A dimensão cultural da avaliação da política pública do Ordenamento do Território

Dimensão analítica: Ambiente, Espaço e Território

Título do artigo: A dimensão cultural da avaliação da política pública do Ordenamento do Território

Autor: João Morais Mourato

Filiação institucional: Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa

E-mail: joao.mourato@ics.ul.pt

Palavras-chave: avaliação, políticas públicas, ordenamento do território

A evolução das políticas públicas em Portugal encontra-se sob forte pressão reformadora. Não é novo o debate sobre a redefinição e redimensionamento da administração pública – organização, recursos humanos e instrumentos – à luz do paradigma menos mas melhor Estado. Contudo, o actual contexto de volatilidade socioeconómica reforça a urgência dessa redefinição e coloca, simultaneamente um novo conjunto de constrangimentos. Estes são, sobretudo, de natureza financeira, resultado da restrição orçamental que condicionará a despesa pública provavelmente até ao final da presente década.

Mas não só. Outros factores condicionam a mudança aqui discutida. De facto, da crescente descredibilização social da capacidade de o Estado assegurar a sustentabilidade da gestão da coisa pública resultam novas pressões. Estas incidem ao nível da decisão política mas também da capacidade de adaptação e aprendizagem das instituições e de exequibilidade das soluções de governança multinível que apoiam a implementação das políticas públicas. É este contexto adverso que reforça a importância dos processos de avaliação de políticas públicas, tantas vezes politicamente subalternizados.

Não exploramos aqui o propósito, constituição e execução da avaliação de políticas públicas. Refira-se, contudo, que é possível sistematizar a quase totalidade dos debates existentes sobre este domínio em torno de cinco questões-chave: (i) porquê avaliar? (ii) o que avaliar? (iii) como avaliar? (iv) quem avalia? e (v) o que fazer com os resultados da avaliação? Este texto incide sobre a última questão. Não numa perspectiva técnica, i.e. a forma como os resultados de um exercício de avaliação podem ser utilizados na redefinição de uma política pública, mas política, i.e. do uso, ou não, da avaliação enquanto instrumento de validação e legitimação de uma política pública. Recorremos ao caso do ordenamento do território para ilustrar o argumento apresentado.

O ordenamento do território é, em Portugal, uma política pública fraca [1], reflexo do seu reduzido peso político e reconhecimento social. Condicionado pela interferência de áreas de política pública fortes, autonomiza-se formalmente em 1998 com a aprovação da sua Lei de Bases [2]. O desenvolvimento da avaliação da política do ordenamento do território espelha largamente este processo de emancipação [Figura 1].

Figura 1 – Genealogia da avaliação da política de ordenamento do território em Portugal [3]

A evolução da avaliação em ordenamento do território em Portugal resulta de dois tipos principais de factores:

(i)        Contextuais: peso das influências acima referidas [Figura 1]; processo tardio de emancipação política; e o facto de o ordenamento do território ser um bastião de soberania nacional e não uma competência formal da União Europeia, justificando a inexistência de imposições legais ou regulamentares para os Estados Membros, nomeadamente ao nível da avaliação de políticas públicas.

(ii)      Específicos: défice de processos de aprendizagem e capacitação institucional associados à praxis da avaliação, reconfiguração dos paradigmas de avaliação e de ordenamento do território.

Em suma, a evolução do conceito de avaliação em ordenamento do território evoluiu de uma análise de conformidade técnica e legal para a inclusão da prevenção de impactes, a análise de dinâmicas e tendências territoriais e, mais recentemente, de processos e práticas de ordenamento do território.

Esta sistematização espelha a evolução discursiva da avaliação em ordenamento do território. A sua praxis é uma realidade bem distinta.

A Lei de Bases [2] antevê a produção de Relatórios sobre o Estado do Ordenamento do Território (REOT) ao nível nacional, regional e municipal. Exploremos, a título de exemplo, estes últimos. De periodicidade bienal e sujeitos a aprovação pelas Assembleias Municipais, a sua missão é efectuar “o balanço da execução dos instrumentos de gestão territorial (…) bem como dos níveis de coordenação interna e externa obtidos, fundamentando uma eventual revisão”.

Contudo, mais de uma década volvida após a sua entrada em vigor, menos de 10% dos 308 Municípios em Portugal elaboraram um REOT e, desses, nenhum produziu uma segunda edição.

(i)             Como interpretar tal cenário à luz da obrigatoriedade legal deste exercício de avaliação? Como justificar que tamanho incumprimento face à Lei não tenha gerado quaisquer consequências?

(ii)           Como entender o desinteresse por parte dos Municípios pelo que é um exercício de soberania e reafirmação de autonomia sobre um território à luz da reivindicação que o poder local faz, há décadas, por uma maior descentralização e subsequente autonomia administrativa?

(iii)          Como explicar o desaproveitamento dos REOT, instrumentos de criação e actualização de informação sobre um território, face ao substancial atraso da maioria das autarquias nos processos de revisão dos seus Planos Directores Municipais?

Existem múltiplas respostas não mutuamente exclusivas: falta de clarificação do que é um REOT – que não se reduz ao relatório de execução do PDM – ou de capacidade técnica para o executar e contextos políticos adversos. Exploremos este último ponto, através da discussão sumária dos prós e contras políticos de um REOT.

Poderá o decisor municipal entender como negativa a exposição pública de informação sobre temas sensíveis, como a quantificação, tipificação e alteração dos usos do solo do seu município, centrais nas suspeitas de corrupção na administração local. O REOT será assim reforço da transparência da administração municipal e, através da sua aprovação pelas Assembleias Municipais, da legitimidade do processo de intervenção no território, ao vincular os representantes democraticamente eleitos dos cidadãos abrangidos pela política pública do ordenamento do território. A escassez de REOT pode ilustrar a dissociação prevalecente entre a intervenção no território e a responsabilização política pelos seus resultados, pois inerente aos processos de avaliação em políticas públicas está a avaliação pública dos políticos que viabilizam a sua implementação.

O que está em causa é, acima de tudo, uma mudança de cultura institucional e política relativamente à avaliação. A promoção e gestão desta mudança será decisiva para assegurar a validade e valorização social da política pública do ordenamento do território.

Notas

[1] Ferrão, J. (2011), O Ordenamento do Território como Política Pública, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

[2] Lei n.º 48/98, de 11 de Agosto.

[3] Ferrão, J. e Mourato, J. (2010), A avaliação de políticas públicas como factor de aprendizagem, inovação institucional e cidadania, Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, V. 12, 1, São Paulo: ANPUR, pp. 9-28.

 

 

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