A Certificação da Qualidade nas Organizações

Dimensão analítica: Mercado e Condições de Trabalho

Título do artigo: A Certificação da Qualidade nas Organizações

Autor: Luís António Ferreira Moreira

Filiação institucional: Gestor da Qualidade, Ambiente e Segurança

E-mail: lafmoreira@gmail.com

Palavras-chave: Práticas, certificação e gestão.

O presente artigo de opinião resulta de uma reflexão sobre a certificação dos Sistemas de Gestão da Qualidade (SGQ), baseada na minha experiência profissional em diversas organizações portuguesas [1].

A obtenção da certificação deveria ser um processo encarado pelos empresários e gestores como uma medida estruturante, capaz de apoiar nas tomadas de decisão, possibilitar uma gestão equilibrada e tornar eficazes as políticas definidas como estratégicas para o sucesso das organizações, incrementando eficácia e eficiência nas mesmas. Na realidade, aquilo que poderia ser uma poderosa ferramenta no aumento da produtividade e competitividade das organizações nacionais é encarado como um investimento num processo pesado e burocrático que permite a utilização de uma bandeira, a bandeira de uma qualquer organização com a certificação da qualidade. O SGQ deveria ser um meio para atingir um fim, a rentabilidade, e não um fim em si mesmo.

Para implementação e certificação de Sistemas de Gestão da Qualidade é necessário evidenciar a formalização e o registo de tarefas, atividades e/ou decisões, as quais solicitam práticas incorretas e/ou erróneas. Estas são utilizadas pelos mais diversos atores, desde o mais alto cargo diretivo, até ao simples operador, passando por auditores (internos e externos) e consultores. A necessidade de se ostentar a certificação, interfere com práticas e posições, afeta receios de perda de poder de privilégios, de poder de controlo sobre os processos, os quais acontecem por incapacidade de adaptação e inovação, limitação de investimento e por nem sempre executarem as tarefas conforme previsto e definido [2]. As organizações e os indivíduos não conseguem uma integração completa do seu comportamento através das relações entre os meios e os fins [3].

A gestão de topo e os gestores da qualidade revelam uma participação demissionária no que toca à execução de alguns procedimentos [2]. A necessidade de evidenciar que a gestão de topo revê o SGQ [4] e analisa informação respeitante às auditorias, cliente, processos e conformidade do produto, ações corretivas e preventivas, seguimento de ações de anteriores revisões, alterações que afetem o SGQ e recomendações para melhoria [4], faz com que os atores elaborem relatórios, carregados de gráficos, tabelas e/ou textos elaboradíssimos, mencionando todos os dados indicados na NP EN ISO 9001:2008, verdadeiros ou adulterados, com posterior existência, ou não, de reuniões para o efeito e emissão de um documento que referirá a melhoria do SGQ e dos seus processos, a melhoria do produto relacionada com os requisitos do cliente e a necessidade de recursos [4]. Com estas práticas fica evidenciado que a gestão de topo assegura que o SGQ se mantém apropriado, adequado e eficaz [4] e, assim, conserva a “Bandeira da Certificação”. Deste modo, todo o tempo despendido no processo de realização da “Revisão pela Gestão” é evidenciado mas, na prática, tem efeito material limitado ou nulo.

Os atores da qualidade contribuem limitadamente para a utilidade e credibilidade das auditorias. A formalização associada ao processo das auditorias favorece a lógica funcional do valor de utilização que as mesmas representam e o certificado apresenta uma lógica de valor de ostentação [5]. A necessidade de se realizarem auditorias internas para se determinar que o SGQ está conforme os requisitos normativos e outros definidos pela organização, assim como, está implementado e mantido com eficácia [4], faz com que as mesmas não passem do preenchimento de meros impressos para, assim, existirem os registos necessários. Outra forma de evidenciar registos, é pagar a um auditor externo para emitir um relatório como se tivesse executado uma auditoria interna, pois os procedimentos do Sistema de Gestão da Qualidade Ambiente e Segurança mencionam que, anualmente e antes da auditoria de terceira parte, o Sistema de Gestão (SG) deveria ser sujeito a uma auditoria interna realizada por auditor externo. Na verdade, o processo de certificação é eficaz e eficiente, pois é realizado com sucesso e com mínimo investimento organizacional, opção compatível com o maior valor simbólico e menor valor de uso do certificado da qualidade ou, melhor, do sistema da qualidade certificado. Congruente com esta opção, o investimento mínimo na regulação e na melhoria contínua do sistema revela aquela prioridade minimalista. As práticas associadas às auditorias não deverão contribuir para que sejam realizados comentários como este que a seguir se cita, pelo sócio de uma organização no final de uma auditoria interna: “Vêm estes auditores, a nosso pedido, realizar umas auditorias e são mais exigentes e complicam-nos mais a vida do que os auditores para nos darem a certificação”.

Se os modus operandi dos atores organizacionais visam práticas incorretas, para assim poderem obter e/ou manter a tão desejada certificação, também é verdade que pressões institucionais e pessoais, induzem a práticas não previstas nos formalizados SG. Assim, os custos para certificação, ou manutenção da mesma, suplicam informação errónea. Os atores e decisores das organizações (gestores de topo e gestores da qualidade), conhecendo as equações que regem o número de dias de auditoria e o número de auditores, adulteram informação (números de colaboradores, locais a auditar, …) aos organismos certificadores, para assim reduzirem os respetivos custos. Deste modo, é reduzido o número de locais possíveis de auditar, o número de colaboradores a entrevistar e a análise à repetibilidade dos processos nas organizações diminui. Assim, a auditoria de terceira parte não tem tempo e conhecimento teórico para abranger toda a organização, nem todo o SG, mas os atores e decisores das organizações ficam satisfeitos, pois aumentam a possibilidade de obter e/ou manter a tão desejada certificação. Por isso, os organismos certificadores e os auditores, conscientes desta e de outras realidades, apresentam em todos os relatórios de auditoria de terceira parte expressões semelhantes a esta: “A equipa auditora observa que a auditoria foi realizada de acordo com um processo de amostragem de processos, atividades, documentos, registos e colaboradores entrevistados, cabendo à organização a identificação e análise de situações paralelas ou associadas às constatações registadas neste relatório e o desenvolvimento de ações de melhoria adequadas”. Parece assim que a necessidade de se obter, ou manter a certificação, fomenta o cinismo organizacional.

Notas:

[1] Esta reflexão insere-se na minha dissertação para a obtenção do Grau de Mestre em Engenharia Mecânica – Especialização em Gestão Industrial, intitulada: “Gestão da Qualidade e Sustentabilidade das Organizações: o Lado Oculto da Realidade”, orientada por Ivo Domingues e Luís Fonseca, no Instituto Superior de Engenharia do Porto, e concluída em 2012.

[2] Domingues, Ivo (2003), Gestão de Qualidade nas Organizações Industriais: Procedimentos, Práticas e Paradoxos, Celta Editora.

[3] Simon, Herbert (1970), El Comportamiento Administrativo, Aguilar, Madrid, 2ª edição.

[4] NP EN ISO 9001:2008, Sistemas de Gestão da Qualidade. Requisitos, 3ª edição, Novembro de 2008.

[5] Baudrillard, Jean (1972), Pour une Critique de L’économie Politique du Signe, Paris, Gallimard, pp. 64.

 

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Uma Resposta a A Certificação da Qualidade nas Organizações

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