Aspirações

Dimensão analítica: Condições e Estilos de Vida

Título do artigo: Aspirações

Autora: Ana Luísa Melo

Filiação institucional: Ministério da Educação (AECM)

E-mail: analuisaamelo@gmail.com

Palavras-chave: alunos, aspirações, cidade.

Sou professora do ensino secundário. É o fim de um percurso de uma escolaridade de doze anos e confronto-me, hoje, com uma decidida vontade de muitos dos meus alunos mudarem de escola. Na sua grande maioria são os alunos do décimo primeiro ano que pretendem fazê-lo. Este é, para mim, um facto surpreendente.

A nossa escola situa-se na periferia da cidade grande, por entre campos e fábricas, como a geografia determina. É assim a nossa geografia: feita de contrastes e coexistências pacíficas. Igualmente pacífica me aparece a realidade social da escola. Dissemelhante, convivem na sua pluralidade muitas e muitas diferenças. Os alunos convocam realidades socioculturais muito distintas e o quadro axiológico espelha, também, essa diversidade. Contudo, o apelo da grande cidade, esse, é comum, é transversal e intenso.

“Porquê”, pergunto-lhes eu? Dizem-me que querem “sair daqui”, sair deste “sítio onde nunca acontece nada”, respondem, “nunca acontece nada”.

Fico a pensar nestas palavras e faço um esforço por compreender. O que tem a cidade grande de tão atraente? Que atrativos traz a urbanidade? Que sedução exerce essa realidade urbana que determina esse desejo de evasão?

Quando penso nas desigualdades sociais não as situo ao nível de uma realidade escolar deste tipo. Reconheço na escola grandes desigualdades quanto à mais primária subsistência (que, muitas vezes, se situa mesmo ao nível de uma digna sobrevivência) e que vejo como a expressão mais dura da realidade social em crise deste tempo que nos calhou em sorte. É na escola que desagua todo um mundo que vive e sofre a dureza deste quotidiano que teima em manter-se. Mas é, também, na escola que se vivem as aspirações de todos; aquelas que os alunos trazem, as que os encarregados de educação anseiam e as que os professores desejam. É todo um mundo, a escola.

Então, porquê? Porquê a mudança para a cidade grande? Não será, certamente, pela qualidade do ensino (é reconhecido o trabalho realizado); não será pela proximidade (é garantido o peso a que a distância obrigará); não é, também, determinada pelos custos (a distância torna-se cara) …então, porquê? Alinham-se motivos mas, inevitavelmente, conduzem ao “nada acontece por aqui”.

Incomodo-me. Não pelo vazio que estes alunos deixam na escola de que partem, mas pelo vazio que antevejo no seu encontro com a cidade grande. Não será, decerto, local onde “tudo irá acontecer” mas vai ser, certamente, o contexto em que “tudo pode acontecer”. É certo – isso, sem dúvida – que irão crescer. Acontecerá inevitavelmente. Mas serão acontecimentos distantes, sem a proximidade de uma família que, ainda que não em casa, está mais perto.

Desisto. Mas, ainda assim, tento outra linha. Admito a vontade de um outro estilo de vida e falo-lhes de vantagens que podem aproveitar: maior e melhor rede de transportes, superior oferta cultural que entendo ser sempre um atrativo para a juventude sedenta de vida e de saber. Não parecem muito interessados. Não ligam muito. “Depois pode ser que venhamos cá, dizemos como foi!” rematam.

Não continuei a conversa. É factual que os contextos determinam grande parte das nossas aspirações, mas é triste que não permitam consubstanciar as opções que se tomam. Mudar de escola é um assunto sério e não deveria ser capricho sem fundamento.

Fico a olhar para eles que já se afastam da sala. Deixo-os ir. Para a cidade que os há-de tornar grandes.

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Uma Resposta a Aspirações

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