Das barreiras etárias à reforma de Peter Pan

Dimensão analítica: Família, Envelhecimento e Ciclos de Vida

Título do artigo: Das barreiras etárias à reforma de Peter Pan

Autor: Victor Terças Rodrigues

Filiação institucional: Demógrafo/Sociológo, CICS (Centro de Investigação em Ciências Sociais)

E-mail: vrodrigues@ics.uminho.pt

Palavras-chave: Envelhecimento, idadismo, Gerações.

Frequentemente, em Ciências Sociais, procura-se caracterizar populações através de múltiplos apanágios entendidos como varáveis sociodemográficas possivelmente identificáveis e relacionáveis. O sexo, o local de residência, o rendimento, a dimensão e composição do agregado familiar, por exemplo, são variáveis categorizadoras fundamentais. A idade é mais uma que deveria usar um plural para não afunilar um conceito demasiadamente (des)construído em bases calendarizadas (em Ciências Sociais e mais particularmente em Demografia, o calendário corresponde à idade em que se conhece um determinado fenómeno e é uma referência dinâmica que se altera em função de transformações societais). De forma rotineira, pensa-se que a idade se inicia com uma data de nascimento devidamente registada e documentada. A partir daí, julga-se que uma sucessão de medições cronológicas identifica esta variável socialmente classificadora. É claro que esta medida numérica corresponde a anos de vida contabilizados em aniversários (anos completos). Neste texto, pretende-se refletir sobre a noção de idade considerando várias dimensões e o seu uso em trabalhos científicos.

1-    A construção social da idade

A idade necessita de ser entendida de uma forma mais holística que a liberte do carcão numérico. Longe de pretender uma abordagem filosófica sobre esta variável imensuravelmente cristalizada, pretende-se avisar para certas conceções do que é envelhecer. A idade é, por além de um dado cronológico, uma realidade biológica. Comportamentos patogénicos associados a certas sociopatias, por exemplo, podem conferir a indivíduos com a mesma idade cronológica diferentes estados de saúde e deperecimento do organismo. Sendo assim, verifica-se de forma dominante a procura por parte de muitos de técnicas que permitem parecer etariamente mais jovem dada a leitura que os outros podem fazer de sinais corporais visíveis. Esta procura de um rejuvenescimento aparente resulta por vezes em embaraçosas perguntas (p. ex. “Que idade é que me dás?”) ou situações desestabilizadoras (p. ex. “O teu namorado é cota”). Pois, a ideia da juventude eterna exteriorizada, presente no complexo de Peter Pan, vai muito além da dimensão biológica.

A idade é uma construção, claramente, social. Criam-se categorias sociais para grupos etários e imperfeitamente definidos. Somos velhos cada vez mais tarde pela alteração dos calendários (saída da escola, entrada em união, primeiro emprego, nascimento dos filhos, reforma, etc). Tendo em conta o aumento dos anos de vidas sem incapacidades físicas também temos tendência a adiar a representação do que é ser velho [1].

Por exemplo, a nível europeu, os holandeses são os que consideram que a velhice começa mais tarde (70,4 anos), quando a média europeia é de 63,9. Os cipriotas acham que se deixa de ser jovem aos 50,8 anos quando a média europeia é de 41,8. No caso português, a juventude termina aos 36,8 anos e a velhice inicia-se aos 67,9 [2].

As alterações societais turvam outros conceitos como é o exemplo a adolescência. Os anglo-saxónicos congelaram esta noção numa aceção etária onde as idades em teen têm exclusividade. Socialmente, resumindo, corresponde a um período onde o indivíduo vivencia novas formas de socialização que o preparam para a vida adulta. Sendo assim, a adolescência deixa de ter significado etário. Basta pensar no conceito de Adulescents que a indústria cultural venera [3] ou até da geração ioió [4] para perceber que as balizas deste período estão socialmente condicionadas e não são somente uma questão de uma idade cronologicamente delimitada pelo mundo do trabalho.

Por estes e incontáveis outros motivos é que se deve tratar da questão da idade sem a limitar a barreirismos etários que correm o risco de estigmatizar legiões humanas.

2-    O velho é o outro

Em contextos onde a solidariedade está organicamente estruturada, os mais velhos parecem perder funções sociais e condenados a uma progressiva solidão[i]. Por exemplo, voltando à autopercepção etária da velhice, verifica-se que quanto mais velho se é mais se considera que a velhice surge mais tarde. Os europeus com 15-24 anos julgam se começa a ser velho aos 59,1 e os inquiridos com 55 e mais anos adiam essa percepção para os 67,1 anos. A mesma tendência se verifica na autopercepção do fim da juventude. [2] Abusivamente procura-se catalogar os indivíduos segundo fronteiras etárias que frequentemente resultam num idadismo estigmatizador e desatualizado.

No seio dos grupos séniores, é preciso analisar a variável idade cautelosamente. Em primeiro lugar, é um grupo heterogéneo com características sociodemográficas extremamente diversificadas.

Em segundo lugar, tradicional e exageradamente procura-se associar a variação de certos fenómenos à idade quando na realidade as diferenças se devem a diferenças geracionais. Basta imaginar um raciocínio ilógico como o seguinte para entender este discernimento: Será que os níveis de alfabetismo dos séniores variam conforme a idade? Vão perdendo capacidades com o envelhecer? Ou, na realidade, a observação não será o resultado do cruzamento de várias coortes com características sociais distintas devido a percursos biográficos conhecidos em períodos distintos. Inúmeras são as variáveis que parecem ser o resultado da variação da idade quando na realidade são determinadas por um efeito de geração. Importa, atualmente, pensar nas condições de vida dos séniores sabendo que os mais novos pertencem às gerações do Baby Boom que vivenciaram outras realidades. Tiveram melhores níveis de educação, melhor acompanhamento médico, melhor nutrição ou profissões terciarizadas e condicionantes, por exemplo, do estado de saúde.

3-    Considerações finais

As delimitações cronológicas usadas para criar a variável idade devem ser usadas e interpretadas cuidadosamente. Sendo o envelhecimento demográfico um indicador de desenvolvimento social e um objeto de estudo desafiador, convém evitar entender os percursos de vida rigidamente balizados e centrados na idade em que é supostamente ativo profissionalmente falando. As barreiras idadistas aparecem claramente obsoletas nos percursos dos diversos ciclos de vida por dificultarem uma leitura flexível da variável idade resultante de coortes com biografias profundamente distintas. É exemplo a categoria técnica do idoso que empurra para a reforma populações com capacidades funcionais e que se podem ainda considerar jovens.

Notas:

i (nota: corresponde a uma ideia dominante que não partilho e que seria sujeita equitativamente a opinião noutro contexto).

[1] Disability Adjusted Life Years (DALY)

URL:http://webworld.unesco.org/water/wwap/wwdr/indicators/pdf/F1_Disability_adjusted_life_year.pdf

[2] European commission (2012), Spécial Eurobarometer 378 – Active ageing. Fielwork: September – November 2011. Publication: January 2012. URL: http://ec.europa.eu/public_opinion/archives/ebs/ebs_378_en.pdf

[3] Tony Anatrella «Les« adulescents »», Études 7/2003 (Tome 399), p. 37-47.
URL : www.cairn.info/revue-etudes-2003-7-page-37.htm.

[4] Pais, José Machado (2001), Ganchos, tachos e biscates: jovens, trabalho e futuro, Porto: Ambar.


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