Dimensão analítica: Mercado e Condições de Trabalho
Título do artigo: A centralidade do trabalho na vida dos diplomados do ensino superior em processo de inserção profissional
Autora: Arlinda Manuela dos Santos Cabral
Filiação institucional: CESNOVA – Centro de Estudos em Sociologia da Universidade Nova de Lisboa / Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT)
E-mail: Arlindacabral@gmail.com
Palavras-chave: inserção profissional, diplomados, esferas da vida social
A inserção profissional dos diplomados do ensino superior tem sido alvo de estudos europeus e nacionais, devido à complexificação dos percursos profissionais, antes caracterizados pela linearidade e actualmente, num contexto de crise financeira, por configurações diversas, que devem ser analisadas no âmbito mais geral da concretização do projecto de vida, o qual engloba diversas dimensões, trabalho remunerado, práticas culturais, desportivas, partidárias e associativas e actividades relacionais (família, amigos e conhecidos).
A emergência do despedimento de quadros superiores e diminuição da oferta de trabalho para os diplomados tem dado origem a discursos mediatizados que enfatizam a perda do valor relativo da posse do diploma, que o desemprego conduz ao isolamento e/ou abandono de práticas sociais e que a situação face ao trabalho constitui o elemento central para a realização em todas as esferas da vida social. Mas até ao momento, diversos estudos têm evidenciado que os diplomados continuam a ser protagonistas de trajectórias profissionais mais favoráveis, quando comparados com os que não detêm o diploma, em termos de acesso e estabilização num mais curto espaço de tempo, para além de auferirem remunerações mais elevadas e serem menos vulneráveis ao desemprego. Contudo, não são de descurar os indícios de que as dificuldades da inserção profissional dos diplomados têm vindo a aumentar ao longo dos anos e que, para além do desemprego, as situações de precariedade do vínculo contratual têm se tornado mais significativas [1].
Os diplomados do ensino superior constituem uma população heterogénea, pois diferem nas trajectórias profissionais, de acordo com os recursos que podem mobilizar e as formações académicas que detêm. Mas, independentemente da situação em que se encontram perante o trabalho, têm necessidade de distribuir os usos dos tempos sociais, o que implica escolhas, que poderão levar a situações de conciliação ou conflito na avaliação que fazem da relação entre o trabalho e as outras esferas da vida social.
Na sociedade moderna contemporânea, assiste-se a discursos que defendem que o trabalho assume um valor central na vida, pois é um indutor que atravessa os campos de integração familiar, escolar, profissional, política e cultural [2], ou com enfoque na perda relativa da importância atribuída ao trabalho [3]. Mas em ambas abordagens, é reconhecida a importância do trabalho (remunerado) na vida, visto que proporciona os recursos necessários (financeiros e estabilidade) para a autarcia económica, inscreve os indivíduos na estrutura social, permite concretizar aspirações, estrutrura e condiciona a gestão quotidiana dos tempos sociais, legitima socialmente as fases biográficas [4] e dá sentido às actividade diárias. Por esta via, o investimento nas esferas da vida social pode ser mais ou menos condicionado pela situação objectiva face ao trabalho, pelos valores atribuídos ao trabalho e pelo grau de centralidade que o trabalho assume na vida.
Mas o investimento no trabalho, em termos de envolvimento e dedicação, por vontade própria ou por condicionalismo económico-financeiro e social, pode ser a forma que os diplomados encontram para poderem investir nas outras dimensões da vida social. Os diplomados apresentam características distintas nas atitudes sociais face ao trabalho, pois se entendem, por um lado, que o trabalho é fonte de realização, por outro, consideram que não deve ser um constrangimento ao investimento noutras dimensões da vida.
Numa investigação em curso [5], constata-se que os diplomados no ano 2004/2005 pela UNL e pela UL, fortemente inseridos no mercado de trabalho (87,3%) e a trabalhar maioritariamente por conta de outrem (89,05%), avaliam positivamente o seu percurso profissional (83,27%), não se registando alterações significativas na percepção dos inquiridos do sexo feminino e do sexo masculino [6].
O trabalho ocupa um lugar muito importante na vida para a maioria destes diplomados, mesmo quando confrontados com a ausência de necessidade de trabalhar, o que pode estar associado à representação do trabalho para além de fonte primária dos recursos financeiros. A família é considerada a esfera mais importante da vida, seguindo-se os amigos e conhecidos e, em terceiro lugar, o trabalho, não corroborando parte da literatura que afirma que o trabalho e a família são as duas estruturas mais importantes na vida dos indivíduos.
Os diplomados atribuem maior importância a um trabalho que permita ter autonomia financeira, seja interessante, possibilite adquirir novos conhecimentos e desempenhar as funções com autonomia, hierarquização que se aproxima da estrutura dos valores do trabalho associada aos altamente qualificados, que consideram, principalmente, o trabalho uma fonte de realização pessoal, lugar de desenvolvimento de competências e meio de afirmação de utilidade social.
Ao longo do percurso profissional, a satisfação perante o trabalho, a importância atribuída ao trabalho e os valores do trabalho tendem a alterar-se, pois à medida que se assumem responsabilidades familiares, as pressões relativas às motivações extrínsecas podem ganhar maior importância. Por outro lado, as necessidades de realização e satisfação com o trabalho podem aumentar, efeito esse mais evidente nas ocupações mais qualificadas.
Mas a maior centralidade atribuída ao trabalho na vida pode não ser sinónimo da sua preponderância face às outras esferas sociais, da mesma forma, que o maior investimento no trabalho pode não ser sinónimo da maior centralidade do trabalho na vida, mas sim ser resultado de constrangimentos financeiros que impelem a um maior investimento temporal no trabalho. Os estudos sobre o lugar que o trabalho ocupa na vida contribuem para o quadro lógico de compreensão da forma como as alterações na esfera do trabalho podem afectar as outras esferas da vida social.
Notas
[1] Marques, Ana Paula; Alves, Mariana (Org.) (2010), Inserção profissional de graduados em Portugal: (re)configurações teóricas e empíricas, Vila Nova de Famalicão: Húmus.
[2] Flacher, Bruno (2008), Travail et intégration social, 2.ª ed., França: Bréal.
[3] Méda, Dominique (1999), O trabalho: um valor em vias de extinção, Lisboa: Fim de Século.
[4] Halman, Loek (Org.) (2001), The European values study: a third wave, Netherlands: Tilburg University Press.
[5] «Percursos de inserção dos licenciados: relações objectivas e subjectivas com o trabalho» (PTDC/CS-SOC/104744/2008), CESNOVA.
[6] Cabral, Arlinda (2011), Conciliação ou conflito entre o trabalho e as outras esferas da vida social na inserção profissional dos diplomados do ensino superior, Ricot Journal, No.1, Porto: IS-FLUP, pp. 68-97.





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