Dimensão analítica: Saúde
Título do artigo: A doença de Alzheimer e o Envelhecimento em Portugal. Um desafio coletivo
Autora: Sanda Samitca
Filiação institucional: Socióloga, Investigadora em Pós-doutoramento no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-UL)
E-mail: sanda.samitca@ics.ul.pt
Palavras-chave: Doença de Alzheimer, envelhecimento, políticas públicas
Portugal, à semelhança de outros países da Europa, está a envelhecer. Este fenómeno é acompanhado pelo aumento do número de pessoas com a doença de Alzheimer (DA), 90.000 segundo as estimativas mais recentes [1]. A DA, considerada a forma mais comum de demência, é uma doença neuro-degenerativa que induz uma perda progressiva e irreversível das funções cognitivas até à dependência total. De uma maneira geral, a DA evolui ao longo de um período de oito a nove anos. Apesar de toda a investigação científica em curso, não há atualmente cura para a DA. Existem apenas medicamentos que no início da doença permitem retardar a sua evolução. Consequentemente, os cuidados psicossociais administrados fora do hospital são vitais para maximizar a qualidade de vida do doente. Até agora, o único fator de risco conhecido é a idade em si mesma, pelo que é expetável que, com o avançar do envelhecimento, aumente a sua prevalência na população.
A DA é um dos principais motivos de dependência nos idosos, sendo fortemente desgastante para as famílias dos doentes, que geralmente protagonizam os cuidados. De facto, a DA modifica profundamente as relações do doente com o mundo e as suas interações sociais, assim como desafia as solidariedades familiares. Em suma, tal como a Organização Mundial da Saúde salientou no título da sua última publicação sobre doenças mentais, a DA é crescentemente uma questão de saúde pública. Central a este desafio incontornável para as sociedades e para as políticas de saúde é a questão de quem é que vai cuidar dessas pessoas.
No que se refere a cuidados aos idosos dependentes, Portugal caracteriza-se, tal com os outros países do sul da Europa, por algum familialismo. Contudo, distingue-se neste contexto (i) pelas políticas sociais e pelos serviços de apoio às pessoas idosas, que embora tenham tido nas últimas décadas uma evolução muito positiva ao nível da qualidade e da diversificação da oferta, ainda se revelam insuficientes para responder às necessidades e ii) pela elevada taxa de trabalho feminino (61.1% em 2010, Eurostat), em geral a tempo inteiro. Assim, e sabendo que são principalmente as mulheres a cuidar de um familiar idoso dependente, a conciliação entre trabalhar e cuidar torna-se uma equação extremamente complicada de resolver. Importa, contudo, referir que quem cuida de um familiar com Alzheimer não costuma fazer face ao problema deixando a atividade profissional, pois o trabalho é muito valorizado, por motivos económicos mas também para a realização pessoal, como rede social e fonte de apoio.
Em suma, as necessidades das famílias são inúmeras e variam consoante o estágio de desenvolvimento da doença: quer seja ao nível do défice de informação disponível sobre a doença, os cuidados que esta implica e os serviços de apoio existentes; quer seja ao nível do insuficiente número de serviços de apoio aos doentes e às suas famílias ou do impacto financeiro que a DA acarreta (tratamentos e cuidados), há uma série de fatores que condicionam a busca da melhor articulação entre as necessidades dos doentes e as da família na relação com a doença.
Ganha particular importância refletir sobre os fatores acima listados logo desde o diagnóstico da doença. De facto, neste momento, o doente e os seus familiares têm que enfrentar uma notícia com consequências dramáticas. O apoio correto nessa altura fará toda a diferença permitindo às pessoas escolher dentro do possível os cuidados e apoios que melhor se adaptem aos desejos do familiar doente e à situação da família [2].
Face a esta realidade, existem em Portugal sinais de mudança. Embora a família seja ainda o pilar central nos cuidados às pessoas idosas dependentes, já não é a única solução. Se os lares ainda são vistos como uma solução negativa, o apoio domiciliário (sujeito a pagamento) para ajudar a cuidar de um familiar dependente em casa parece ser bem-vindo. De facto, a solução mais valorizada hoje em dia parece ser um padrão misto de cuidados familiares e formais, profissionais ou não [3]. Todavia, a oferta de serviços é ainda desequilibrada: insuficiente no sector público e com custos elevados no sector privado, tornando o acesso aos mesmos socialmente desigual.
Como contrariar este cenário? Por um lado, é urgente reforçar as atividades da Associação Portuguesa dos Familiares e Amigos de Doentes de Alzheimer (APFADA) cujo papel é muito importante não só a disponibilizar serviços e apoios às famílias, mas também a dar mais visibilidade pública à DA e ao desafio que representa para a sociedade. Por outro lado o Estado tem que ser mais atuante. Considerando que Portugal ocupa, segundo estimativas recentes, a sétima posição nos países com a população mais envelhecida no mundo, o Estado não pode ignorar este desafio e a responsabilidade central que tem na definição de políticas e ações dirigidas às pessoas já com a DA e seus familiares, assim como à população em geral.
Urge desenvolver em Portugal um Programa Nacional para as Demências respondendo, assim, ao pedido que a União Europeia lançou aos países membros (2008), de definir uma estratégia e um plano de ação dirigido à DA. À imagem de Programas já existentes (França, Alemanha, etc.), deveria ter pelo menos quatro eixos: i) deteção, diagnóstico e cuidados; ii) apoio aos cuidadores familiares; iii) formação de médicos e outros profissionais da saúde; investigação médica e em ciências sociais; e iv) informação e sensibilização à população em geral.
Embora o contexto económico atual seja pouco favorável ao desenvolvimento de novas políticas públicas, a DA e as demências em geral têm que ser reconhecidas como uma prioridade nacional tendo em conta os níveis de envelhecimento da população portuguesa. Mas também tendo em atenção o aumento potencial das tensões e da precarização em torno da conciliação entre trabalhar e cuidar, que tem recaído em grande parte sobre as famílias.
Notas:
[1]European collaboration on Dementia (2009), (http://www.alzheimer-europe.org/index.php/Research/European-Collaboration-on-Dementia/Prevalence-of-dementia)
[2] Samitca, Sanda (2008), « La maladie d’Alzheimer vécue par les proches. Une étude en Suisse romande. » Actualités Psychologiques, 21, pp. 157-171.
[3] Samitca, Sanda ; Wall, Karin (2008), Elderly care in Portugal, WOUPS Final Report, Institute of Social Sciences, Lisbon.





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