Aprendizagem informal e não formal nas sociedades contemporâneas

Dimensão analítica: Educação e Ciência

Título do artigo: Aprendizagem informal e não formal nas sociedades contemporâneas

Autora: Alexandra Aníbal

Filiação institucional: socióloga, técnica superior no Instituto do Emprego e Formação Profissional

E-mail: alexandra.anibal@gmail.com

Palavras-chave: aprendizagem ao longo da vida, internet, bibliotecas públicas.

Aprendizagem e Mudança

Durante milénios as formas de aprendizagem predominantes nas sociedades consistiam nos ensinamentos que passavam dos mais velhos para os mais novos, através de processos de transmissão de saberes e saberes-fazer sustentados em práticas como a observação e a imitação. A realidade social mudava muito vagarosamente e estes modos informais de aprender adequavam-se aos ritmos lentos das transformações nas sociedades tradicionais. Segundo o sociólogo espanhol Mariano Enguita [1], a mudança era então suprageracional: de tão lentas, as transformações sociais não chegavam a ser percetíveis no espaço de uma geração.

Mas a revolução industrial acarretou alterações societais que se vão multiplicando, passando a ser percetíveis de uma geração para outra. Enguita refere-se a essa época como a da mudança intergeracional em que as gerações anteriores, “já não sendo capazes, por elas mesmas, de guiar as novas gerações no processo educativo, necessitam que uma entidade especializada – a escola – assuma essa função” [1]. Começa então a “época dourada da instituição escolar” [1] que corresponde a um período ainda recente da vida das sociedades modernas em que à escola cabe a função clara e inequívoca de incorporar a nova geração num mundo diferente do vivido pelas gerações que a antecederam. Com o surgimento dos sistemas de ensino (que se vão consolidando nos vários países ocidentais de formas e com ritmos muito diferentes, a partir do século XIX), a escola vai-se tornando o único contexto socialmente reconhecido de realização de aprendizagens, levando à invisibilidade dos processos tradicionais de aprendizagem informal.

Mas eis que recentemente surgem novas formas de aprendizagem. O desenvolvimento exponencial das tecnologias de informação e comunicação e o surgimento da internet trouxeram mudanças radicais nas formas de aprender e de ensinar que extravasam os muros da escola. Encontramo-nos em plena época de mudança intrageracional [1], em que se configura a crise do sistema educativo, pois a instituição escolar é incapaz de absorver as mudanças vertiginosas e generalizadas que acontecem na sociedade no espaço de poucos anos. A formação inicial, assegurada pela escola, perde peso relativamente à formação ao longo e ao largo da vida, sendo nesta última que passa a residir a aprendizagem dos conhecimentos realmente úteis e aplicáveis no trabalho e na vida social, passando a caber à escola sobretudo assegurar que os alunos adquirem as competências necessárias para que possam continuar a aprender, de modo sustentado, ao longo das suas vidas.

 

Aprendizagem ao longo da vida

É neste contexto em que a instituição escolar vai perdendo progressivamente o monopólio da aprendizagem e do conhecimento que surge o conceito de aprendizagem ao longo da vida. A expressão começa a ser utilizada durante a quinta conferência mundial da UNESCO sobre Educação de Adultos [2], realizada em Hamburgo, em 1971, na qual são abordadas, de forma inédita, as aprendizagens realizadas fora do enquadramento escolar, alargando-se o conceito de educação ao conjunto dos processos de aprendizagem formais, não formais e informais. A Comissão Europeia publica, logo em 2000, o Memorando sobre Aprendizagem ao Longo da Vida, em que a define como “toda e qualquer atividade de aprendizagem, com um objetivo, empreendida numa base contínua e visando melhorar conhecimentos, aptidões e competências” [3], e em que é reforçada a existência daqueles três modos, igualmente válidos, de aprender.

Ora, o facto de se passar a encarar como válidos todos os modos de aprender – o formal, o não formal e o informal – implica considerar como promotores válidos de aprendizagens outros espaços e contextos, além da instituição escolar, e passar a reconhecer e consequentemente a validar/certificar as aprendizagens neles realizadas.

Que contextos são estes? Destacaria aqui dois deles: a Internet e os equipamentos culturais, nomeadamente as bibliotecas públicas.

Internet e ambientes digitais

Uma das grandes mudanças trazidas pela revolução tecnológica foi abrir a todos os utilizadores da internet a possibilidade de construírem a sua aprendizagem através de processos informais e não formais.

De facto, a internet e as tecnologias digitais disponibilizam atualmente uma infinidade de recursos que possibilitam a cada utilizador gerir o seu percurso pessoal de aprendizagem no espaço virtual, de forma autónoma, liberto de constrangimentos de espaço e de tempo. A partir de dispositivos cada vez mais diversificados e acessíveis, como o computador, o tablet, o smartphone, acede-se a redes sociais como o Linkedin, Facebook, Instagram, Youtube, aplicativos em que qualquer um pode passar constantemente do papel de aprendente/receptor para o de promotor de aprendizagem/emissor, num contínuo de aprendizagem informal. A aprendizagem torna-se ubíqua, presente em todos os momentos da nossa existência. Nas palavras de Downes, referindo-se à web 2.0, “viver e aprender tenderão, inevitavelmente, a fundir-se” [4].

Aprender, por exemplo, italiano através do Duolingo, literatura inglesa através de vídeos publicados no You Tube, história de arte através de MOOCs (Massive Open Online Courses) de prestigiadas universidades ou matemática na Academia Khan são formas atuais de realizar aprendizagens, crescentemente utilizadas, sobretudo pelos mais jovens, nativos digitais [5], mas que abrangem também os imigrantes digitais [5].

Neste novo contexto potenciador da autoaprendizagem informal, a escola e as bibliotecas públicas deverão desempenhar, entre outros, o papel decisivo de proporcionar aos aprendentes digitais as competências de literacia da informação que lhes permitam, de forma segura, crítica e eficiente, selecionar/triar a imensidão de informação que os rodeia.

 

O papel das bibliotecas públicas

Formar aprendentes digitais mais críticos e informados é, de facto, um dos importantes contributos das bibliotecas públicas na promoção da aprendizagem ao longo da vida.

Mas não se fica por aqui o papel das bibliotecas nesta matéria. Espaços gratuitos e de portas abertas a todos, independentemente da idade e origem sociocultural, as bibliotecas públicas proporcionam o acesso generalizado ao conhecimento e à cultura, assumindo-se como intervenientes decisivos na prossecução da aprendizagem ao longo da vida para todas as pessoas [6], com ênfase naquelas que tiveram menos oportunidades ao nível do sistema formal de ensino.

Pode aprender-se muito, de modo informal, numa biblioteca pública:

  • de forma autónoma, realizando pesquisas de informação em suporte físico e navegando na internet;
  • com o apoio de profissionais qualificados que orientam essas pesquisas;
  • em ambientes serenos, descontraídos e confortáveis, sem pressões, ao seu próprio ritmo;
  • a nível comunitário, uma vez que as bibliotecas são cada vez mais centros comunitários, nos quais a comunidade se encontra e se reúne para atividades auto-organizadas.

Mas também se pode aprender de modo não formal, em oficinas e palestras diversas e em cursos de informática que promovem a inclusão e a literacia digitais.

Espaços seguros para o diálogo público, locais de reunião da comunidade, espaços de acesso individual, ou em grupo, à informação e ao conhecimento, as bibliotecas públicas são atualmente contextos privilegiados de exercício e aprendizagem da democracia.

Notas

[1] Enguita, M. F. (2001). Educar en Tiempos Inciertos, Madrid, Morata.

[2] UNESCO (1998). V Conferência Internacional sobre Educação de Adultos: Hamburgo 1997. Declaração Final e Agenda para o Futuro, Lisboa, Ministério da Educação, Secretaria de Estado da Educação e Inovação. Disponível em URL [Consult. 5 Dez 2017]: <http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001297/129773porb.pdf >.

[3] Comissão Europeia (2000). Memorando sobre Aprendizagem ao Longo da Vida, Bruxelas, Comissão Europeia. Disponível em URL [Consult. 6 Dez 2017]: <http://dne.cnedu.pt/dmdocuments/Memorando%20sobre%20Aprendizagem%20Longo%20da%20Vida%20pt.pdf>.

[4] Downes, S. (2005). e-Learning 2.0. eLearn Magazine. Disponível em URL [Consult. 8 Dez 2017]: <http://elearnmag.acm.org/featured.cfm?aid=1104968>.

[5] Prensky, M. (2001). Digital natives, digital immigrants. On the Horizon, vol.  9., MCB University Press. Disponível em URL [Consult. 8 Dez 2017]: <https://www.marcprensky.com/writing/Prensky%20-%20Digital%20Natives,%20Digital%20Immigrants%20-%20Part1.pdf>

[6] IFLA (2004), The Role of Libraries in Lifelong Learning. Disponível em URL [Consult. 10 Dez 2017]: <http://archive.ifla.org/VII/s8/proj/Lifelong-LearningReport.pdf>.

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