Dimensão analítica: Economia e Política
Título do artigo: Para quando princípios efetivos de governança em Portugal
Autor: Hernâni Veloso Neto
Filiação institucional: Instituto de Sociologia-Univ. Porto / CES-Univ. Coimbra
E-mail: hneto@letras.up.pt
Palavras-chave: governança, governação política, Portugal.
Acredita-se que o título deste artigo é bastante ilustrativo do que se pretende abordar e o que se defende para uma melhor e mais eficaz e eficiente governança da esfera pública. Os princípios de boa governança tem como fim último esses objetivos, mas importa que sejam efetivados, por isso, questiona-se para quando princípios efetivos de governança em Portugal. Sublinha-se efetivos, porque teoricamente já existem e estão plasmados nos mais diversos compêndios científicos, legislativos e políticos.
Antes de focar esses princípios importa refletir sobre a governança e o que este conceito representa. Desde logo, importa não confundir governança com governação ou governo. Se se fizer uma análise com o dicionário de língua portuguesa (Exemplo: Infopédia – Porto Editora), verifica-se que a governação concerne com o ato ou efeito de governar, numa lógica mais procedimental do exercício dos poderes de administração pública dos diversos setores do Estado, enquanto a governança remete para uma orientação política e uma estratégia de governo baseada no equilíbrio entre o Estado, a sociedade civil e o mercado, tanto ao nível local e nacional como internacional.
As primeiras discussões sobre o conceito de governança remontam a, pelo menos, 400 aC, ao Arthashastra, um tratado sobre o governo atribuído a Kautilya (pensado para ser o ministro-chefe do rei da Índia), em que se apresentava os principais pilares da “arte e princípios de bom governo”, enfatizando a justiça, a ética e as disposições anti autocráticos [1]. Apesar desta longa proveniência do termo, não se formou consenso em torno de uma única definição, até porque o mesmo só adquiriu relevo e projeção científica quando o Banco Mundial reinventou o termo num relatório de 1989, sinalizando-o como uma nova abordagem para o desenvolvimento baseada na crença que a prosperidade económica não era possível sem um nível mínimo de Estado de Direito e de democracia [2].
Mesmo que a conceção do Banco Mundial tenha sido considera “estreita” [2], teve o condão de potenciar o debate especializado e o aparecimento de novas conceptualizações, tal como a proposta por Kaufmann, Kraay e Zoido-Lobatón em 1999 [3]: a governança pode ser entendida como as tradições e instituições pelas quais a autoridade e gestão pública de um país são exercidas, contemplando o próprio processo pelo qual os governos são selecionados, monitorizados e substituídos, as capacidades dos governos para formular e implementar, com eficácia, políticas sólidas e sustentáveis e o respeito que deve pautar as interações económicas e sociais numa sociedade.
Ao se advogar os princípios de boa governança está-se, necessariamente, a indicar que todas as práticas de governança não são intrinsecamente boas, isto é, que pode existir má governança, tal como evidenciam os vários casos tornados públicos no passado recente em Portugal (casos BPN, BPP e BES, contrapartidas na aquisição de material militar, contratos das parcerias público-privadas que colocam todo o risco do negócio no lado do Estado, etc.). As práticas de má governação não são uma característica das sociedades atuais, sempre existiram, a questão é que na atualidade estes assuntos têm mais visibilidade, fruto do incremento do escrutínio civil sobre o exercício político e de administração pública e, em particular, das relações entre poder político e poder económico. A má governança é cada vez mais considerada como uma das causas de todo o mal das sociedades [4], daí que não seja de estranhar que as principais instituições de governação internacionais e as grandes estruturas de financiamento mundial estejam a basear a sua intervenção e apoios com a condição de que sejam implementadas reformas que garantam uma boa governança (exemplo: presença da Troika em Portugal e a exigência que fosse implementado os Princípios de Bom Governo no setor empresarial público).
O problema é que mesmo com a atuação dessas entidades, fica sempre a ideia, para a/o comum das/os cidadãs/ãos, que as políticas e demais medidas não privilegiam, primariamente, o interesse público e que existem sempre razões não reveladas que sustentam determinadas opções. A questão da transparência é um dos grandes desafios das sociedades atuais. A efetiva participação e envolvimento das/os cidadãs/os carece de informação clara e em volume suficiente, tal como a motivação para acreditar que a esfera política se orienta por valores éticos e pelo bem coletivo. Não se deve confundir transparência com burocratização, que é o que se tem verificado mais. Tem-se apostado na burocracia com o falso pretexto da transparência, mas na grande maioria dos casos apenas tem servido para reforçar o poder de controlo sobre a sociedade e o poder discricionário sobre quem acede às oportunidades disponibilizadas (sejam estas empregos, subsídios, direitos de exploração, autorizações de funcionamento, etc.). As entidades participantes na 1ª Conferência Mundial sobre Governança em 1999 (Manila Declaration on Governance) definiram como boa governança o “sistema que é transparente, verificável, justo, leal, democrático, participatório e responsivo face às necessidades das pessoas” [2].
As principais dimensões de governança que se podem associar a essa definição são: (i) Voz e Responsabilização – possibilidade de participação na seleção dos governos, bem como a liberdade de expressão, liberdade de associação e de comunicação livre; (ii) Estabilidade Política e Ausência de Violência – probabilidade dos governos serem derrubados por meios inconstitucionais ou violentos; (iii) Efetividade Governativa – qualidade e grau de independência dos serviços públicos, qualidade da formulação e implementação de políticas e a credibilidade de compromisso dos governos com as políticas assumidas; (iv) Qualidade Regulatória – capacidade governativa de formulação e implementação de legislação que promova o desenvolvimento e a regulação do setor privado; (v) Estado de Direito – grau em que os agentes sociais têm confiança e respeitam as regras da sociedade, e, em particular, a qualidade da execução de contratos, direitos de propriedade, forças policiais e tribunais, bem como a probabilidade de crime e violência; (vi) Controlo da Corrupção – extensão em que o poder público é exercido para ganhos privados, incluindo tanto as formas insignificantes e grandes de corrupção, bem como a “captura” do Estado pelas elites e pelos interesses privados [3].
A governança abre um novo espaço intelectual e de participação cívica. Fornece um conceito que permite que se discuta socialmente o papel do Estado em lidar com as questões públicas e a contribuição que outros agentes sociais podem desempenhar. Abre a mente para a possibilidade de diferentes grupos da sociedade assumirem um papel mais importante na resolução de problemas. Mas enquanto não existir empenho político e continuar a vir a público notícias que plasmam exemplos de má governança, ou que o Estado de direito está ameaçado porque se permite que vigorem orçamentos inconstitucionais em anos consecutivos, nunca vai passar de uma oportunidade desperdiçada. Será que se tem que fazer como o arquiteto, que muitas vezes tem que demolir tudo para construir. Será que também se tem de “mandar tudo a baixo” para que as reais características de uma boa governança possam emergir?; ou seja, que exista efetivamente em Portugal um exercício de governança da esfera pública participativo, orientado para o consenso, responsável (numa lógica de prestação de contas e de responsabilização), transparente, responsivo, eficaz e eficiente, equitativo e inclusivo e que cumpra a regra do direito.
Notas:
Este artigo realizou-se no âmbito de um projeto de Pós-Doutoramento com a referência – SFRH/BPD/85123/2012, cofinanciado pelo Fundo Social Europeu, através do Programa Operacional Potencial Humano, e por Fundos Nacionais, através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia.
[1] Kaufmann, D. & Kraay, A. (2008). Governance Indicators: Where Are We, Where Should We Be Going?. The World Bank Research Observer, vol. 23, no. 1 (Spring 2008), 1-30.
[2] Löffler, E. (2003). Governance and government. Networking with external stakholders. In T. Bovaird & E. Löffler (Ed.), Public Management and Governance. New York: Routledge. p.163-174.
[3] Kaufmann, D., Kraay, A. & Mastruzzi, M. (2008). Governance Matters VII: Aggregate and Individual Governance Indicators 1996-2007. Policy Research Working Paper 4654..
[4] United Nations – Economic and Social Commission for Asia and the Pacific (s/d). What is Good Governance?. Disponível em http://www.unescap.org/sites/default/files/good-governance.pdf.
.




