Dimensão analítica: Mercado e Condições de Trabalho
Título do artigo: O prolongamento da incerteza: a inserção profissional de jovens diplomados portugueses
Autora: Mónica Santos
Filiação institucional: Instituto de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto
E-mail: mosantos@letras.up.pt
Palavras-chave: inserção profissional, diplomados, mercado de trabalho.
A expansão nas últimas décadas do ensino superior português e o despontar do desemprego e da instabilidade profissional entre jovens diplomados tem animado um conjunto de debates em torno de várias questões, das quais salientamos os desafios da massificação do ensino superior, a articulação entre competências e conhecimentos adquiridos na formação académica e as necessidades conjunturais do mercado de trabalho, e ainda a discussão acerca da qualidade da inserção e da integração profissional destes jovens. A expansão do ensino superior português, resultante do crescente número quer de licenciados quer das instituições e cursos de ensino público e privado, teve início nos finais da década de 1980 e prolongou-se, até com maior intensidade, nas décadas posteriores. Segundo Grácio [1], a escassez da oferta de cursos no superior que esteve na base do surgimento de instituições de ensino privado ocorreu, em simultâneo, com o aumento dos rendimentos reais das famílias e do investimento no capital escolar. O ensino universitário abriu-se a diferentes públicos e assimila-se o pressuposto de que quanto mais prolongadas forem as trajetórias escolares maiores as expectativas face à qualidade do futuro emprego. Recorrendo aos dados do Pordata [2], sobre o número de jovens com qualificações superiores, veja-se que em 2011 diplomaram-se no ensino superior português 78.785 indivíduos (engloba-se aqui o bacharelato, licenciatura, mestrado e doutoramento), representado o quádruplo do número de licenciados no ano de 1991. De acordo com a mesma fonte, em 2011, por cada 100 mil habitantes havia 7,5 diplomados, valor que se situava nos 1,9 em 1991.
Este aumento de diplomados reflete-se por sua vez na consolidação de uma mão-de-obra cada vez mais qualificada e na recomposição socio profissional da sociedade portuguesa. Em 2011, do total da população ativa, 18,1% tinha um diploma superior, valor que quase duplicou em uma década [2]. Se atendermos aos dados referentes ao desemprego pelo nível de escolaridade podemos constatar que não são os licenciados aqueles que mais sofrem este flagelo. Mais de metade do total da população desempregada é composta por indivíduos com o ensino básico e 13% apresenta-se com um diploma do ensino superior [2]. A partir dos números expostos do desemprego, somos levados a supor que o progressivo crescimento de diplomados foi sendo absorvido em parte pelo mercado de trabalho, parecendo haver um relativo (re)ajustamento entre procura e a oferta, embora seja irrefutável o crescente aumento do desemprego neste grupo – em 1992 o desemprego de diplomados representava 2,5% no total de desemprego e volvidos dez anos situava-se já nos 9,6% [2].
Não obstante constituir uma franja mais protegida relativamente ao desemprego, importa destacar algumas nuances que devemos ter em conta para uma análise mais cuidada da inserção profissional de jovens diplomados. Em primeiro lugar, o caráter recente do fenómeno do desemprego nesta população, o que por si é sintomático de uma transformação nos padrões da inserção profissional e denuncia o início da saturação e/ ou da incapacidade do sistema de emprego em incorporar os diplomados, embora saibamos que determinadas áreas académicas apresentam maior vulnerabilidade ao desemprego que outras. O desemprego de jovens qualificados passa a ser encarado enquanto problema social e começam a surgir as primeiras políticas de apoio ao emprego direcionadas especificamente para este público. As instituições universitárias criam mecanismos próprios de apoio à transição profissional e a academia desperta para esta problemática através de estudos sobre a empregabilidade dos seus diplomados.
Em segundo lugar, há que destacar as tendências e as conclusões verificadas pelos estudos académicos citados. Os trabalhos europeus e nacionais apontam para a progressiva dilatação do tempo no acesso efetivo ao mercado de trabalho. O prolongamento do tempo de procura de primeiro emprego, a sucessão de empregos atípicos (estágios, bolsas, etc.), o aumento da incerteza e da instabilidade por via da precarização dos vínculos laborais, a mobilidade imposta, o surgimento de situações de desqualificação profissional e a vivência do desemprego surgem cada vez mais associadas ao mundo de trabalho dos diplomados. Para compreendermos a inserção e a construção dos percursos profissionais não podemos portanto deixar de nos interrogar sobre as condições através das quais elas têm lugar. Seria por isso pertinente entender, com maior detalhe, o tipo e as características do emprego dos jovens diplomados de forma a avaliar o real reconhecimento e valorização das suas qualificações por parte do mercado de trabalho e até que ponto o investimento dos jovens e das famílias na educação se adequa ao retorno obtido.
Em terceiro lugar, e intimamente relacionado com o aspeto anterior, seria ainda importante compreender os mecanismos através dos quais o mercado de trabalho se foi recompondo e moldando perante a crescente qualificação dos profissionais. Como referem Teichler e Kehm [3], tem-se assistido a uma reestruturação dos mercados de trabalho por força da própria transformação da força de trabalho disponível, pelas novas formas de produção e gestão, pelo aumento do sector dos serviços, pela fluidez das fronteiras das áreas de conhecimento, e pelas formas de organização do trabalho que complexificam as tarefas nas ocupações tradicionais e fazem emergir um conjunto de novas ocupações e posições.
É inegável, contudo, que esta reestruturação apresenta também outras caraterísticas, nomeadamente aquelas decorrentes das dinâmicas de desregulação económica, visíveis na crescente flexibilização da gestão da mão-de-obra por via dos vínculos e das condições contratuais. O anunciado fim das carreiras e o pressuposto da formação ao longo da vida podem encerrar em si a ameaça da perpetuação do tempo de inserção e da descontinuidade permanente dos percursos profissionais.
Notas
[1] Grácio, Sérgio (2001) Sondagem ao mercado de emprego dos quadros, em 1989 e 1997. Sociologia, Problemas e Práticas, 37, pp. 9-32.
[2] Pordata (2013) in http://www.pordata.pt/Portugal (consulta dia 25 de Fevereiro de 2013).
[3] Teichler, Ulrich & Kehm, Barbara (1995) Towards a new understanding of the relationships between higher education and employment. European Journal of Education, 30(2), pp. 115-132.




