Dimensão analítica: Cultura e Artes
Título do artigo: Cinema low-cost: o digital e a Internet como recursos fílmicos
Autor: Pedro Alves
Filiação institucional: Investigador do CITCEM – Centro de Investigação Transdisciplinar Cultura, Espaço e Memória da Faculdade de Letras da Universidade do Porto
Bolseiro da F.C.T. em Doutoramento na Facultad de Ciencias de la Información da Universidad Complutense de Madrid
E-mail: pedrombalves@gmail.com | www.pedrobarbosaalves.com
Palavras-chave: cinema low-cost, digital, Internet.
A atualidade tem justificado com a crise e a nova hierarquia de valores um menor espaço para a cultura, enquadrando-a numa lógica mercantil e consumista generalizada. Esta postura incentiva a novas concepções dos “produtos” culturais, e o cinema, enquanto manifestação artística e reflexo social, deve hoje encontrar novas vias de sobrevivência aos constrangimentos que o enclausuram.
Ao longo da História do Cinema, vários foram os momentos e intervenientes que procuraram novas soluções estéticas, práticas, económicas ou culturais, bálsamos para a evolução e alargamento das possibilidades produtivas da sétima arte. Dos formalistas russos aos neorrealistas italianos, da Nouvelle Vague francesa ao Dogma 95 dinamarquês, o objetivo de instaurar novas formas e estilos de representação da realidade significou sempre um processo de adaptação a condicionalismos de diversa índole, facto que não lhe retirou vitalidade, mas que sobretudo alargou os padrões e horizontes da expressão fílmica [1].
Se esta História nos ensina algo, é a capacidade de, em momentos de crise, aventurar novos caminhos, soluções e possibilidades para manter a vitalidade e a importância da expressão cinematográfica. Nesse sentido, surge hoje a ideia e a possibilidade de um cinema com uma lógica low-cost (termo tão em voga para diversas tipologias de soluções quotidianas), entendida como forma de minimizar os custos de rodagem de um filme, caminhar no sentido de maior autonomia autoral e menor dependência de apoios ou financiamentos externos, bem como de uma maior facilidade de produção e divulgação através de suportes generalizados e disseminados, como é o caso do fenómeno digital e da Internet. Variados exemplos corroboram esta direção.
Desde finais dos anos 90 passou a recorrer-se a câmaras digitais como forma de filmar com maior autonomia financeira, logística e temporal – Os Idiotas (1997) de Lars Von Trier é um bom exemplo. Mais recentemente, e com o incremento do acesso a câmaras de vídeo, novas oportunidades de produção fílmica foram surgindo. O uso do telemóvel como meio de gravação cinematográfico é, hoje, o expoente máximo desta nova tendência, do qual filmes como Paranmanjang (2011) de Chan-kyong Park (realizador de Oldboy) ou Santiago Violenta (2013) de Ernesto Díaz Espinosa são bons exemplos [2]. Por outro lado, também a proliferação de ferramentas digitais de pós-produção (gratuitas ou de baixo custo e online) garantiu uma certa facilidade para editar as imagens gravadas, ainda que sempre dentro de uma lógica de simplicidade e de escape a formas de montagem ambiciosas e complexas.
Quanto à inevitável angariação de fundos, cada vez mais projetos recorrem a plataformas de financiamento colectivo (crowdfunding), procurando online contribuições financeiras (normalmente entre 5 euros e o valor máximo orçamental) que permitam a produção do filme. Apresentando o projeto numa página pessoal de uma das plataformas (Indiegogo, Kickstarter, etc.), solicitam-se participações financeiras indiscriminadas dentro de determinados períodos de tempo, propondo recompensas (desde créditos a material promocional) à medida de cada contribuição. A não-obtenção do orçamento solicitado no tempo estipulado significa a devolução do dinheiro disponibilizado pelos usuários. Entre vários casos de sucesso, destacamos o Óscar de melhor curta-metragem documental atribuído pela Academia de Hollywood em 2013 a “Inocente”, filme que angariou 52527 dólares (cerca de 40 mil euros) através da plataforma Kickstarter [3].
A Internet também permite a criação de projetos fílmicos conjuntos, donde advém a oportunidade de dividir a criatividade e a gravação fílmicas com outros participantes, estimulando resultados inovadores e menores responsabilidades e exigências financeiras individuais. Isso mesmo procurou Lars Von Trier, no âmbito do Festival de Arte de Copenhaga de 2012, ao propor um filme global – “Gesamt” – que o próprio concebeu, lançando na Internet a proposta de participação aberta a qualquer pessoa interessada, dentro de algumas regras de produção estipuladas pelo realizador. O resultado final, composto por uma seleção dos vídeos enviados de todo o mundo, foi editado pela realizadora Jenle Hallund [4].
A divulgação de projetos low-cost encontra numa grande quantidade contemporânea de festivais dedicados ao cinema e ao audiovisual (alguns deles já dedicados exclusivamente a filmes produzidos apenas com telemóvel) a possibilidade de divulgação e exibição de filmes digitais e de baixo custo, facto que lhes permite ganhar reputação e trilhar caminho pelos circuitos artísticos e sociais fílmicos. Um caso de relativo sucesso a nível nacional deste tipo de produção e divulgação de cinema low-cost foi conseguido pela New Light Pictures (produtora amadora portuguesa), que com a quantia de 27 euros (!) conseguiu produzir a curta-metragem “Comando”, premiada em quatro festivais nacionais e exibida em certames audiovisuais internacionais [5].
Por tudo isto, e ainda que a palavra de ordem não seja de resignação face às condições precárias da produção cinematográfica, não existem motivos para que realizadores ou aspirantes à realização fílmica não possam hoje concretizar projetos. A Internet e os suportes digitais permitem-lhe uma gama de recursos técnicos, estéticos e financeiros que prescindem de elevados orçamentos na consecução de um filme, ainda que condicionem naturalmente a ambição e a complexidade do mesmo. No entanto, e ainda que o valor artístico ou cinematográfico destes projetos possa ser objeto de crítica, questionamento ou problematização, a democratização da expressão fílmica através destas ferramentas low-cost conduzem a produção cinematográfica para novas discussões, novas estéticas e, sobretudo, não deixar o cinema eclipsar-se enquanto expressão e reflexão audiovisual sobre o mundo em que vivemos.
Notas
[1] Sobre a evolução do fenómeno digital aplicada à História do Cinema, ver ALVES, Pedro (2012). “Por la democratización del cine: una perspectiva histórica sobre el cine digital”. In Revista ICONO14 (online), 20 de Janeiro de 2012, Ano 10, Vol. 1, pp. 107-126. Disponível em URL (9 de Abril de 2013): http://www.icono14.net/ojs/index.php/icono14/article/view/139/86
[2] “La nueva moda de hacer cine con el celular”. In La Tercera, 26 de Novembro de 2011. Disponível em URL (9 de Abril de 2013): http://diario.latercera.com/2011/11/26/01/contenido/tendencias/26-91783-9-la-nueva-moda-de-hacer-cine-con-el-celular.shtml
[3] “Kickstarter: o primeiro Óscar para o ‘crowdfunding’”. In Público, P3, 25 de Fevereiro de 2013. Disponível em URL (9 de Abril de 2013): http://p3.publico.pt/cultura/filmes/6820/kickstarter-o-primeiro-oscar-para-o-crowdfunding
[4] Website do projeto (9 de Abril de 2013): http://www.gesamt.org/uk/
[5] “Curta-metragem que custou 27 euros acumula prémios”. In Boas Notícias , 9 de Novembro de 2011. Disponível em URL (9 de Abril de 2013): http://boasnoticias.clix.pt/noticias_Curta-metragem-que-custou-27-euros-acumula-pr%C3%A9mios_8757.html
Caro Pedro Alves,
Na minha opinição, o seu discurso, apesar de brilhante na sua constatação inofensiva de… factos, falha em chegar ao verdadeiro interesse da questão: em que medida é que estes artefactos verbalizados em low-cost e internet colocam o cinema numa perpectiva de crescimento/desenvolvimento? Não encontro essa resposta, nem insinuação no seu texto, pelo que o que aqui está escrito é no mínimo perigoso.
A criação artística, seja ela qual for, pressupõe a existência de profissionais, não no sentido técnico da palavra, mas sim no sentido de dedicação-investimento que qualquer área pressupõe. Proponho-lhe uma reflexão: um pescador usa um pau e fio do norte para pescar em alto mar; orgulhosamente, todos nós ficamos satisfeitos com o facto de se poder pescar uns peixitos com poucos recursos; ele entretanto, por sorte ou preserverança consegue pescar um peixe relativamente grande.
E agora? Vamos dar ênfase ao facto de ser possivel pescar com um pau e fio do norte, ou vamos tentar mostrar que há pescadores cheios de motivação por este mundo fora e que é fundamental criar plataformas diferentes das habituais para que eles possam fazer o que estão a tentar desenvolver, profissionalmente?
Eu da minha parte vou agora pôr um robalo na brasa, na esperança que o tipo que o pescou tenha uma vida justa em relação ao que me ofereceu.
um abraço.
Caro Ricardo,
Antes de mais agradeço o seu comentário ao artigo.
O Cinema, como qualquer área profissional, pressupõe ou deve pressupor uma lógica remunerativa adequada às funções exercidas por cada um dos seus trabalhadores. Isso é óbvio. A análise dos factos que descrevo inserem-se necessariamente nesse contexto: apresentar recursos (ferramentas) ao dispor dos profissionais da área para alargar possibilidades de financiamento e minimizar custos de rodagem. Não pressupõe esquecer nem apagar a justa e necessária remuneração dos cargos que compõem a produção de um filme.
Nesse sentido, existe neles um sentido de crescimento e desenvolvimento. Apresentam características de pré-produção, produção e pós-produção que podem facilitar o exercício das funções e a existência de melhores condições dentro da área fílmica. Não são soluções diretas para remunerar devidamente os profissionais que manejam ditas ferramentas, mas permitem minimizar gastos e chegar a verbas de proveniências alternativas que poderão significar maior facilidade na remuneração justa desses mesmos profissionais.
Assim, a criação de plataformas que sustentem profissionalmente este tipo de produção, tal como refere, começará sempre por um alerta para o potencial deste tipo de produção; esse é o propósito do artigo. Alertar para o pau e fio do norte não resolve o problema da falta de estruturas, mas promove um recurso a ser tido em conta pelos pescadores quando forem pescar, bem como por possíveis parceiros, plataformas ou estruturas que possam suportar essa sua atividade. É um primeiro passo necessário num caminho de reflexão e análise que vai mais além. Convido-o a participar nele.
Cumprimentos,
Pedro