Desigualdades sociais e desenvolvimento na sociedade portuguesa: a «variável» ação coletiva

Dimensão analítica: Cidadania, Desigualdades e Participação Social

Título do artigo: Desigualdades sociais e desenvolvimento na sociedade portuguesa: a «variável» ação coletiva

Autor: Nuno Nunes

Filiação institucional: Centro de Investigação e Estudos de Sociologia, Instituto Universitário de Lisboa (CIES-IUL)

E-mail: nuno.nunes@iscte.pt

Palavras-chave: Condições de vida, capacitação social, paradigmas.

Cresce o consenso internacional de que as avaliações de desempenho económico não se devem apenas concentrar no aumento do PIB, mas deverão igualmente atender ao modo como tal riqueza é distribuída. Ou seja, assume cada vez maior relevância social compreenderem-se as relações entre desigualdades sociais e desenvolvimento. Que efeitos sobre os processos de desenvolvimento terão a (des)igualdade e coesão das sociedades? Stiglitz (2012), na sua mais recente obra “The Price of Inequality”, aponta precisamente para os impactos negativos das desigualdades sociais na “performance económica”, perante o aumento das desigualdades de rendimentos nos países da OCDE ao longo das últimas décadas (OCDE, 2011b).

Recolocando o problema: poderá a problemática das desigualdades sociais ser relevante para a sociologia do desenvolvimento? O debate científico, social e político interpela-nos, ao abordar-se o desenvolvimento igualmente quanto às suas causas, processos e consequências de inclusão social (UNU-IHDP e UNEP, 2012).

Constituem relevantes contributos (teóricos e analíticos) as conceções de Amartya Sen (2009) sobre desenvolvimento, desigualdades e capacidades; a perspetiva de Wilkinson e Pickett (2009) de como um conjunto de problemas sociais tendem a estar relacionados com os diferentes graus de desigualdade nas distribuições de rendimentos; e ainda, de que forma os mecanismos de igualdade de “convergência”, “inclusão”, “compressão” e de “redistribuição” (Therborn, 2006) poderão assumir centralidade nos processos de desenvolvimento.

Ao paradigma produtivista justapõem-se propostas assentes no «bem-estar subjetivo» (OCDE, 2011a) e no desenvolvimento sustentável (UNDP, 2011), enquanto abordagens alternativas de conceptualizar e analisar o desenvolvimento no século XXI. Se não existem processos de desenvolvimento unilineares, para além da economia (e dos seus agentes), do Estado (e das suas políticas educativas, fiscais, laborais, de proteção social e outras), dever-se-á igualmente analisar, no estudo do desenvolvimento, a capacitação social (organizacional e institucional) dos cidadãos (agentes individuais) e atores coletivos atuantes num determinado espaço ou comunidade.

Quer isto dizer que não deve ser apenas focada a dimensão económica nem os seus habituais indicadores, como o PIB per capita. O índice de desenvolvimento humano (IDH) constitui atualmente uma adequada alternativa analítico-empírica, que para além das suas dimensões fundamentais de “vida longa e saudável”, “conhecimento” e “padrão de vida digno”, os sucessivos Relatórios de Desenvolvimento Humano, têm vindo a incluir diversas dimensões adicionais, concretamente: o “empoderamento” (ou “capacitação”), a “sustentabilidade e vulnerabilidade”, a “segurança humana”, as “perceções sobre bem-estar e felicidade individuais”, o “bem-estar cívico e comunitário”, as “tendências demográficas”, o “trabalho digno”, a “educação”, a “saúde”, os “fluxos e compromissos financeiros”, a “economia e infraestruturas” e o “acesso às tecnologias de informação e comunicação” (Costa, 2012). Uma visão estritamente agencial-individual do desenvolvimento humano é insuficiente, logo um IDH integrando múltiplas expressões da ação coletiva dos cidadãos, capaz de aferir da sua capacitação organizacional e institucional, constitui uma importante ferramenta para compreender os processos de subdesenvolvimento/desenvolvimento das sociedades contemporâneas.

Determinadas regularidades e especificidades são relevantes para a compreensão dos processos de desenvolvimento da sociedade portuguesa, nomeadamente a sua elevada desigualdade social, o seu perfil de especialização produtiva, os reduzidos salários, o incipiente «estado-providência», a ainda fraca escolarização (Pinto,2011) e «ténues» confiança social e ação coletiva (Nunes, 2011).

As desigualdades assumem expressões locais, regionais, nacionais e globais (Costa, 2012), cujas densidades e imbricação sobre os processos de desenvolvimento, poderão ser aferíveis empiricamente precisamente por uma parametrização escalar do próprio IDH.

Sintetizando, propõe-se uma agenda investigacional que, partindo da problemática das desigualdades sociais, integre os efeitos da ação coletiva sobre o desenvolvimento humano e social, articulando múltiplas escalas de análise, rejeitando uma perspetiva sistémica unidirecional em prol de uma perspetiva ator–sistema que integre a cooperação/conflito entre os agentes e as relações entre as instituições e os atores coletivos, como propõe Nicos Mouzelis (2008).

No que diz respeito ao estudo do desenvolvimento, deverão estar contemplados fatores de ação coletiva, organizacionais e institucionais, também relativamente à sociedade portuguesa, e quanto à sua capacitação (individual e coletiva) de capitais económicos, culturais, sociais e simbólicos para um «desenvolvimento de justiça social» (Sen, 2009), cujo «hiato social» entre “desigualdades objetivas” e “desigualdades subjetivas” (Chauvel, 2006), poderá dar origem a novos rumos de ação política construtores de (des)envolvimento.

Referências Bibliográficas:

Chauvel, Louis (2006), “Tolérance et résistance aux inégalités”, em Huges Lagrange (dir.), L’Épreuve des Inégalités, Paris, Presses Universitaires de France, pp. 23-40.

Costa, António Firmino da (2012), “Desigualdades Globais”, Sociologia, Problemas e Práticas, n.º 68, pp. 9-32.

OCDE (2011a), How’s Life?: Measuring well-being, OECD Publishing. http://dx.doi.org/10.1787/9789264121164-en

OCDE (2011b), Divided We Stand. Why Inequality Keeps Rising, Paris, OECD Publishing.

Mouzelis, Nicos (2008), Modern and Postmodern Social Theorizing, Cambridge, Cambridge University Press.

Nunes, Nuno (2011). Desigualdades Sociais e Acção Colectiva na Europa. Tese de Doutoramento, Lisboa, ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa.

Pinto, José Madureira (eds.) (2011), Desigualdades sociais: os modelos de desenvolvimento e as políticas públicas em questão, Casal de Cambra, Caleidoscópio.

UNDP (2011), Sustainability and Equity: A Better Future for All. Human Development Report 2011, New York, UNDP.

UNU-IHDP and UNEP (2012). Inclusive Wealth Report 2012.Measuring progress toward sustainability. Cambridge: Cambridge University Press.

Sen, Amartya (2009), The Idea of Justice, Londres, Allen Lane/Penguin.

Stiglitz, Joseph E. (2012), The Price of Inequality, London, W. W. Norton & Company.

Therborn, Göran (2006), “Meaning, mechanisms, patterns, and forces: an introduction”, em Göran Therborn (org.), Inequalities of the World, Londres, Verso, pp. 1-58.

Wilkinson, Richard, e Kate Pickett (2009), The Spirit Level. Why More Equal Societies Almost Always Do Better, Londres, Allen Lane.

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