Um tempo circunscrito? Aceleração e urgência em organizações start-up (I)

Dimensão analítica: Economia, Trabalho e Governação Pública

Título do artigo: Um tempo circunscrito? Aceleração e urgência em organizações start-up (I)

Autor: João Vasco Coelho

Filiação institucional: CIES/ISCTE-IUL

E-mail: vasco.jcoelho@gmail.com

Palavras-chave: Start-up, Inovação, Empreendedorismo, Tempo.

Desde 2016, com a criação da Estratégia Nacional para o Empreendedorismo – Startup Portugal, tem vindo a observar-se em Portugal uma atenção continuada de sucessivos elencos governativos à valorização do empreendedorismo e da acção empreendedora como instrumentos de estímulo da reconfiguração do perfil da economia nacional [1]. Neste intervalo temporal, como ilustrado por dados do World Bank Enterprise Survey [2], registou-se uma evolução gradual da criação de empresas em Portugal, com destaque para o crescimento do número de pequenas e médias empresas (PME), com forte incidência nos sectores do comércio, turismo e tecnologias de informação.

Em 2023, o rácio de densidade de criação de empresas em Portugal era de 6.95 (novas empresas) por cada mil adultos, um acréscimo de 40% em relação ao registado em 2016 (World Bank, 2024). Trata-se de um índice superior ao observado em países como Espanha (3.11), Itália (2.85) ou Grécia (2.10), semelhante ao observado em igual período em países como a Dinamarca (7.30), a Bélgica (6.34), a Finlândia (6.11) ou a Irlanda (6.34), e inferior ao observado na Estónia, cujo desempenho no indicador considerado (24) tem vindo a ser enaltecido, em particular devido ao impacto duradouro de políticas públicas de apoio ao empreendedorismo nascente de base tecnológica (e.g., programa e-Residence) [2].

Em termos de ciclo de vida das novas empresas criadas desde 2016, importa assinalar uma dimensão de vulnerabilidade, que se associa a atributos estruturais, de natureza económica, social e cultural, e ao impacto concreto do período pandémico, expresso em debilidades de desempenho de empresa, fragilidades de tesouraria e dificuldade de acesso a mecanismos de recuperação eficazes. A vulnerabilidade foi mais acentuada nas empresas mais jovens, com menos de seis anos de actividade, com taxas de encerramento anuais em torno dos 6 a 7% – um indicador inferior, ainda assim, ao observado noutros países do sul da Europa [3].

O empreendedorismo não se define ou decorre apenas da oportunidade e variáveis económicas, associando-se, de igual modo, a horizontes de possibilidade social, no que diz respeito ao quadro de normas que moldam o que é considerado como possível e legítimo, num dado espaço de relações socioeconómicas. Num estudo recente de Assenova e Amit [4], a magnitude de aplicação das normas sociais explicou 56% da variação observada nas taxas de criação de novas empresas, numa amostra de 156 países. Como ilustrado por este mesmo estudo, o efeito das normas sociais na intenção empreendedora é particularmente condicionado pelo contexto cultural. Em culturas mais flexíveis, onde há maior tolerância à diversidade de comportamentos e menor rigidez normativa, os indivíduos podem sentir-se mais encorajados a empreender, mesmo em contextos de incerteza. Já em culturas mais rígidas, a conformidade social, e o receio ou a desqualificação do desvio de normas dominantes ou estabelecidas e a aproximação correlativa de universos tidos como mais incertos ou ambíguos, podem inibir a iniciativa empreendedora [4]. No caso português, este condicionamento poderá afigurar-se particularmente relevante, tendo em conta a saliência de atributos culturais como a orientação para o curto prazo e o baixo individualismo, e estruturas sociais marcadas por uma elevada distância do poder que enfatiza a conformidade, o respeito pela autoridade e a deferência na relação com papéis hierárquicos [5].

No referente à intersecção com atributos de natureza cultural, a relação do empreendedorismo com a experiência do tempo, o sentido de urgência e de agência, é particularmente significativa. Assim perspectivada, a acção empreendedora pode ser compreendida como uma prática de fazer presente, de criação ou recriação de um horizonte de temporalidade e possibilidade socioeconómica, de tornar real uma possibilidade que até então não existia [6]. No contexto português, onde o sujeito empreendedor tende a enfrentar ciclos de vida empresariais curtos e taxas de encerramento significativas, importará dar destaque às formas de relação com o tempo. Tratar-se-á de um exercício premente perante a exuberância dos relatos de sucesso, a conceptualização frouxa do que é (e não é) a acção empreendedora ou uma organização start-up, circunstância correlativa do louvor dos seus méritos como um facto tido por consumado – um discurso de pendor laudatório que tende a subestimar e a ocultar, no nosso entender, desafios específicos existentes no plano institucional, sociocultural, organizacional e individual.

Importará falar e pensar sobre a circunscrição do tempo na acção empreendedora [7], passível de ser operada à luz de diferentes éticas teleológicas [8], eventualmente contrastantes com a visão tradicional, maximalista, do empreendedor como alguém movido por objetivos económicos previamente definidos, cunhando, ao invés, visões mais relacionais do empreendedorismo [6]. Reconhecer e fazer reconhecer a especificidade deste contexto cultural poderá contribuir para o desenho de políticas públicas mais sensíveis à realidade de facto da acção empreendedora, que promova não apenas a criação de empresas, mas também o reconhecimento da sua capacidade de gerar um (outro) sentido de autonomia e agência individual, e de contribuir para a construção de trajetórias profissionais diversas, não-lineares, significativas.

Notas

[1] Wang, W., Guedes, M. (2025), Firm failure prediction for small and medium-sized enterprises and new ventures, Review of Managerial Science, 19, 1949–1982. https://doi.org/10.1007/s11846-024-00742-4

[2] World Bank (2024), Subnational business ready in the European Union 2024: Portugal. Washington, DC: World Bank.

[3] OECD (2023), OECD SME and Entrepreneurship Outlook 2023. OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/342b8564-en.

[4] Assenova, V., & Amit, R. (2024), Why are some nations more entrepreneurial than others? Investigating the link between cultural tightness–looseness and rates of new firm formation, Strategic Entrepreneurship Journal, 19. 3-28. 10.1002/sej.1520.

[5] Barrero, J., Delgado-García, Héctor Pérez-Fernández, H. (2024), Training entrepreneurs in culturally diverse countries. Influence of social norms on entrepreneurial intention, The International Journal of Management Education, 22, 3, https://doi.org/10.1016/j.ijme.2024.101059.

[6] Frémeaux, S., Henry, F. (2023), Temporality and meaningful entrepreneurship, Journal of Business Ethics, 188, 725–739. https://doi.org/10.1007/s10551-023-05502-0

[7] Lévesque, M., & Stephan, U. (2019). It’s time we talk about time in entrepreneurship, Entrepreneurship Theory and Practice, 44 (2), 163-184.

[8] Holdsworth, C., & Mendonça, M. (2019), Young entrepreneurs and non-teleological temporality in Portugal and the UK. Time and Society, 29 (1), https://doi.org/10.1177/0961463X19873783

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