visibilidade, consoante as concepções políticas e sociais das épocas.

Em 1890, as mulheres representavam 36,4% da população activa, percentagem que decresce para 24,1% em 1970. Aparentemente, a partir do final do século XIX, as mulheres retiraram-se para a esfera doméstica, começando a situação a inverter-se na década de 70 do século XX.

Figura 1- População activa feminina em Portugal

Anos M
% Pop. Activa Total
1890 36,4%
1900 27,4%
1911 27,4%
1930 a) 27,1%
1930 b) 47,9%
1940 22,8%
1950 22,7%
1960 18,1%
1970 24,1%

Legenda:

a) Não incluídos os «membros da família auxiliando os respectivos chefes»

b) Incluídos os «membros da família auxiliando os respectivos chefes»

Fonte: Recenseamento Geral da População (1930) [1].

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Como referiram Tilly e Scott [2], nas economias familiares o trabalho dos homens e das mulheres estava mais articulado no domicílio, havendo um estatuto mais igualitário perante o trabalho. É provável que esta condição esteja reflectida no censo de 1890. Depois da estabilidade na percentagem das mulheres activas até 1930, as taxas regridem até 1960. Confirma-se a saída das mulheres do mercado de trabalho, ocorrida nos regimes autoritários, entre as duas Guerras Mundiais, devido à concepção ideológica que colocava a mulher em casa cuidando do bem-estar da família, como salientaram Cova e Pinto [3].

Alterações nos conceitos de população activa, de trabalho produtivo e das taxionomias socioprofissionais mudaram a contagem dos trabalhadores activos.

O censo de 1930, reflecte uma representação velada sobre a concepção sócio – política do trabalho feminino. No Recenseamento, na população activa integra-se o grupo «Membros da família auxiliando os respectivos chefes», esmagadoramente constituído por mulheres. A inclusão ou a exclusão dos trabalhadores (as) auxiliares, altera profundamente a contagem da população feminina produtiva.

A década de 1960 a 1970 conheceu um surto emigratório e a Guerra Colonial, estimando-se que 632 870 portugueses terão saído do país, reflectido na população residente e activa. A emigração masculina tornou muitas mulheres chefes de família. Neste contexto, em 1970, as mulheres rondariam 24% da população activa, iniciando-se novo ciclo no mercado de trabalho.

Na realidade, as percentagens femininas na agricultura denunciam a situação a que se remetiam as mulheres. Num país essencialmente rural até à década de 40, as mulheres ficaram invisíveis no sector primário, passando de 31,3% dos trabalhadores em 1890 para 15,5% em 1940, 8,0% em 1960 e 18,8% em 1970.

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Figura 2- População activa feminina em Lisboa

 

Anos

M
%Pop. Activa Total
1890 29,4%
1900 25,2%
1911 25,0%
1925 54,2%
1930 a) 49,3%
1930 b) 32,0%
1940 29,6%
1950 30,8%
1960 31, 2%
1970 36,7%

Legenda:

a) Incluídos os «membros da família auxiliando os respectivos chefes»

b) Não incluídos os «membros da família auxiliando os respectivos chefes»

Fonte: Recenseamento Geral da População (1930) [1].

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Figura 3- População activa feminina no Porto

 

Anos

M
% Pop. Activa Total
1890 36,6%
1900 35,8%
1911 36,1%
1925 57,0%
1930 a) 51,8%
1930 b) 36,9%
1940 37,7%
1950 37,6%
1960 36,6%
1970 41,7%

Legenda:

a) Incluídos os «membros da família auxiliando os respectivos os respectivos chefes»

b) Não incluídos os «membros da família auxiliando os respectivos chefes»

Fonte: Recenseamento Gerai da População (1930) [1].

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Nas grandes cidades, ao contrário do verificado a nível nacional, as percentagens das mulheres aumentaram no mercado de trabalho, entre as datas em análise, passando em Lisboa de 29,4% para 36,7% dos activos e de 36,6% para 41,7% no Porto, cidade com as mulheres mais integradas no mercado de trabalho.

Em Lisboa, pelos inícios do século XX, inicia-se a regressão das taxas femininas no mercado de trabalho, estabilizando-se as percentagens até à República, para voltarem a subir em 1930, ano em que decrescem até 1950. Será neste ano, que na capital, se inicia o regresso das mulheres ao mercado de trabalho. No Porto salienta-se a constância das taxas das trabalhadoras até 1960, rondando os 36% dos (as) activos, aumentando na década seguinte.

Nas instruções do recenseamento extraordinário de 1925 para Lisboa e Porto definiu-se que as domésticas e os assalariados domésticos eram incluídos no mesmo sector de actividade: «Trabalhos domésticos». Também, os membros da família que trabalhassem com o respectivo chefe ficavam registados nos sectores profissionais onde se inseria a sua profissão. Alterou-se, então, o conceito de trabalho produtivo, permitindo que as mulheres passassem a ser mais de metade da população activa.

Em conclusão, verificámos que a mudança dos conceitos e da concepção política e social sobre o trabalho feminino possibilitou retirar ou integrar as mulheres no mercado de trabalho. As maiores percentagens de mulheres activas no Porto devem reflectir a existência de mais trabalhadoras no domicílio, em pequenas indústrias e no comércio, além de mais mulheres na condição de chefes de família. Na capital, a passagem mais precoce das raparigas pela escola, a procura de uma profissão mais por vocação e a promoção da família pela valorização do estatuto de «dona de casa» podem explicar as percentagem de menor feminização da população activa.

Assim, na actualidade, urge debater se o menor desemprego feminino em Lisboa e no Porto não ocultará trabalho muito precário, mal remunerado e com limitados direitos laborais.

Notas

[1] INE, Recenseamento Geral da População (1930).

[2] Tilly, Louise; Scott, Joan (1978), Women, Work, and Family, New York, Holt, Rinehart and Winston, pp. 43-44.

[3] Cova, Anne; Pinto, Costa (1997), O Salazarismo e as Mulheres, Penélope, 17, p. 70.

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