Qual o alcance de um serviço educativo de uma instituição cultural?

Dimensão analítica: Cultura e Artes

Título do artigo: Qual o alcance de um serviço educativo de uma instituição cultural?

Autora: Ana Filipa Rodrigues

Filiação institucional: Instituto de Sociologia da Universidade do Porto

E-mail: ana.roseira.rodrigues@gmail.com

Palavras-chave: serviços educativos, mediação cultural, Casa da Música.

O Correio do Minho anunciou no passado dia 6 de Março que a comemoração do Dia Mundial da Poesia no Centro Dramático de Viana contaria com a actuação da Orquestra Som da Rua (OSR), um “projeto do Serviço Educativo [SE] da Casa da Música [CdM] em parceria com várias instituições da área do Grande Porto”. [1]

“Aberta a diferentes públicos, versátil, e interactiva, (…) [a CdM] funciona como pólo de atracção e território de músicos nacionais e estrangeiros, amadores, investigadores, escolas e criadores” [2], e pelo seu SE, procura conjugar continuamente os verbos “Ouvir, Fazer, Criar, Saber – (…), através de actividades que permitem a cada cidadão, em qualquer fase da vida, estabelecer a relação que desejar com a música”[3].

O trabalho de Pedro Quintela [4] aborda este SE, ancorando-se no discurso dos seus protagonistas. Desse trabalho, uma das particularidades que retemos é a autonomia acentuada do SE na delineação das suas linhas de acção e concepção de actividades, fortemente apoiada numa equipa marcada pela sua formação musical, que busca qualidade, originalidade e inovação [5].

Não esqueçamos que grande parte do conhecimento disponível sobre este tipo de serviços e estruturas remete-nos para os museus, galerias e educação museal. Os serviços/ projecto educativos são como “interfaces de comunicação com as audiências e de lugares privilegiados para a construção de saberes e o estabelecimento de relações duradouras e exigentes” [6]. A afirmação é lata o suficiente para deixar entrar as especificidades das abordagens musicais, que o SE da CdM procura experimentar.

Os serviços educativos têm capacidade e potencial para trabalhar de forma esporádica ou continuada; de se dirigir a públicos e a não públicos; de criar as suas próprias abordagens ou de se deixar influenciar pelos Outros com que lida; de desenvolver actividade fora e dentro de portas; de trabalhar o potencial criativo dos seus interlocutores. Desejavelmente, este manancial de possibilidades procura chegar às vivências e experiências dos indivíduos cruzando o contexto pessoal, o contexto social e o contexto físico [7] [8].

Consequentemente, este tipo de actividades educativas gera diferentes relações de intermediação, construídas em vários espaços-tempo, como Quintela documenta. Por outro lado, Lamizet entende que há várias lógicas estéticas segundo as quais se desenvolve a abordagem da mediação cultural: o cómico (que aposta numa relação distanciada com a sociedade de pertença), o trágico (que, pelo contrário, favorece a identificação dos públicos com a obra), a mediação museal (que transmite uma identidade cultural a partir dos objectos consagrados nos museus), e a mediação didáctica (que privilegia as aprendizagens geradas pelas relações didáctico-pedagógicas estabelecidas) [9]. Esta tipologia está longe de ser exaustiva e inscreve uma relação vertical e descendente entre os intermediários e os públicos. Falta, por exemplo, uma mediação participativa, que releve a relação construída entre os sujeitos intervenientes, intermediários e públicos, estribada no stock de aprendizagens e pertenças dos segundos.

Concomitantemente, a democracia cultural, tal como é defendida por Teixeira Lopes enfatiza, precisamente, esse aspecto transversal que vai da criação à recepção, forjado no contacto e relação do público com linguagens artísticas (e não como mero receptores) [10]. A fruição aprende-se pela experimentação.

Assim sendo, até onde pode ir o serviço educativo de uma instituição cultural?

A OSR é um projecto que resulta de um trabalho continuado que envolve a CdM, as instituições que sinalizam os participantes e, obviamente, os seus músicos. Uma vez por semana, uma pequena sala/auditório enche-se de timbres com muitas histórias por detrás: grande parte deles são sem abrigo, outros vivem em instituições sociais e abrigos e outros passam os dias em lares e centros de dia. Todos são pobres. Todos cantam e tocam os instrumentos musicais criados por eles – garrafas de águas esfarrapadas que fazem o som da chuva (desde a miudinha ao mais violento temporal) – a percussão vem das palmas, baquetas e de uma bateria, tocada por um deles. Outros ainda contribuem com o que sabem nos instrumentos musicais disponíveis. Grande parte do repertório é original e tem como ponto de partida a cidade e as suas vivências. Têm nome próprio e um lugar específico na orquestra. Nem todos podem ser solistas. Do colectivo também fazem os formadores e o coordenador do SE, cujo suporte técnico e artístico é essencial para a experiência musical procurada.

Este projecto já permitiu que estas pessoas actuassem na CdM, na Fundação Calouste Gulbenkian, em escolas e jantares de Natal e recentemente no evento com que abri este texto.

Sei que não vou responder directamente (nem finitamente) à pergunta que lancei. A extensão dos serviços educativos não é uma linha recta; é antes um polígono formado por vários lados: a política cultural e educativa que lhes subjaz, a missão, orgânica e funcionamento da instituição, a equipa de profissionais que lhes dá corpo, os recursos disponíveis, as redes tecidas, as actividades postas em prática, a capacidade de concepção e experiência de novas actividades, a sistematicidade e durabilidade das mesmas, o retorno que os participantes dão/podem dar no curto e médio prazo, entre outras arestas por descobrir e afinar.

Porém, gostaria de salientar que neste caso, o encontro destes dois agentes (SE CdM e músicos da OSR) amplia o espaço físico, simbólico e artístico da instituição cultural em causa ao mesmo tempo que diminui o frio da rua para alguns destes músicos.

Notas

[1] Site do Correio do Minho, disponível em  URL [Consult. 8 Março 2012] http://www.correiodominho.com/noticias.php?id=59806

[2] Decreto-Lei 18/2006.

[3] Site da Casa da Música, Serviço Educativo, Disponível em URL [Consult. 8 Março 2012]:

http://www.casadamusica.com/Education/default.aspx?channelID=6CD07B4A-532F-4929-90FD-2024946B3CCD&id=2E3C54AF-5764-453A-860B-F81F99A29E84&l=6CD07B4A-532F-4929-90FD-2024946B3CCD

[4] QUINTELA, Pedro (2010), Mediação cultural, experimentação: o caso do Serviço Educativo da Casa da Música, Coimbra: Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.

[5] IDEM, Ibidem, pp 63-65; 88-90;99-105.

[6] BARRIGA, Sara; SILVA, Susana Gomes, (2007) “Serviços Educativos na Cultura: Desenhar Pontos de Encontro” in Sara Barriga; Susana Gomes Silva (coord.), Serviços Educativos na Cultura, Porto: Setepés.

[7] SILVA, Susana Gomes, (2007) “Enquadramento Teórico para uma Prática Educativa nos Museus” in Sara Barriga; Susana Gomes Silva (coord.), Serviços Educativos na Cultura, Porto: Setepés, p. 58.

[8] LOPES, João Teixeira, Da Democratização à Democracia Cultural. Uma Reflexão sobre políticas culturais e espaço público, Porto: Profedições.

[9] LAMIZET, Bernard (1999), La médiation culturelle, Paris: L’Harmattan.

[10] LOPES, João Teixeira, Da Democratização à Democracia Cultural. Uma Reflexão sobre políticas culturais e espaço público, Porto: Profedições, p. 97.

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