Os (investigadores) “Pós-Doc” em Portugal: uma espécie de NEETs e a sua antítese

Dimensão analítica: Mercado e Condições de Trabalho

Título do artigo: Os (investigadores) “Pós-Doc” em Portugal: uma espécie de NEETs e a sua antítese

Autora: Magda Nico

Filiação institucional: CIES-IUL

E-mail: magda.nico@iscte.pt

Palavras-chave: “Pós-Docs”, Investigação, NEETs, Portugal.

O termo NEET (Not in Education, Employment or Training) ganhou popularidade e operacionalização nos estudos sobre juventude, sobretudo naqueles que se dedicam ao estudo da transição escola-trabalho. Inicialmente mobilizado e discutido com a intenção de identificar situações de exclusão social e casos de vulnerabilidades extremas e/ou acumuladas, assim como de promover a necessidade de desenho e concretização de políticas de juventude inter-sectoriais ou inter-ministeriais, este termo foi posteriormente sujeito a interpretações e leituras várias, muitas delas equívocas e/ou negativas, por parte dos media e da “opinião pública”. Atualmente, apesar da construção e interpretação deste conceito ser contestada em vários sectores (entre os quais a investigação se destaca claramente) e da conotação ser alvo de diferentes adaptações e rótulos que tendem a simplificar e banalizar esta condição (como o termo “geração nem-nem” ilustra), este conceito constitui já um indicador reconhecido e usado pelos produtores oficiais de (opiniões) estatísticas como o Eurostat ou a OCDE. [1]

A conotação e recepção oferecidas a este conceito na opinião pública são, no entanto, notoriamente negativas. Trata-se de um exemplo claro da “falácia epistomológica da modernidade tardia” (Furlong e Cartmel, 1997) [2], através da qual é atribuída responsabilidade e intenção individual (ou falta desta) a determinadas condições de sociais ou à sobreposição das mesmas: estes indivíduos nem querem trabalhar nem querem estudar.

Com as devidas e relevantes diferenças, apresentadas de seguida, é precisamente neste enquadramento que os “pós-docs” são entendidos por muitas instituições formais (bancárias, fiscais, públicas) e informais (media, privadas, familiares). Os investigadores Pós-doc não estão em “Educação” nem “Formação” na medida em que esta condição (já) não vai desaguar em nenhum grau de qualificação, nem em “Emprego” dado que o seu vínculo ao mercado de trabalho formal é ambíguo e precário, ou mesmo inexistente. Ora, o facto dos “pós-docs” e tantos outros NEETs não terem um vínculo de trabalho nos moldes conhecidos, produz uma distorção infundada nas áreas públicas (e governativas): não estão a trabalhar ou, pior ainda, não querem trabalhar. Onde não há fumo não deve haver fogo.

É sabido que, quando vivida num momento inicial de um curso de vida, a condição NEET deixa marcas mais irreversíveis, profundas e de longa duração do que quando vivida mais tardiamente (mesmo que ainda dentro do chamado período de transição para a vida adulta). É também sabido que a própria condição de NEET agrupa várias subcondições: há de facto quem se encontre nesta condição voluntariamente, os que se encontram indisponíveis para trabalhar, os “disengaged”; e há quem esteja “simplesmente” convencionalmente desempregado. [3] É ainda conhecido que a acumulação e interacção destas subcondições aumenta a gravidade e a longevidade dos efeitos ao longo do curso de vida. Não se pretende aqui comparar e muito menos equiparar estas situações de desvantagens sociais acumuladas à condição de investigador “Pós Doc”. Mas também não se pode aceitar que a atenção pública ou política se centre apenas na inserção no mercado de trabalho formal dos menos qualificados (mesmo sabendo que esta é de facto um factor de risco que aumenta a probabilidade de se ser NEET em 3 vezes). [3] A massificação da precariedade profissional [4] exige ainda mais (quase que contra-intuitivamente) a desestandardização e dispersão das políticas públicas (de emprego e/ou de juventude).

Porque podem os Investigadores Pós-Doc ser considerados NEETs e, simultaneamente, a sua antítese? Primeiro, os Investigadores Pós-Doc não estão no mercado de trabalho, embora efetivamente trabalhem. Estão numa espécie de economia informal produzida e promovida, paradoxalmente, por instâncias formais. No esquema da “condição perante o trabalho”, ser bolseiro Pós-Doc é ser “outra” coisa, não tem lugar nestas classificações formais. Este facto tem aliás trazido inúmeras consequências negativas no que diz respeito ao seu estatuto e credibilidade profissional, em relação aos bancos, à sociedade em geral. Mas estes indivíduos trabalham. Por horário ou por objectivos, pouco importa. Cumprem, na sua larga maioria, o programa de trabalhos com que obtiveram as suas bolsas de investigação, e as renovaram. Fazem trabalho de campo, de laboratório e/ou o chamado “desk work”. Promovem o estabelecimento de cooperação institucional, contribuindo para a disseminação de conhecimento rigoroso na sociedade, a vários níveis. Publicam e apresentam os resultados do seu trabalho de modo constante e transparente, o que sucede em poucas áreas dos sectores públicos e privados. Trabalham no âmbito do seu projeto de pós-doutoramento mas também oferecem o seu trabalho, experiência e competências noutros contextos sociais e profissionais, com espírito cívico e, aspecto importante, “pro bono”. São, na sua larga maioria, pessoas trabalhadoras… mas não são considerados “trabalhadores”.

Segundo, ao contrário dos bolseiros de doutoramento, os Bolseiros Pós-Doc também não são “estudantes”, embora efetivamente estudem, de modo continuado. O seu ofício a isso conduz. A investigação científica não existe sem o estudo constante de novos instrumentos conceptuais e metodológicos desenhados para resolver problemáticas científicas concretas. Poucas profissões têm a “aprendizagem ao longo da vida” tão intrinsecamente incorporada como a de investigador. No entanto, porque a esta experiência de investigação não corresponde a um grau académico, efetivamente também não são “estudantes”.

Ter baixas qualificações é, no território Europeu, um factor de risco para em alguma altura da vida se ser NEET. No entanto, a diferentes países correspondem diferentes perfis de NEETS. Portugal pertence ao grupo de países em que o perfil mais marcante de NEET são indivíduos com experiência de trabalho, com altas qualificações, mas “desencorajados” [3]. Três características que inequivocamente descrevem o estado objetivo e subjetivo dos Investigadores-bolseiros “Pós-Doc” em Portugal.

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Notas

[1] Serracant, Pau (2013), “A Brute Indicator for a NEET Case: Genesis
and Evolution of a Problematic Concept and Results from an Alternative Indicator”, Social Indicators Research.

[2] Furlong, Andy e Fred Cartmel (2007 [1997]), Young People and Social Change, New York, Open University Press.

[3] European Monitoring Centre on Change (EMCC), (2012), Young people and ‘NEETs’ infographic, disponível em http://www.eurofound.europa.eu/emcc/labourmarket/youthinfographic.htm

[4] Nico, Magda (2012), Massificação da precariedade juvenil (Massification of Youth Precariousness”) em Matos, José Nuno, Rahul Kumar and Nuno Domingos (Eds.), Os Novos Proletários, Edições 70 e Le Monde Diplomatique, Edição Portuguesa.

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