Poluição hídrica: impactos, escalas e reacções

Dimensão analítica: Ambiente, Espaço e Território

Título do artigo: Poluição hídrica: impactos, escalas e reacções

Autor: José Gomes Ferreira

Filiação institucional: Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa

E-mail: jose.ferreira@outlook.com

Palavras-chave: poluição hídrica, políticas públicas, actividades económicas.

A poluição hídrica não é um problema recente, nem um exclusivo das sociedades industrializadas, embora seja nestas que atinja maior dimensão e gravidade. Do mesmo modo, não se circunscreve a uma região. Afecta um país, um continente e pode reflectir-se na qualidade da água de todo o planeta. A diferença é que durante milénios os rios transportaram efluentes sem que tal resultasse em qualquer dano, principalmente em rios de maiores dimensões. O agravamento deste problema, decorrente da Revolução Industrial, deve-se ao aumento de efluentes produzidos e à incapacidade dos rios se regenerarem de forma natural para assim absorverem os caudais excedentários não tratados. Na origem desta alteração estiveram profundas transformações de escala no sistema produtivo e o rápido crescimento demográfico, agravado pela concentração das populações em grandes metrópoles e na faixa litoral dos continentes, paralelamente ao despejo sem tratamento de efluentes com origem na indústria e extracção mineira. Associado a tudo isto, a falta de recolha e tratamento dos esgotos urbanos é provavelmente o tema ambiental mais preocupante e urgente desde o do séc. XIX, não só pela poluição gerada e pela degradação da qualidade de vida, mas também devido às suas implicações na saúde das populações e às desigualdades de acesso a estes serviços [1].

Também, em Portugal, a poluição hídrica não é um problema novo, nem exclusivo de uma região. Resulta de transformações operadas no sector produtivo, e da concentração da população na faixa litoral e nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, cenário que passou a caracterizar a maioria dos cursos de água nacionais desde meados da década de 50. Embora o país só timidamente se tenha industrializado, a diferença relativamente aos seus parceiros europeus está na ausência de resposta política atempada, na dificuldade em encontrar uma resposta técnica adequada e no reconhecimento tardio do problema. Lembre-se que até à década de 80, era frequente os rios serem usados como vazadouro, era neles que as populações, empresas e os municípios despejavam os efluentes líquidos e para onde era atirado todo o tipo de lixos.

Recuando um pouco atrás, os primeiros episódios de poluição hídrica ocorridos no nosso país ligavam-se, nas áreas urbanas, à rejeição dos detritos humanos e, nas zonas rurais, às actividades humanas, destacando-se a extracção mineira, e a curtimenta de linho e cânhamo. A partir da década de 50 do séc. XX, registou-se um agravamento generalizado dos episódios de poluição hídrica, em dimensão, frequência e abrangência. Estava em vigor o I Plano de Fomento (1953-1958), que ao impulsionar a industrialização e, por via indirecta, a suburbanização, teve efeitos directos na qualidade da água dos cursos de água.

Ao contrário do que seria de supor, o agravamento do problema não se repercutiu no aumento de atenção. Pelo contrário, durante a ditadura o Estado Novo tudo fez para o ocultar. Como afirma Luísa Schmidt, a poluição da água era tratada como “um problema essencialmente dos outros”. Os rios nacionais, de paisagens idílicas, com águas cristalinas e repletas de peixe, eram exaltados como espaços aprazíveis para lazer e recreio, pelo contrário, os rios internacionais encontravam-se fortemente poluídos [2].

Contrariando a imagem oficial, em 1956, um relatório da Organização Mundial de Saúde classificou os grandes rios portugueses como poluídos, com a vida marinha ameaçada por efluentes domésticos e industriais. Já os rios de menores dimensões, embora em menor risco, no Verão eram incapazes de dissolver as cargas poluentes neles depositadas [3]. Internamente, numa afronta a Salazar, em 1957, as populações ribeirinhas do Alviela, fortemente afectadas pela curtimenta de peles ao longo do rio, dão início a uma campanha sistemática de protestos que deu origem à CLAPA – Comissão de Luta Anti-Poluição do Alviela. De salientar que, no final Primavera Marcelista, ainda que pela voz de técnicos da administração pública, a ditadura reconheceu o estado geral de contaminação dos rios nacionais no decorrer do I Simpósio Nacional sobre Poluição de Águas Interiores realizado em Janeiro de 1970.

O 25 de Abril de 1974 trouxe o reconhecimento da gravidade da poluição dos rios nacionais, mas não trouxe soluções. Em diversos casos registou-se mesmo um agravamento nos anos que se seguiram à Revolução, com mais actividades dispersas e sem enquadramento ambiental legal. A adesão à actual União Europeia trouxe esse enquadramento, bem como os meios técnicos e financeiros necessários à resolução do problema, e a sensibilização de todos os sectores da sociedade portuguesa, incluindo da comunicação social e das populações, todavia, registou-se uma incapacidade político-administrativa, mas também social, que impediu a sua concretização. É nesta década que a poluição passa a ter maior visibilidade pública, num processo em que intervém a escala e frequência dos atentados ambientais, e a incapacidade do Estado em detectar e punir os infractores.

Nas últimas décadas, a poluição que tem afectado as bacias do Alviela, Ave e Lis transformou estes cursos de água em ícones da poluição hídrica nacional, por um lado, pela especificidade sócio-económica de cada bacia, cada uma caracterizada pela presença de um sector de actividade com fortes implicações ambientais e sociais: curtumes no Alviela, têxteis no Ave e suinicultura no Lis. Por outro lado, pela dimensão do problema e adiar de soluções, para as quais foram gastas avultadas quantias. No caso da bacia do Lis a obra não saiu do papel, excepção feita aos esgotos urbanos na vertente em alta – o que está na origem de acções de protesto de associações de defesa do ambiente –, prevendo-se que, mais uma vez com recursos a fundos comunitários, se avance com uma solução para os efluentes provenientes do sector suinícola.

Notas

[1] O artigo surge na sequência da investigação de doutoramento com o título “Saneamento básico Factores sociais no insucesso de uma política adiada. O caso do Lis”, desenvolvida no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

[2] Schmidt, Luísa (2003). O Ambiente no Ecrã – Emissões e demissões no serviço público televisivo. Lisboa. Imprensa de Ciências Sociais. pp. 200-210.

[3] Key, A. (1956). “Pollution of surface water in Europe”. in World Heath Organization Bulletin. N.º 14. pp. 845-948. Disponível a 4 de Abril de 2012 em http://whqlibdoc.who.int/bulletin/1956/Vol14/Vol14-No5-6/bulletin_1956_14(5-6)_845-948.pdf

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Uma Resposta a Poluição hídrica: impactos, escalas e reacções

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