Os desafios dos profissionais de saúde face à aproximação da reforma

Dimensão analítica: Família, Envelhecimento e Ciclos de Vida

Título do artigo: Os desafios dos profissionais de saúde face à aproximação da reforma

Autora: Marianela Ferreira

Filiação institucional: Instituto de Sociologia de Universidade do Porto

E-mail: marianela.f333@gmail.com

Palavras-chave: políticas públicas, prolongamento da atividade, profissional / aposentação, profissionais de saúde.

Entre a vasta investigação multidisciplinar sobre o envelhecimento populacional e os seus efeitos, destacamos alguns resultados da investigação que desenvolvemos no âmbito de um doutoramento em Sociologia sobre as razões subjacentes aos processos de tomada de decisão de dois grupos profissionais de saúde – médicos e enfermeiros, entre os 55 e os 65 anos, face ao prolongamento temporal da atividade profissional e à aposentação, no contexto de duas organizações hospitalares [1].

Sendo o envelhecimento uma construção social contextualizada num tempo e num espaço específicos, a Sociologia tem salientado a relevância da subjetividade decorrente do conjunto de trajetórias pessoais e profissionais na vivência desse processo. Por considerarmos que o quadro teórico dessas perspetivas do curso de vida pode contribuir para a compreensão da experiência subjetiva de envelhecimento, elegemo-lo como quadro fundamental desta investigação [2], [3], [4].

Concordamos com Lopes e Gonçalves [5] ao afirmarem que os desafios do envelhecimento demográfico não podem ser perspetivados apenas à luz da sustentabilidade dos regimes de segurança social e do pagamento de pensões, mas “dos fundamentos e do financiamento” do Estado-Providência. Consideramos dimensões mais abrangentes que fundam as sociedades capitalistas globalizadas e que se prendem com o exercício da cidadania, as relações intergeracionais, o raio de ação e a sustentabilidade do Estado-Providência, os significados sociais da idade, a configuração dos ciclos de vida e as políticas públicas [6].

Sobre a influência dos contextos sociais sobre as taxas de emprego dos mais velhos, nomeadamente das condições oferecidas e dos incentivos à sua permanência no mercado de trabalho, Guillemard [7], [8] identifica quatro aspetos determinantes das oportunidades de reposicionamento do seu papel: (1) políticas públicas de emprego e de proteção social; (2) estruturas normativas de base a construções sociais sobre a idade; (3) estratégias de coordenação e organização, nomeadamente em situações de conflito, no mercado de trabalho; (4) transformações, potenciadoras de conflito, ocorridas no mercado de trabalho. Na comparação entre políticas públicas e estratégias adotadas por vários países enquanto resposta ao envelhecimento demográfico, tanto para a sustentabilidade dos sistemas de proteção social como do seu impacto nas dinâmicas do trabalho, a autora concluiu que o envelhecimento pode constituir uma oportunidade e não necessariamente um problema social, residindo a diferença na forma como se pensam os tempos de inatividade, atividade e formação, e na análise dos riscos sociais emergentes.

Resultados de um estudo do Eurobarómetro sobre o envelhecimento ativo [9] demonstraram posicionamentos distintos sobre o exercício profissional depois da idade de aposentação. Enquanto nos países do Sul são baixas as percentagens daqueles que consideram que as pessoas deveriam “continuar a trabalhar depois de atingirem a idade oficial da reforma” (42% dos portugueses, 29% dos italianos e 27% dos gregos), nos países a Norte predomina a opinião contrária (93% dos dinamarqueses e 91% dos holandeses). Relativamente à pergunta “se seria interessante para si haver a possibilidade de combinar trabalho a tempo parcial com uma reforma parcial, em vez da reforma completa”, 90% dos suecos, 87% dos dinamarqueses, e 84% dos holandeses responderam que sim, contra 56% dos portugueses, 55% dos italianos e 28% dos gregos. Estas diferenças de opinião entre países atestam a importância da reflexão sobre a diversidade do processo de envelhecimento, as estruturas sociais existentes, os significados culturais atribuídos e o tipo de políticas públicas prosseguidas.

Para Guillermard [7] o cerne das políticas de envelhecimento ativo reside numa mudança de mentalidades e representações sobre o processo. Sobre o mercado de trabalho, salienta a importância de uma nova lógica de distribuição entre tempo de trabalho e a idade, possibilitando a existência de trajetórias profissionais múltiplas e menores constrangimentos aos trabalhadores mais velhos. Reconhece, ainda, a relevância do apelo que as políticas públicas devem fazer contra a discriminação etária, nomeadamente nas relações entre pares e nas políticas de gestão de recursos humanos, e na necessidade de uma gestão integrada das idades em substituição de uma gestão segmentada, aspetos fundamentais à coesão social no atual contexto de envelhecimento populacional e de pressão sobre os sistemas de proteção social.

Na UE-27 e em Portugal, concretamente, qualquer política de emprego e formação profissional que se insira na promoção do envelhecimento ativo deve estar fortemente associada ao envelhecimento demográfico da população ativa, às previsões de mão-de-obra e de evolução do mercado de emprego [10], [11]. A participação social dos indivíduos mais velhos é um dos pilares do envelhecimento ativo, só possível através de orientações e políticas públicas de resposta aos desafios do envelhecimento demográfico. Partilhamos com a UE-27, OCDE e Banco Mundial que esta participação pode estar particularmente orientada para o mercado de trabalho através da aplicação de medidas de prolongamento temporal das trajetórias profissionais e de garantia de condições de saúde e trabalho adequadas.

As atuais políticas de emprego para os indivíduos mais velhos rejeitam os pressupostos das abordagens teóricas do envelhecimento radicadas numa visão tripartida da vida. No âmbito do paradigma de envelhecimento ativo, ao promoverem o prolongamento temporal da atividade profissional e ao reconhecerem a subjetividade do processo de envelhecimento, resultante de diferentes combinações das dimensões biológica, psicológica e social, essas políticas de emprego rejeitam fronteiras estanques entre a idade ativa e a velhice.

Através da aplicação de um inquérito por questionário no desenvolvimento da nossa investigação sobre as políticas públicas de promoção do emprego entre os trabalhadores mais velhos, verificámos que a maioria dos participantes discorda do conjunto de medidas adotadas pelo Estado, particularmente as direcionadas ao adiamento da idade da aposentação e à alteração da fórmula de cálculo das pensões.

As medidas de promoção do emprego que reúnem maior consenso referem-se à adoção de regimes transitórios de aposentação através do trabalho a tempo parcial. Estes regimes muito defendidos pela UE-27 [10] são importantes na mitigação dos efeitos psicológicos da aposentação, de alteração de estilos de vida e de redes de sociabilidade, e na adoção gradual de novas rotinas. São também por permitirem que os indivíduos continuem na condição de contribuintes e, assim, colaborem economicamente para a sustentabilidade da Segurança Social. Esta transição gradual entre as condições de trabalhador e de aposentado é exemplo da recusa de fronteiras estanques entre fases da vida e, então, da aceitação da subjetividade da vivência física e psicológica do envelhecimento [12].

Este é um primeiro contributo que deixamos para a profunda reflexão e intervenção sobre a temática do prolongamento da atividade profissional e que merecerá certamente aprofundamentos posteriores.

Notas:

[1] Ferreira, M. (2013), Representações e práticas de gestão da idade em grupos profissionais de saúde. Estudo de caso de médicos e enfermeiros do distrito do Porto. Tese de Doutoramento em Sociologia. Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Porto.

[2] O’Rand, A. M. (2007). Aging and the Life Course Theories. In G. Ritzer (Ed.), Blackwell Encyclopedia of Sociology: Blackwell Publishing.

[3] O’Rand, A. M. (2011). Stratification and life course: life course capital, life course risks and social inequality. In R. H. Binstock, L. K. George, S. J. Cutler, J. Hendricks & J. H. Schulz (Eds.), Handbook of Aging and the Social Sciences: Elsevier Science.

[4] Phillipson, C. (2009). Changing life course transitions: implications for work and lifelong learning. In A. Chiva & J. Manthorpe (Eds.), Older workers in Europe. Reino Unido: McGraw-Hill.

[5] Lopes, A., & Gonçalves, C. (2012), Envelhecimento ativo e dinâmicas sociais contemporâneas. In C. Paul & Ó. Ribeiro (Eds.), Manual de gerontologia. Lisboa: Lidel.

[6] Guillemard, A.-M., & Jolivet, A. (2006), De l’emploi des seniors à la gestion des âges. Problèmes politiques et sociaux. Paris: La Documentation française.

[7] Guillemard, A.-M. (2003), L’âge de l’ émploi, Les Sociétés face à Vieillisement. Paris: Armand Colin.

[8] Guillemard, A.-M. (2010), Les défis du vieillissement. Age, emploi, retraite, perspectives internationales. Paris: Armand Colin.

[9] Euromarometer (2012), Active Ageing. Special Eurobarometer 378. Disponivel em http://ec.europa.eu/public_opinion/archives/ebs/ebs_378_en.pdf

[10] Comissão Europeia (2012), Employment policies to promote active ageing. Luxembourg: Publications Office of the European Union.

[11] Fernandes, A. A., & Botelho, M. A. (2007), Envelhecer activo, envelhecer saudável: o grande desafio. Forum Sociológico, 17, 11-16.

[12] Fonseca, A. M. (2012), Desenvolvimento psicológico e processos de transição- adaptação no decurso do envelhecimento. In C. Paúl & Ó. Ribeiro (Eds.), Manual de gerontologia. Lisboa: Lidel.

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