Um globalismo a la carte: Da internacionalização de empresas em Portugal

Dimensão analítica: Economia, Trabalho e Governação Pública

Título do artigo: Um globalismo a la carte: Da internacionalização de empresas em Portugal

Autor: João Vasco Coelho

Filiação institucional: CIES/ISCTE-IUL

E-mail: vasco.jcoelho@gmail.com

Palavras-chave: Globalismo, Internacionalização de empresas, Internacionalização não-linear.

Em Portugal, a internacionalização de empresas, de organizações e da economia conheceu um primeiro período de expansão no início da década de 1990. Após este intervalo de tempo, seguiu-se um outro, até 2005, onde a crescente abertura de economias a leste e o incremento de concorrência suscitou uma alteração da estrutura de exportações nacionais e um crescimento moderado das operações de âmbito internacional [1]. No período compreendido entre 2008 e 2015, o movimento de internacionalização conheceu uma nova expansão [2], sendo de relevar, a este propósito, a contribuição crescente do tecido empresarial português [3], consumada não apenas pela ação de empresas e sectores tradicionalmente exportadores (e.g., indústria extrativa, transformadora, transportes e armazenamento), mas também com a contribuição crescente de empresas e de sectores (e.g., comércio, prestação de serviços de base tecnológica e científica, desenvolvimento de produtos de alta tecnologia) tidos, em termos clássicos, como não-transacionáveis em termos de comércio internacional.

O incremento do número de empresas dotadas de operação internacional, e a já aludida diversificação de sectores constitutivos deste acréscimo constituem, neste sentido, atributos definidores dos processos de internacionalização contemporânea da economia nacional. Trata-se de indicadores que importa ressalvar, pelo impacto que é possível reconhecer aos movimentos de expansão internacional no plano da organização das empresas, da remuneração e qualificação do trabalho, da criação de emprego, e da recomposição dos processos produtivos. Com efeito, a necessidade de internacionalização das operações empresariais tende a implicar a constituição ou renovação de estratégias, de práticas e de comportamentos [4] que respondam a princípios particulares de gestão tipicamente carreados por um movimento de abertura de uma empresa ao exterior, como por exemplo: a co-localização geográfica da atividade produtiva; a mobilidade de trabalhadores no espaço internacional; a abertura de fronteiras cognitivas, simbólicas e organizacionais a diferentes ideários, agentes e jurisdições de influência, a um sentido de distância [5] envolvido na realização das atividades produtivas internacionais.

Num contexto assim pautado pela oportunidade (de qualificação), e também, em sentido difluente, pela “fragilidade do tecido produtivo (baixos níveis de capitais próprios, gestão familiar, ineficiências no funcionamento do mercado de trabalho, baixos níveis de capital humano e capital por trabalhador)” [1], conhecer as lógicas de processos de internacionalização emergente [6], protagonizados por empresas em Portugal, afigura-se especialmente relevante e oportuno.

Num estudo recentemente desenvolvido [7], é ilustrada a forma como as lógicas de internacionalização de empresas nascentes e grupos empresariais consolidados em Portugal, refletem as mutações observadas no contexto de operação de empresas (e de grupos e indivíduos nas empresas), num quadro de abertura das economias e crescente dispersão geográfica das cadeias de valor. Neste contexto, foi possível observar que, se analisados a uma luz próxima, os objetivos subjacentes a uma decisão de internacionalização se tendem a distinguir, e que a esta diferenciação se tende a associar uma diversificação de conceções, objetos, e veículos de internacionalização de empresa.

Na pesquisa referida, casos de grupos económicos born-again global [8] (retalho e distribuição; construção) e born global [9] (sector IT – desenvolvimento de software) ilustram os efeitos do constrangimento vivido no desenvolvimento de estratégias de internacionalização, na decisão de inflexão para vertentes de internacionalização temporárias, portáteis, reversíveis, e na constituição de lógicas de atuação não-lineares [10], ancoradas na experimentação controlada, na retração e no investimento esporádico, práticas distantes do observado em contextos marcados, no essencial, pela abertura faseada, staged, pelo incrementalismo (sector utilities). A este respeito, processos de digitalização, financeirização e projetificação da economia têm desempenhado um papel relevante na facilitação da inclusão de novos sectores e empresas, na flexibilização de processos de abertura empresarial ao exterior, e na superação de condições de acesso truncado ou diferencial, por via do desdobramento dos meios que se apresentam como disponíveis para concretizar aspirações de expansão internacional.

A integração de novos agentes económicos, o emprego de diferentes recursos e veículos organizacionais (e.g., projeto, mobilização de trabalhadores, investimento financeiro), a vigência de diferentes horizontes de representação de um processo de expansão, apresenta a internacionalização de empresas em Portugal, no momento presente, como uma realidade dual (processos tradicionais/incrementais e processos emergentes/não-lineares), marcado por um globalismo a la carte, a procura de reversibilidade e portabilidade (leveza de risco e exposição), consumada pela heterogeneidade de meios empregues na resposta a um mesmo desígnio (globalista): afirmar (poder afirmar) o mundo como referência de atuação.

Notas

[1] Amador, J. & Cabral, M. C. (2014), A economia portuguesa no contexto global, in F. Alexandre, P. Bação, P. Lains, M. Martins, M. Portela, & M. Simões (orgs.), A economia portuguesa na União Europeia: 1986-2010, Coimbra: Conjuntura Actual Editora.

[2] Banco de Portugal (2015). Análise das empresas do sector exportador em Portugal. Lisboa: Banco de Portugal.

[3] Fernandes, F. (2017). Os exportadores portugueses. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos.

[4] Kuivalainen, O., Sundqvist, S., Saarenketo, S., &; McNaughton, R. (2012). Internationalization patterns of small and medium-sized enterprises. International Marketing Review, 29 (5), 448 – 465.

[5] Johanson, J. & Vahlne, J-E. (1977). The internationalization process of the firm: A model of knowledge development and increasing foreign market commitments. Journal of International Business Studies, 8, 23-32.

[6] Oviatt, B. & McDougall, P. (1994). Toward a theory of international new ventures. Journal of International Business Studies, 45–64.

[7] Coelho, João Vasco (2018). ‘Eu já venho: A expatriação organizacional como experiência de recomposição identitária. Tese de doutoramento, Lisboa: ISCTE-IUL.

[8] Bell, J., McNaughton, R., & Young, S. (2001). ‘Born-again global’ firms – an extension to the ‘born global’ phenomenon. Journal of International Management, 7 (3), 173–189.

[9] Sheppard, M. & McNaughton, R. (2012). Born global and born-again global firms: A comparison of internationalization patterns, in M. Gabrielsson, & V. Kirpalani (orgs.), Handbook of Research on Born Globals (pp. 46-56). Massachusetts: Edward Elgar.

[10] Vissak, T. & Francioni, B. (2013). Serial nonlinear internationalization in practice: A case study. International Business Review22 (6), pp. 951-962.

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