Dimensão analítica: Familia, Envelhecimento e Ciclos de Vida
Título do artigo: No land for old men? Sobre os espaços e as circunstâncias genderizadas dos homens mais velhos
Autor: Oscar Ribeiro
Filiação institucional: Universidade de Aveiro
E-mail: oribeiro@ua.pt
Palavras-chave: Homens, idosos, masculinidades
Entendidos frequentemente sob a égide pouco diferenciadora da categoria “idosos”, dos homens e mulheres mais velhos espera-se, não raras vezes, um esbatimento das suas diferenças à medida que envelhecem e uma aproximação das características de feminilidade e masculinidade. Se tal se verifica “naturalmente”, ou se traduz adaptações mais ou menos positivas aos desafios e contingências do envelhecer, têm sido duas das questões que mais reflexões têm guiado a literatura científica sobre o género e sobre as diferenças entre homens e mulheres na população idosa [1]. No entanto, os homens e o exercício da sua masculinidade, devido à sua escassez numérica entre o grupo dos mais velhos, à reiterada menor vulnerabilidade social quando comparados às mulheres idosas e à alegada desmasculinização, permanecem ainda sob a égide de uma relativa invisibilidade quer nos estudos de género, quer na gerontologia, os quais denunciam um interesse reduzido naquele grupo como objecto de estudo.
Com efeito, os discursos actuais sobre o envelhecimento, além de se revelarem profundamente “feminizados” e de tardarem em reconhecer as questões do género performativo como um marco estruturante e potencialmente diferenciador das oportunidades de vida junto da população idosa, têm delegado para planos secundários questões tão centrais como o envelhecer masculino em espaços e serviços profundamente genderizados, como sejam alguns territórios de saúde ou dos equipamentos de apoio social [2]. Remetendo-nos particularmente a estes últimos, sobretudo aos lares que são muitas vezes apelidados directamente de “mundos femininos” pelo ecoar intrínseco de realidades tradicionalmente inscritas no universo das mulheres e que resultam da saliência numérica de profissionais do sexo feminino a providenciar cuidados e da composição maioritariamente feminina dos seus utentes [3], reflexões recentes têm dado conta da importância de considerar os mecanismos de adaptação, pertença e vivência nesses espaços.
Assim, os homens idosos institucionalizados, frequentemente no suceder de processos de luto marital, vêem muitas vezes exacerbados sentimentos de solidão, os quais poderão decorrer de um reduzido envolvimento em actividades que são orientadas predominantemente para as mulheres residentes, de uma ausência de congéneres e funcionários homens e/ou, sobretudo, de uma perda de autonomia e controlo (inscritas numa matriz referencial de masculinidade) sobre um conjunto de rotinas diárias. A este propósito, um estudo americano centrado especificamente nos factores psicossociais que se estima deterem um papel fundamental no modo como os homens idosos se percepcionam enquanto homens em residências geriátricas destaca a importância central da autonomia, da execução de actividades e da privacidade, independentemente do reconhecimento de condições pessoais de dependência física e de fragilidade [4]. Os autores verificaram que no entendimento que o grupo de idosos estudado fazia de si existia uma dinâmica discursiva recorrente que reflectia vários esforços para manter, a todo o custo, uma identidade masculina. Já uma equipa de investigadores do Reino Unido, num estudo publicado recentemente centrado nas questões de isolamento social e suas consequências negativas em idosos institucionalizados, dão conta da importância de “gentlemen’s clubs” na promoção do envolvimento social e bem-estar psicológico dos homens idosos, enfatizando a dimensão genderizada daqueles contextos e a perigosa sub-representação masculina nos mesmos [5].
Os espaços e serviços de saúde, bem como os serviços sociais e comunitários nos quais se alicerçam grande parte do apoio à população idosa, reflectem presentemente a realidade numérica do fenómeno de envelhecimento feminino e do número de mulheres entre os profissionais que dele se ocupa. Os homens, sendo uma minoria em cada um dos lados dessa equação, poderão ter dificuldades em adequar-se a um contexto, linguagem ou ambiente que não reconhecem como seu e/ou que não apoia a sua masculinidade. Actualmente, os contributos de domínios clássicos como a Sociologia e a Psicologia Social são indiscutivelmente proficientes no que concerne à descrição do modo como os indivíduos adquirem e executam determinados papéis de género, familiares, ocupacionais e de saúde, ao longo das suas vidas. Porém, tais descrições têm-se mantido ainda um pouco à margem das últimas fases do processo desenvolvimental, já que apenas nas últimas décadas, resultado de múltiplas alterações sociais, é que várias investigações têm vindo a sugerir que a estruturação da vida do adulto idoso não se encontra tão clara e tão definida como em alturas de vida precedentes, designadamente a nível sócio-ocupacional e familiar [6], e que os comportamentos de saúde nos homens idosos são dotados de mais complexidade do que anteriormente estimado.
Afigurando-se progressivamente evidente que homens e mulheres envelhecem de modo e em circunstâncias diferentes, o género, ao ser continuamente (re)construído e assumindo-se contingentemente histórico, indissocia-se não só da diversidade de acontecimentos de vida de cada pessoa e de cada coorte em particular, como também da variabilidade de expectativas e circunstâncias psicossociais que acompanham a sua performance à medida que se envelhece. Nesse sentido, em territórios marcados pela potencial adversidade de uma subrepresentação masculina que torna os homens mais velhos “outsiders”, impõe-se o reconhecimento da importância das especificidades que caracterizam essa vivência e o modo como o signo identitário “idoso” e “homem” é gerido no plano identitário e performativo. Um seu não reconhecimento incorre num potencial compromisso do bem-estar social e mental desta população.
Notas
[1] Hatch, L.R. (2000). Beyond gender differences: adaptation to aging in life course perspective. New York: Baywood Publishing.
[2] Ribeiro, O. (2010), Masculinidade, saúde e envelhecimento: reflexões sociais numa perspectiva de género, In M.N. Strey, C. Nogueira & M.R. Azambuja (Eds.) – Género e saúde: diálogos luso-brasileiros, Porto Alegre: EDIPUCRS, pp. 303-324.
[3] Koff, T. (1997). The institutionalization of elderly men, In J. Kosberg & L. Kaye (Eds.), Elderly men: special problems and professional challenges, New York: Springer, pp. 279-293.
[4] Moss, S. & Moss, M. (2007). Being a man in long term care, Journal of Aging Studies, 21, pp.43-54.
[5] Gleibs, I.H. et al (2011), No country for old men? The role of a “Gentlemen’s Club” in promoting social engagement and psychological well-being in residential care, Aging & Mental Health, 15(4), pp. 456–466.
[6] Ribeiro, O. (2009), Elderly men on ageing families, In L. Sousa (Ed.). – Families in later life: emerging themes and challenges, New York: Nova Science Publishers, pp. 97-116.






