Desporto: em nome da Excelência

Dimensão analítica: Desporto

Título do artigo: Desporto: em nome da Excelência [1]

Autor: Rui Proença Garcia

Filiação institucional: Faculdade de Desporto da Universidade do Porto

E-mail: rgarcia@fade.up.pt

Palavras-chave: Desporto, Excelência, José Mourinho, areté

Para muitos, a palavra excelência é um vocativo utilizado quando nos dirigimos a alguém num tom mais formal. Não faz propriamente parte do nosso vocabulário quotidiano, ficando reservado para alguns momentos fora do tempo ordinário das nossas vidas.

Mas a excelência tem um outro significado para além da majestática figura a quem nos dirigimos. Encerra um profundo significado axiológico – logo pedagógico – que importa acentuar nas actividades humanas, particularmente no desporto.

O desporto, enquanto acto humano carregado de cultura, assume-se como um local de excelência: procura-se ser excelente, busca-se a virtude, transforma-se o exemplo de Sísifo num modo de vida. O desporto proporciona vivências de superação, expressando o superior valor da areté.

O recente prémio de melhor treinador do mundo atribuído a José Mourinho cai como uma luva para se reflectir sobre a excelência.

A mediocridade impera em Portugal. Infelizmente não é um fenómeno endémico mas uma evidência global. As denúncias são muitas sobre a constante degradação dos valores humanos nas sociedades contemporâneas.

O desporto é um campo onde dificilmente os medíocres singram. É evidente que me refiro aos principais actores da prática desportiva, jogadores/atletas e treinadores. Não me pronuncio sobre dirigentes, jornalistas e outros agentes desportivos.

Um jogador pode enganar alguém durante algum tempo. Depois a verdade evidenciar-se-á naturalmente. Um treinador pode ser campeão uma vez. Se não tiver qualidade esse seu êxito esfumar-se-á rapidamente.

A excelência, isto é a qualidade de quem é excelente, não é um objectivo final mas um percurso sem fim. José Mourinho há muito que percorre esse caminho. Não o conheço pessoalmente, pelo que o meu conhecimento é mediado pela comunicação social com as consequências daí decorrentes.

José Mourinho tem de ser um excelente profissional. Tenho a certeza que tudo aquilo que faz é devidamente pensado. Nada será feito em cima do joelho e nada será realizado sem ter uma completa informação para sustentar as suas opções.

O desporto exige uma ética centrada no esforço. Ninguém atinge a vitória sem trabalho, sem suor e, muitas vezes, sem lágrimas. A excelência é filha destas três condições. Não há lugar ao facilitismo nem ao acaso. Como já referi, o êxito momentâneo poderá acontecer como expressão do acaso. Porém, a sua repetição já não pode ser atribuída apenas à sorte momentânea. José Mourinho expressa esse “algo mais”. Implica ter profundos conhecimentos sobre a sua arte. Implica ter um objectivo realista e coerente com o potencial da equipa. Implica um estudo sistemático da sua “mão-de-obra” e dos adversários. Implica saber até onde cada elemento da equipa pode ir. Implica conhecer profundamente o contexto de actuação. Implica conhecer as implicações que uma momentânea derrota tem sobre os elementos do grupo. Implica ler a todo o momento o acontecimento e o contexto, alterando ou não de imediato o desenrolar dos acontecimentos.

É óbvio que apenas escrevi banalidades, que todo o mundo conhece, diz e, supostamente, faz. Contudo, há aqueles que o fazem sempre bem, e há aqueles que só o fazem às vezes e nem sempre correctamente. Os primeiros são os excelentes. Procuram sem parar o êxito, não se deixando abater à primeira contrariedade, lutando até alcançar o objectivo, não colocando o ónus no “outro”, aceitando a responsabilidade do fracasso.

Mas isto não se passa em exclusivo no desporto. Passa-se a todos os níveis. José Saramago, gostemos ou não dos seus escritos, buscava a excelência. Marisa, apreciemos ou não fado, procura a excelência.

Numa sociedade medíocre a excelência não tem lugar. Apenas têm lugar a inveja, a intriga, a vil e torpe insinuação, o insulto pessoal, o ódio, a mesquinhez. O reconhecimento do outro não ocupa um lugar de relevo no seio da mediocridade.

Ser o melhor não pode ser entendido como uma ambição desmedida. José Mourinho não partiu do óptimo. Construiu-se no dia-a-dia até atingir o patamar da excelência, mas se neste momento deixar de investir nas tarefas que o guindaram ao êxito, rapidamente será ultrapassado por muitos outros. Sem o esforço constante, sem a perseverança, não há êxito para lá do acaso.

A excelência não se compadece com os caprichos do acaso. Não depende apenas de circunstâncias fúteis. É fruto de um plano bem elaborado, assente em razões válidas e orientado para o futuro. Não podemos ficar continuamente à espera de um qualquer D. Sebastião que, vindo do nada, vai iluminar a nossa vida. Não! Esses seres providenciais, pessoas ou instituições, há muito que nos deixaram, restando a nossa capacidade para rumarmos à excelência. José Mourinho não esperou pela inspiração mística para trilhar o seu caminho. Edificou-o à medida que o percorria até atingir o actual estágio: ser o melhor do mundo.

Quando vemos estatísticas sobre Portugal raramente ficamos orgulhosos. Mas o povo cujo país se encontra na mó de baixo em tantos indicadores é o mesmo que produziu pessoas excelentes em muitas áreas, particularmente no desporto. Estamos a falar de José Mourinho, mas também temos Cristiano Ronaldo, Telma Monteiro no Judo, Vanessa Fernandes no Triatlo, Naide Gomes e Nelson Évora no Atletismo. Em Portugal a excelência é possível.

A auto-estima é importante para afirmar a excelência. José Mourinho possui essa característica. Há quem lhe chame arrogante. Podemos não partilhar as estratégias comunicacionais desenvolvidas pelo treinador, mas funcionam. Quando atrai para si o foco da comunicação social, liberta os jogadores de uma pressão para a qual podem não estar preparados. Ele está preparado para esses embates, por vezes sórdidos.

Uma última reflexão: José Mourinho não tem vergonha de ser português. Passamos por uma crise que só tem paralelo com aquilo que ocorreu no final do século XVI até meados de século XVII. A nossa independência está seriamente ameaçada. Obviamente que não está em causa a independência física do país, mas uma outra mais subtil, a económica. Pelos vistos, Portugal anda a vender a sua dívida, baptizada de soberana, por todo o lado. Portugal raramente é referido nas televisões estrangeiras por boas razões, e de repente aparece alguém numa cerimónia vista em todo o mundo, a declarar que vai falar português e que sente muito orgulho por ser de Portugal.

Podemos não apreciar futebol. Podemos não partilhar estilos de ser e de comunicar de José Mourinho. Podemos não admirar as suas características pessoais. Podemos não gostar das suas constantes provocações. Todavia uma coisa é certa: foi considerado o melhor treinador do mundo e afirmou o orgulho de ser português.

Excelente!

Notas

[1] Baseado no artigo “Em busca da excelência” publicado no Suplemento Cultural do Semanário Povo de Fafe, em 28 de Janeiro de 2010.

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