A intervenção urbana e a construção retórica da imagem da cidade

Dimensão analítica: Ambiente, Espaço e Território

Título do artigo: A intervenção urbana e a construção retórica da imagem da cidade

Autora: Ana Roseira Rodrigues

Filiação institucional: Instituto de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto

E-mail: ana.roseira.rodrigues@gmail.com

Palavras-chave: Comunicação e mediação da intervenção urbana.

O Património é objecto que cativa muitas atenções consoante o olhar das disciplinas que o analisam. Dentro desses olhares incluem-se as estratégias e intervenções de reabilitação urbana. O caso do centro histórico do Porto, classificado como Património Mundial pela UNESCO em 1996, merece portanto todas as atenções da Porto Vivo, SRU – Sociedade de Reabilitação Urbana da Baixa Portuense S.A. (Porto Vivo, SRU), empresa de capitais públicos, responsável por guiar e acompanhar o processo de reabilitação urbana da Baixa do Porto.

Pretende-se que qualquer estratégia de reabilitação urbana “veja para além das fachadas”, ao jeito de Peter Berger e como tal, actue não só no edificado mas integre e envolva os elementos históricos, sociais, demográficos, económicos, etc. Isso é tanto mais pertinente quando se tratam de áreas classificadas pela UNESCO, já que a classificação inscreve, por definição, a riqueza e unicidade das fachadas e do que está para além delas (o seu património histórico e social). Os Planos e documentos emanados pela Porto Vivo, SRU, designadamente o Plano de Gestão Centro Histórico Porto Património Mundial (Plano de Gestão), contemplam essa dimensão integradora dos vários factores interferentes na realidade.

Segundo Paulo Peixoto [1], a intervenção no centro histórico com vista à sua sustentabilidade cultural obriga à conjugação de três dimensões interligadas: as imagens produzidas pelas políticas e projectos; os fluxos turísticos e dinâmicas de lazer; as intervenções urbanísticas e o seu significado social.

Assim sendo, intervenção por si só não basta para dar conta de todas as promessas da reabilitação urbana. É preciso dar visibilidade aos projectos, sem cair numa abordagem meramente publicitária, populista ou elitista. Essa visibilidade é tanto mais pertinente quando admitimos a centralidade dos média e da comunicação na construção da nossa visão do mundo. Por exemplo, a classificação do centro histórico do Porto pela UNESCO e a sua associação à marca “Património Mundial” contribuem, em muito, para reforçar imagens de marca da cidade e estratégias de comunicação consonantes. Parafraseando Rem Koolhaas [2], arquitecto da Casa da Música (outro espaço com um valor simbólico cada vez mais especial), a cultura é o grande trunfo da Europa na economia mundial, o que reforça a importância do turismo cultural na afirmação e projecção das cidades.

Torna-se cada vez mais necessário investir, criar dispositivos de mediação que mostrem, promovam, expliquem as características dos territórios, as intervenções que neles se operam e as energias que eles emanam, guiados por intenções informativas, pedagógicas, que estimulem o turismo, etc. Ou seja, o trabalho de intervenção urbana é acompanhado de um trabalho de construção retórica sobre a imagem da cidade.

Henri Lefebvre avançou nos anos 70 uma proposta conceptual tornada bastante célebre e inspiradora para muitos autores, que gravita em torno do espaço percebido, o espaço concebido e o espaço vivido. Mais propriamente, as práticas sociais, vertidas nas interacções quotidianas, remetem-nos para o espaço percebido; as representações do espaço correspondem aos discursos especialistas versados sobre ele – espaço concebido; finalmente, os espaços de representação ligam-se aos espaços vividos, isto é, são espaços que obedecem a uma interpretação simbólica, afectiva, valorativa dos mesmos por parte dos sujeitos. O trabalho de reabilitação urbana tem em conta esta complexidade e está atento aos vários processos (físicos, culturais, sociais, etc.) de produção do espaço.

Certamente atenta a tudo isto, a Porto Vivo, SRU preparou uma exposição sobre a sua intervenção no centro histórico intitulada “Valorização e Gestão do Centro Histórico do Porto Património Mundial”, com presença já assinalada em vários locais, como Guimarães e Vila Nova de Foz Côa que, tal como o Porto, têm grandes responsabilidades com o seu património. “Esta exposição é constituída por um conjunto de 24 painéis alusivos a vários temas” diz a notícia do dia 29 de Novembro de 2010, disponível no site da Câmara Municipal do Porto, informando também que esta exposição já contou com mais de 100 000 visitas.

Esta última frase poderia ser um bom indício sobre este acto mediador entre a Porto Vivo, SRU e os vários públicos possíveis da referida exposição. Poderia. Os 24 painéis estendem-se pelas paredes dos Paços do Concelho, fazendo-se acompanhar de uma televisão desligada e de vitrinas orgulhosas da Menção Honrosa do Prémio IHRU 2009 – Reabilitação Integrada de Conjuntos Urbanos e de algumas publicações e de CD-ROMs com a síntese executiva do Plano de Gestão. A informação, porventura muito técnica para ambições de uma comunicação transversal, acotovela-se em cada um dos painéis e ajuda à distância entre os visitantes comuns (refiro-me a cidadãos leigos e públicos escolares) e este trabalho da Porto Vivo, SRU.

Não quero centrar-me na apreciação da solução expositiva encontrada, sobre a qual assumo algumas reservas, nem sobre a intervenção urbana propriamente dita. Quero, sim, lançar a reflexão sobre a importância dos dispositivos de mediação, entre as instituições e os cidadãos, sobre as intervenções no espaço e/ou no património (no sentido em que estes dispositivos corroboram a retórica da cidade projectada).

Obviamente que o objectivo de exposições deste tipo não é fechar o discurso técnico e académico em si mesmo. Ao jeito de Lefebvre, procuram, idealmente, ligar práticas sociais, as representações do espaço e os espaços de representação ao mesmo tempo que afirmam uma perspectiva, um olhar (como todas as exposições).

Interessa-nos, portanto, salientar que o que está presente nesta exposição são os espaços concebidos pelos arquitectos, engenheiros, urbanistas, geógrafos, etc. Essa perspectiva, por vezes mais tecnicista, é legítima mas é importante não esquecer que nem todas as pessoas têm os mesmos recursos de descodificação do espaço concebido e como tal, os agentes responsáveis e implicados num processo de intervenção no património devem criar os dispositivos que suscitem a compreensão, a participação, a análise crítica e criativa dos seus conteúdos. Nesse sentido, o trabalho desenvolvido na Baixa do Porto é merecedor de dispositivos mais dialogantes com os públicos a quem se dirigem, que sirvam melhor a tal visibilidade do processo de reabilitação e de partilha do património.

Notas

[1] PEIXOTO, Paulo (2003), “Centros Históricos e Sustentabilidade Cultural das Cidades” in Sociologia, Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 13, pp. 211-226.

[2] KOOLHAAS, Rem et al. (2004), Mutations, Barcelona/Bourdeaux, ACTAR/arc en rêve centre de architecture.

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