Reflexões sobre o reconhecimento do valor económico e social do trabalho voluntário em Portugal

Dimensão analítica: Cidadania, Desigualdades e Participação Social

Título do artigo: Reflexões sobre o reconhecimento do valor económico e social do trabalho voluntário em Portugal

Autora: Cláudia Carvalho Amador

Filiação institucional: Faculdade de Letras da Universidade do Porto

E-mail: claudia.carvalho.amador@gmail.com

Palavras-chave: voluntariado, valor económico e social, sustentabilidade.

O trabalho voluntário tem assumido uma importância crescente e está, frequentemente, presente nos discursos políticos e nos Media. Vários têm sido os esforços no sentido de reconhecer e valorizar esta prática através da medição do seu impacto económico e social.

Apesar de várias, as interpretações subjacentes ao conceito de voluntariado, que divergem consoante o país, tendem para uma aparente concordância: o voluntariado é uma atividade não remunerada, assumida de livre vontade, em que o voluntário oferece o seu tempo [1].

Em Portugal, o primeiro grande passo em termos de reconhecimento da importância desta atividade deu-se, em termos jurídico-legais, através da Lei n.º 71/98, de 3 de novembro, que define o voluntariado como um conjunto de ações realizadas de forma desinteressada, no âmbito de projetos, programas ou outras atividades desenvolvidas sem fins lucrativos, por entidades públicas ou privadas. Desta forma, a Lei exclui as ações de caráter isolado e esporádico, ou que assentem em razões familiares e de vizinhança.

Recentemente, o Governo assumiu, no âmbito do Programa de Emergência Social, um conjunto de prioridades em que assenta o Plano Nacional do Voluntariado para os anos 2013-2015 [2]. Este Plano, que ainda não está em execução, visa: (i) sensibilização, divulgação e potenciação das ações de voluntariado; (ii) criação de um regime jurídico para o voluntariado mais incentivador com base na revisão da atual Lei do Voluntariado; (iii) criação de um complemento ao diploma do ensino secundário assente em atividades extracurriculares que possam ser tidas em conta com a formação cívica e social; (iv) alteração da atual Lei, fixando nos 16 anos a idade a partir da qual é permitido o acesso a um seguro de voluntariado, visando a participação jovem e de estudantes; (v) promoção de um programa nacional de responsabilidade social e voluntariado para trabalhadores em funções públicas.

Se, por um lado, é consensual a necessidade de revisão da Lei do Voluntariado face à evolução do trabalho voluntário, nomeadamente no que concerne à alteração das antigas conceções de voluntariado enquanto ação de caridade e assistencialista para uma ação cívica capaz de incitar pessoas individuais e coletivas, públicas e privadas, em torno de um objetivo comum; a heterogeneidade dos próprios princípios motivadores que vão desde o altruísmo, ao sentimento de pertença, bem com a valorização pessoal e profissional, entre outros; o número de instituições e setores abrangidos por esta atividade que, inicialmente, estava mais vocacionada para o setor de desporto e recreio e área social, expande-se para novos temas como a preservação ambiental, cultura e defesa de direitos humanos. Por outro lado, deve ser tida alguma precaução quanto a algumas das propostas enunciadas. Vejamos dois exemplos em particular.

A criação de um complemento ao diploma para alunos e alunas do ensino secundário, no qual se pretende colocar o número de horas de voluntariado, parece instrumentalizar uma prática que, concordamos deva ser reconhecida, mas não desvirtuada como uma entre outras formas de melhoramento de curriculum académico destes/as jovens. Também esta supremacia de um dado meramente quantitativo (número de horas) sobre um conjunto de informações qualitativas (e.g. tarefas desenvolvidas, aprendizagens, avaliação do/a voluntário/a) não nos parece que fará justiça ao trabalho voluntário levado a cabo com o devido comprometimento e responsabilidade mútua, quer por parte dos próprios voluntários bem como das organizações que os acolhem. Atenda-se ao atual momento de escassez de recursos, em que o voluntariado não pode ser visto como uma forma de substituir postos de trabalho.

Outra das propostas visa a promoção de um programa nacional de responsabilidade social e voluntariado para trabalhadores em funções públicas. Esta proposta também levanta algumas questões. Cada vez menos as empresas têm disponíveis verbas para financiar grandes programas sociais e ambientais, preferindo eleger ações de carácter mais pontual. Desta forma, não nos parece suficiente a valorização do respetivo tempo de apoio, para efeitos de benefícios laborais e sociais, como o banco de horas nas empresas, ou a prioridade no acesso a programas de educação e formação [3]. Seria também importante, neste âmbito, fomentar novas formas de voluntariado corporativo, que vão além da mera filantropia, visando um impacto mais estratégico que deve ser aproveitado pelas organizações da economia social que, em alguns casos, não têm nos seus Recursos Humanos, profissionais de áreas como o marketing, comunicação e angariação de fundos [4].

Paralelamente, o Inquérito Piloto ao Trabalho Voluntário [5], desenvolvido no âmbito da Conta Satélite da Economia Social, permitiu, por exemplo, definir o perfil do voluntário (nas atividades de trabalho voluntário formal destacaram-se os indivíduos mais jovens, desempregados e com níveis de escolaridade mais elevados, bem como predominaram as mulheres e indivíduos solteiros, enquanto que nas atividades de trabalho voluntário informal prevaleceram pessoas com mais idade e com maiores níveis de escolaridade, verificando-se uma maior taxa de voluntariado dos indivíduos desempregados e, também, maior proporção de indivíduos divorciados/separados), bem como possibilitou indicar com maior rigor o trabalho voluntário dedicado à Economia Social (correspondeu a cerca de 40% do emprego total do setor). O Inquérito serviu-se da referência metodológica e concetual do Manual on the Measurement of Volunteer Work da Organização Internacional do Trabalho com o objetivo de replicar este sistema internacional que permite uma maior homogeneização e comparação face a outros estudos. Contudo, esta metodologia parte de um princípio de valorização social e económica baseada no Produto Interno Bruto (PIB). Ora este indicador tem sido criticado por espelhar uma ideologia de crescimento económico omissa quanto à amplitude do bem-estar das populações. Jackson [6] tem vindo a defender o abandono do mito que um maior crescimento económico se traduz no aumento do bem-estar das populações. Por outro lado, tem sido indicado um conjunto de problemas na medição do valor económico do voluntariado que pode influenciar a qualidade dos resultados dos inquéritos aplicados [7].

Em suma, estes exemplos permitem-nos reconhecer o esforço por parte do Estado em promover o reconhecimento e o valor económico e social do trabalho voluntário. Contudo, o enaltecimento da prática do trabalho voluntário não deve, a nosso ver, reduzir-se a uma mera medição económica assente numa métrica que não tem em linha de conta os verdadeiros princípios no qual o próprio voluntariado se sustenta. Ao mesmo tempo, o reconhecimento social não se deve cingir a interesses mediáticos nem, tão pouco, à instrumentalização (quer por parte de voluntários como das próprias organizações) que não confere o verdadeiro valor do trabalho voluntário.

Notas:

[1] Marcos, Vanessa; Parente, Cristina, Amador, Cláudia (2013), Reflexões sobre o conceito e prática do voluntariado no terceiro setor português, IS Working Paper, 2.ª Série, N.º 8.

[2] Governo de Portugal (s.d.). Programa de Emergência Social. Disponível em URL [Consult. 12 Jun. 2013]: <http://www.portugal.gov.pt/media/747090/programa%20emergencia%20social.pdf>.

[3] Lusa (2011, Agosto 5). Governo vai mudar lei do voluntariado. Diário de Notícias. [Consult. 10 Jan. 2013]: <http://www.dn.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=1946164>.

[4] Cf. Projeto MAIS [Consult. 10 Jan. 2013]: <http://www.udipss-porto.org/mais/sobre-o-mais/>.

[5] INE & CASES (2013). Conta Satélite da Economia Social – 2010. Disponível em URL [Consul. 12 Jun. 2013]:

<http://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_publicacoes&PUBLICACOESpub_boui=15754

3613&PUBLICACOESmodo=2>.

[6] Jackson, Tim (2013), Prosperidade sem crescimento. Economia para um planeta finito. Lisboa: Tinta da China.

[7] Sardinha, Boguslawa; Cunha, Olga (s.d.). O valor económico do Voluntariado no CNE – Corpo Nacional de Escutas. Disponível em URL [Consult. 10 Jan. 2013]: <http://comum.rcaap.pt/bitstream/123456789/5313/1/Valor%20económico%20de%20Voluntariado_%20capitulo%20do%20livro_%20nov_%20final.pdf>.

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