Sobre as questões metodológicas dos estudos em torno do impacto da recomposição familiar nas crianças e nos jovens

Dimensão analítica: Família, Envelhecimento e Ciclos de Vida

Título do artigo: Sobre as questões metodológicas dos estudos em torno do impacto da recomposição familiar nas crianças e nos jovens

Autora: Cristina Cunha

Filiação institucional: Socióloga e investigadora (Instituto de Sociologia: Faculdade de Letras da Universidade do Porto)

E-mail: cristinacunha.m@gmail.com

Palavras-chave: metodologias, crianças e jovens, recomposição familiar.

Na revisão dos trabalhos em torno da temática da família recomposta, nomeadamente da adaptação dos seus membros às mudanças de relacionamento, dos papéis na organização e estrutura familiar, verificamos um movimento metodológico que passou de um carácter quantitativo descritivo, dominante na década de 1980, para uma hegemonia do caráter qualitativo das pesquisas (1). No entanto, a discussão em torno dos diferentes ângulos de análise sobre esta configuração familiar provocou debates que levaram os investigadores sociais e clínicos a optar por diferentes teorias ou quadros de referência para o desenvolvimento das suas análises assim como por diferentes métodos de abordagem.

Apesar das pesquisas clássicas se terem baseadas fundamentalmente na investigação quantitativa, muitos dos estudos permanecem genéricos e ancorados em comparações com a família tradicional nuclear ou com o primeiro casamento (2). O método quantitativo e o método qualitativo, embora sejam métodos de natureza diferenciada, complementam-se na compreensão da realidade social (3). Nalguns casos, a análise quantitativa possibilitou a identificação de jovens de famílias recompostas para um estudo qualitativo e, a partir de entrevistas, resultaram elementos adicionais face aos processos identificados através de análise quantitativa (4).

Inúmeras interrogações emergem dos estudos quantitativos e qualitativos acerca do impacto da recomposição familiar sobre as crianças e os jovens, quanto ao melhor método a adotar. Parece que os problemas metodológicos estão sobretudo relacionados com a ambiguidade das definições utilizadas, a identificação da população a estudar e a constituição de amostras (5).

Algumas das contradições encontradas resultam do facto de certas variáveis não serem consideradas em todos os estudos assim como a operacionalização dos conceitos ter sido feita de forma diferente (6). Por outro lado, a falta de medidas padronizadas na família recomposta limita a exploração do seu território o que leva a uma abordagem comparativa com a família nuclear (7). Outra observação apontada quanto à inconsistência dos resultados por diferentes investigadores provém do facto das amostras pertencerem a diferentes tipos de famílias recompostas (simples ou complexas) ou ainda da fase do ciclo familiar – lifecourse family – em que se encontram (8). Adicionalmente são mais os estudos efetuados junto de jovens a viver em famílias de padrastos do que em famílias de madrastas o que reforça a dificuldade de generalização dos resultados (9). O trabalho de campo, neste domínio, implica uma vigilância, reflexão e revisão constantes sobre os procedimentos de recolha de dados.

As metodologias no contexto das recomposições familiares têm vindo a adequar e a reajustar as técnicas de pesquisa em função das especificidades do objeto de estudo. Porque o mundo da recomposição familiar é formado por múltiplas realidades, encontramos nas pesquisas consultadas o recurso a diversas técnicas de investigação consoante o campo disciplinar, o paradigma seguido e os objetivos pretendidos. Perante a diversidade das investigações realizadas, deparamo-nos, por um lado, com a utilização de questionários baseados em escalas de atitudes validadas e, por outro, as que fazem recurso a entrevistas semi-estruturadas. A escola tem sido, por isso, o campo empírico na maioria das investigações. Outras instituições como os centros ou associações de apoio à família ou ainda os serviços de apoio à saúde mental funcionam como locais de recolha de dados.

O reconhecimento das limitações das abordagens puramente quantitativas conduziu ao emergir dos modelos qualitativos e a debates sobre os contributos de cada um deles. Aliás, as pesquisas de carácter qualitativo tornam-se importantes para se analisar com maior profundidade as dimensões das tendências e padrões apontados por alguns dos estudos longitudinais. Apesar de os estudos longitudinais se apresentarem em menor número, constituem fontes importantes para a necessidade de se analisar os efeitos da recomposição familiar a médio e longo prazo envolvendo todos os membros e os seus papéis (10).

A abordagem qualitativa mostra-se bastante apropriada aos estudos sobre a vivência dos membros que compõem a família recomposta, pois permite a apreensão do caráter multidimensional da recomposição familiar, assim como captar os diferentes significados de experiências passadas, presentes e futuras.

A crescente popularidade das metodologias qualitativas permitiu não só conhecer mais e melhor o funcionamento das dinâmicas familiares recompostas, como uma variabilidade das temáticas para que seja possível avaliar de forma mais completa o impacto deste tipo de família.

Notas

[1] Ganong, L.  e Coleman, M. (2004), Stepfamily Relationships Development, Dynamics and Interventions, New York. Kluwer Academic/Plenum Publishers.

[2] Ihinger-Tallman, M. e Pasley, K. (1997), “Stepfamilies in 1984 and Today: a scholarly perspective”, in I. Levin e M. B. Susseman, (eds), Stepfamilies: History, Research and Policy, New York, The Haworth Press, Inc., pp. 19-40.

[3] Fernandes, A. T. (1998), “Alguns desafios Teórico-Metodológicos”, in A. Esteves e José Azevedo (Eds.), Metodologias qualitativas para as Ciências Sociais, Porto, IS – Instituto de Sociologia, Faculdade de Letras, Universidade do Porto, pp. 9- 27.

[4] Acock, A. (1999), “Quantitative Methodology for Studing Families”, Handbook of Marriage and the Family, New York, Plenum Press, pp. 263-289.

[5] Ganong, L. e Coleman, M. (1984), “The Effects of Remarriage on Children: a review of the empirical literature”, Family Relations, 33, pp.389-406.

[6] Saint-Jacques, M.C. e Lépine, R. (2009), “Le style parental des beaux-pères dans les familles recomposes”, Canadian Journal of Behavioural Science/Revue Canadienne des Sciences du Comportement, 41 (1), pp. 22-30.

[7] Gamache, S. J. (1997), “Confronting nuclear family bias in stepfamily research” in I. Levin e M. B. Sussman (eds), Stepfamilies: History, Research, and Policy, New York, Yhe Haworth Press, Inc., pp. 41-69.

[8] Papernow, P. (2009), Becoming a Stepfamily: Patterns of Development in Remarried Families, New York, Routledge.

[9] Cadolle, S. (2000), Être Parent, être-Beau Parent: La Recomposition de la Famille, Paris, Éditions Odile Jacob.

[10] Saint-Jacques, M.-C., Gherghel, A., Drapeau, S., Gagné, M.-H., Parent, C., Robitaille, C. e Godbout, E. (2009), “La diversité des trajectoires de recomposition familiale”, Politiques sociales et familiales, 96, pp.27-40.

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