Desporto: Uma Panóplia de Mosaicos

Dimensão analítica: Condições e Estilos de Vida

Título do artigo: Desporto: Uma Panóplia de Mosaicos

Autor: Vítor Rosa

Filiação institucional: Universidade Lusófona de Lisboa

E-mail: vitor.rosa@ulusofona.pt

Palavras-chave: Desporto, Modalidades Desportivas, Funções.

Apresentado como um verdadeiro fenómeno mediático, económico, político e social, o desporto é um elemento dificilmente contornável na vida quotidiana. Em menos de um século, o desporto passou de uma actividade “confidencial” a um fato social de sociedade. Face a esta evolução, uma questão emerge: o que é o desporto? Um confronto corporal, uma actividade remuneratória, um simples lazer, um espectáculo, uma prática educativa, um jogo? Actualmente, os sociólogos do desporto concordam num ponto: a dificuldade de o definir. Na ausência de uma definição consensual, é possível circunscrevê-lo evocando certas dimensões, que a escolha é discutível, mas que o objectivo é contribuir para o debate. Retemos aqui as noções de “actividades”, de “funções”, de “espaços”, de “encenações” e de “empregos”.

  1. O desporto: um mosaico de actividades

O desporto é um mosaico de actividades físicas, que, no conjunto, e em termos de praticantes, não é homogéneo. Esta heterogeneidade de investimento com o desporto verifica-se através dos dados estatísticos e dos diferentes inquéritos que se vão realizando.

  1. O desporto: um mosaico de funções.

O desporto não se limita a um confronto corporal ou de investimento físico. Ele exerce, directa ou indirectamente, outras funções ou missões. Uns conferem-lhe missões de bem-estar e lazer, outros, sobretudo nos programas políticos, uma função de integração ou de inserção. O desporto possui funções variáveis segundo os indivíduos e os ambientes.

A Comissão Europeia (1998)[1] sublinha cinco funções específicas do desporto:

  • A função educativa para equilibrar a formação e o desenvolvimento dos indivíduos em todas as idades.
  • A função de saúde pública no quadro do bem-estar geral da pessoa para preservar o “capital-saúde” dos cidadãos.
  • A função social para lutar contra a exclusão, a intolerância, a discriminação e o racismo.
  • A função cultural, permitindo ao cidadão de se reconhecer no seu território.
  • A função lúdica como componente do tempo livre e do lazer individual e colectivo.

No entanto, e segundo algumas derivas (corrupção, dopagem, violência, e outras “vigarices”), convém não atribuir ao desporto mais funções do que ele não possui ou que pode assumir. Numa linha crítica ao desporto, Jean-Marie Brohm (1992)[2], adopta uma aproximação sociopolítica radical. Este autor considera o desporto, à imagem da sociedade capitalista, como um sistema de exclusão e de alienação. Ele permite manter uma dominação política e económica das estruturas ideológicas em vigor. Para si, praticar uma actividade física responde a um problema de aparência, de bem-estar, mais permite também a exaltação do mérito individual e colectivo.

Christian Pociello (1999)[3], numa reflexão privilegiando as organizações, enuncia cinco funções sociais do desporto: função integrativa e federativa baseada na ética tradicional e assegurada pelo desporto federativo; uma função educativa associada à instituição escolar; uma função lúdica e recreativa, levada a cabo pelos serviços privados e motivados pelos serviços de comércio; uma função espectacular e mediática, visando o consumo de imagens e de eventos desportivos.

Para além destas análises e interrogações, por vezes contraditórias, pode-se constatar que o debate sobre as diferentes funções potenciais do desporto está longe de estar encerrado. Estes últimos continuam variados, antagónicos e complexos a extrair. O desenvolvimento do desporto, a diversificação das modalidades de prática, o interesse que os políticos têm por este fenómeno e a mediatização não fazem que acentuar este mosaico de funções.

  1. O desporto: um mosaico de espaços

O desporto precisa de espaço. A presença cada vez mais manifesta dos locais para a prática desportiva testemunha a sua importância. As piscinas, os ginásios, os campos de ténis, de golfe continuam a ser os equipamentos mais espalhados pelos territórios. Mas praticar uma actividade física e desportiva pode se realizar noutros locais. Alguns até são reaproveitados (“skate-parks”), outros não, como os jardins ou a rua. O reflexo da multiplicidade de modas de prática, os espaços apropriados se diversifica.

Jean-Pierre Augustin (2003)[4], sublinhando a evolução dos sistemas desportivos, refere três tipos de espaços desportivos. O primeiro tipo tem a ver com as actividades físicas tradicionais favorecendo a construção de locais específicos concebidos para elas (ginásios para os desportos colectivos de interior, os estádios de futebol e de atletismo, de terrenos para os jogos para prática escolar e as piscinas. O segundo tipo de espaços está ligado às práticas que se desenvolvem nos locais urbanos: rua, parques, para a corrida, skate ou os patins. O terceiro espaço tem a ver com as actividades de natureza, espaço natural (ar, montanha, mar ou campo). São as actividades das caminhadas pedestres, a espeleologia, a canoa, o voo livre, que se inscrevem nos locais mais diversos e voluntariamente não acessíveis aos não-praticantes, numa procura de liberdade e uma relação com a natureza de ordem contemplativa.  O espaço desportivo, verdadeiro lugar da prática, apresenta aspectos variados. A este título o estádio, verdadeira catedral do desporto, continua a ser um espaço singular.

  1. O desporto: um mosaico de encenações

Lugar de confrontação, local de culto da performance, e local de incerteza dos resultados, o desporto presta-se voluntariamente a um mosaico de encenações. Para Georges Vigarello (2000)[5], ele combina um espaço (o estádio, ginásio, etc.), um tempo (calendário das provas), de regras universalmente partilhadas, uma hierarquia das competições e, enfim, uma promoção transformando o evento desportivo em espectáculo.

Se a história do desporto mostra uma certa continuidade na encenação do desporto, os meios modernos de comunicação, a televisão em particular, propulsionaram-no para a cena mundial. Uma das consequências desta mediatização é a adaptação do produto desportivo às exigências da televisão. A encenação a “todo o custo” conduz certas instâncias dirigentes do desporto a querer transformar as regras ou as práticas, com o risco de perderem a sua identidade original (Falcoz e Laure, 2004)[6].

  1. O desporto: um mosaico de empregos

Longe de nos acantonarmos na função educativa ou higiénica, o desporto tornou-se progressivamente um sector de empregos notável. Segundo os dados recolhidos em França no decurso do recenseamento da população de 1999, o sector desportivo contava com cerca de 100.200 postos de trabalho, declarados como sendo a actividade profissional principal, o que representava 0,4% da população activa. Estudos realizados em 2001 e 2002 (Chantelat, 2001; Camy, Le Roux, 2002) [7, 8], o sector representava mais de 320.000 empregos. Por ano, são criados entre 15.000 a 20.000 empregos.

Notas

[1] Commission européenne (1998). Evolution et perspective de l’action communautaire dans le sport. Bruxelas: CE.

[2] Brohm, J.-M. (1992). Sociologie politique du sport. Nancy: PUN.

[3] Pociello, C. (1999). Sports et Sciences: histoire, sociologie et prospective. Paris: Vigot.

[4] Augustin, Jean-Pierre (2013). Le Sport et ses métiers, Paris: La Découverte.

[5] Vigarello, G. (2000). Passion sport: histoire d’une culture. Paris: Textual.

[6] Falcoz, M. e Laure, P. (2004). Sociologie. Paris: Elipses.

[7] Camy, J. e Le Roux, N. (2002). L’emploi sportif en France: situations et tendences d’evolution. Paris: AFRAS-RUNOEPS.

[8] Chantelat, P. (2001). La professionnalisation des organisations sportives: nouveaux enjeux, nouveaux débats. Paris: L’Harmattan.

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