Corrupção e austeridade

Dimensão analítica: Direito, Justiça e Crime

Título do artigo: Corrupção e austeridade

Autor: Luís de Sousa

Filiação institucional: Universidade de Aveiro

E-mail: lmsousa@ua.pt

Palavras-chave: Crise, Austeridade, Corrupção.

A democracia portuguesa está a atravessar uma das suas piores crises dos últimos 40 anos. Embora não pareça estar em risco, a sua legitimidade tem sido seriamente questionada. Os níveis de satisfação com a democracia têm vindo a diminuir nos últimos anos. Actualmente, a insatisfação com a democracia ascende a 65% dos inquiridos, ou seja, 2/3 da população. Não sabemos até que ponto as democracias ditas consolidadas podem funcionar e subsistir com contínuos baixos níveis de apoio por parte dos cidadãos e em que medida esta insatisfação crónica com a democracia não poderá degenerar em preferências não-democráticas. De acordo com o World Values Survey de 1999-2002 [2], 81% dos portugueses consideraram a democracia como um sistema muito bom ou bom para governar o país. Hoje, apenas 56% acreditam que a democracia é preferível a qualquer outra forma de governo. Já a percentagem dos portugueses que favorecem soluções de governo autoritárias, em determinadas circunstâncias, cresceu de 9% em 1999 para 15% em 2010. A democracia portuguesa pode não estar na rota de desconsolidação, porque o apoio generalizado das elites políticas e económicas às instituições democráticas permanece coeso e inamovível, mas quanto tempo pode sobreviver uma democracia consolidada num contexto de contínua desvitalização do tecido social e de capitulação dos órgãos de soberania face à vontade dos governos de outros países ou à conjuntura económica internacional?

Esta perda de apoio da democracia portuguesa pode ser explicada através da combinação de dois factores: corrupção e austeridade. Por corrupção, entenda-se o desgoverno da coisa pública que tem por base a subversão do interesse público para benefício de interesses privados. Por austeridade, entenda-se um contexto de reequilíbrio fiscal caracterizado pela adopção de medidas de redução drástica da despesa pública, com incidência no funcionamento do aparelho do Estado e no financiamento das prestações sociais. Corrupção e austeridade são uma fórmula explosiva para qualquer regime político e estão no centro do crescente desencanto com a democracia portuguesa. De acordo com os dados do Barómetro da Qualidade da Democracia de 2011 [3], a perda de confiança nos políticos e no governo, a falta de eficácia da governação e a corrupção constituem os três principais defeitos da democracia. Seguem-se as desigualdades sociais.

A contínua exposição mediática de escândalos de corrupção envolvendo líderes políticos e altas figuras do sector financeiro, por um lado, e a perceptível ineficácia do combate à corrupção (a), por outro, têm um efeito devastador na legitimação das instâncias de poder.

Os resultados do último Eurobarómetro sobre Corrupção de 2011 [4] revelam que 97% dos inquiridos encara a corrupção como um problema grave do país (a média europeia é de 74%). Só a Grécia (com um resultado de 98%) tem uma percepção da corrupção mais elevada do que a nossa. Não certamente por acaso, os dois países no topo da tabela são os que estão no centro do furacão da crise das dívidas soberanas na Europa. Não é de suborno que estamos a falar, embora o pagamento de luvas não seja estranho aos políticos de negócios que capturam as áreas lucrativas do estado, mas daquela corrupção que se desenvolve de uma forma legal, continuada no tempo, através de redes clientelares e da colusão de interesses públicos e privados, e, muitas das vezes, com grande aceitação pelas populações. Despiciendo recordar que num inquérito realizado em 2006 [5], mais de metade dos portugueses aceitam a corrupção desde que praticada por uma causa justa (53%) e cerca de 2/3 (61%) admitiram tolerar o fenómeno desde que esse produza efeitos benéficos para a população em geral.

A corrupção legal é geradora de decisões de despesa pública sem mérito, sem planeamento, sem um efeito multiplicador na economia e sem respeitar os princípios de sustentabilidade e equidade inter-geracional. Por sua vez, a má despesa é geradora de imprevisibilidade fiscal, o que torna a economia pouco atractiva para o investimento privado de qualidade e durável, mina a confiança dos credores internacionais e agrava a qualidade de vida dos cidadãos, visto que a carga fiscal adicional não se traduz em ganhos efectivos nas prestações sociais.

Não é possível em tão breve exposição elencar o conjunto de medidas que deveriam ser implementadas para reduzir os riscos de corrupção e má gestão no nosso país. Noutra publicação tivemos a oportunidade de dissertar com maior detalhe estas questões. Como nota conclusiva, relembraria apenas algo que já se tornou um lugar comum: sem vontade política, nenhuma estratégia de combate à corrupção funcionará. Em democracia, os governos não são eleitos para gerir escândalos de venalidade dos seus membros. Governar é gerir escassez e complexidade social. Em períodos de crise, a corrupção constitui um factor adicional de tensão e de instabilidade governativa. Por conseguinte, os governos devem assumir uma posição de tolerância zero face à corrupção. Todo o tipo de situação que possa tingir a imagem de honestidade e rigor na política deve ser tratada incisivamente e sem hesitação. A lealdade não deve sobrepor-se à legalidade e probidade. A justiça deve cumprir o seu desiderato sem qualquer tipo de interferência ou pressão. A ausência de uma resposta política assertiva neste domínio tem consequências desastrosas para a democracia e o bom funcionamento do mercado (b).

Notas

(a)De acordo com o Barómetro Global da Corrupção, são cada vez mais os portugueses que consideram ineficaz a luta contra a corrupção por parte do governo, passando de 64% em 2007 para 75% em 2010.

(b) Não é por isso de estranhar que durante a última década, Portugal tenha decido 18 posições no Índice Global de Competitividade [6] (da 28ª posição em 2000 para a 51ª em 2013).

[1] Inquérito realizado pela SEDES, em Março de 2009.

[2] World Values Survey 1999-2002. Disponível em URL [Consult. 6 Março 2014]: <http://www.wvsevsdb.com/wvs/WVSData.jsp>.

[3] Barómetro da Qualidade da Democracia (2011), Lisboa, Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

[4] Eurobarómetro sobre corrupção (18 setembro 2011), Special Eurobarometer 374 – Corruption, conducted by TNS Opinion & Social at the request of Directorate-General Home Affairs.

[5] Inquérito de opinião, realizado pela METRIS GFK entre os dias 10 e 26 de Novembro de 2006, no âmbito do projecto Corrupção e Ética em Democracia: O Caso de Portugal (POCI/CPO/60031/2004), sob a coordenação de Luís de Sousa.

[6] O Índice Global de Competitividade para o ano de 2000, encontra-se publicado no World Economic Forum (2000) The Global Competitiveness Report 2000, NY/Oxford: OUP. Disponível em URL [Consult. 6 Março 2014]: <http://www.cid.harvard.edu/archive/res/gcr_2000_overview.pdf>. Para o ano de 2013, encontra-se publicado no World Economic Forum (2000), The Global Competitiveness Report 2013–2014, Geneva: WEF. Disponível em URL [Consult. 6 Março 2014]: <http://www.weforum.org/reports/global-competitiveness-report-2013-2014>.

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