Dimensão analítica: Cidadania, Desigualdades e Participação Social
Título do artigo: Comércio Justo: um caminho possível para atingir os Objectivos do Desenvolvimento Sustentável
Autora: Sandra Lima Coelho
Filiação institucional: Católica Porto Business School | Universidade da Beira Interior
E-mail: sandralimacoelhogmail.com
Palavras-chave: Comércio Justo, Objectivos do Desenvolvimento Sustentável, acção colectiva.
Actualmente, debatemo-nos com problemas como a pobreza extrema, fome, epidemias, pandemia, graves assimetrias Norte/Sul, desigualdade de género, exploração dos recursos naturais, biodiversidade em perigo, aumento dos resíduos e poluentes, aumento do consumo energético. Tão necessário como sensibilizar e informar sobre a premência de falarmos de sustentabilidade é discutir como poderemos mudar comportamentos que garantam que a Agenda 2030 e os Objectivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) sejam atingidos. Assim, a ONU enunciou um conjunto de 17 objectivos que foram adoptados por vários líderes mundiais, a 25 de Setembro de 2015. Estes objectivos englobam um amplo leque de questões, desde a erradicação da pobreza ao desenvolvimento das comunidades à acção climática e protecção ambiental.
A ONU designa os ODS como um “projecto de paz e prosperidade para as pessoas e para o planeta, agora e no futuro” (United Nations, n.d.). Como podemos contribuir para a construção de uma sociedade global que envolva o acesso à saúde e à educação de qualidade? Como podemos redistribuir a riqueza para que todos possam viver em condições dignas? E se houvesse um papel para o comércio neste processo? Acreditamos que essa forma de comércio já existe. Falamos do Comércio Justo (CJ). O CJ é uma alternativa ao comércio internacional convencional, que alia critérios económicos a valores morais: elimina os intermediários desnecessários na cadeia de produção, pagando mais aos produtores, contribuindo, assim para que estes possam viver dignamente do seu trabalho e os consumidores tenham a garantia, ao adquirir um produto com selo de certificação de CJ, de terem sido respeitados os direitos dos trabalhadores e o meio ambiente. O CJ rege-se por um conjunto de princípios que podem, efectivamente, contribuir para alcançar os ODS. Vejamos como:
ODS1 – Erradicar a Pobreza: uma das possibilidades para erradicar a pobreza passa por atribuir um pagamento justo aos produtores, que lhes permita ter uma vida digna e um rendimento suficiente que lhes permita satisfazer as suas necessidades. Este desiderato é, igualmente, um dos princípios do CJ.
ODS 2: Erradicar a Fome: na medida em que paga mais aos produtores do que os canais de comércio convencionais, o CJ contribui para que os pequenos produtores possam ter mais rendimento disponível para adquirir bens alimentares.
ODS 3: Saúde de Qualidade: considerando que um dos princípios do CJ é o de que os produtores se obrigam a reinvestir uma parte dos lucros obtidos na melhoria das infraestruturas das comunidades onde vivem, incluindo o investimento em acesso a melhores condições sanitárias, o CJ pode contribuir para que se promova o acesso à saúde.
ODS 4: Educação de Qualidade: aplica-se o mesmo princípio do CJ enunciado no ODS3, no que concerne ao investimento na melhoria das infraestruturas, o que inclui a construção de escolas. Por outro lado, na medida em que uma das suas bandeiras é a luta contra a exploração de mão de obra infantil, e assegurar que as crianças vão à escola, o CJ contribui para que o acesso à educação seja facilitado.
ODS5 – Igualdade de Género: um dos princípios do CJ consiste em proibir a discriminação de género na cadeia de produção. Exige-se pagamento igual para trabalho igual.
ODS8 – Trabalho Digno e Crescimento Económico: milhões de trabalhadores e de pequenos produtores trabalham em condições precárias, expostos a pesticidas e a longos períodos de trabalho. Acresce que o trabalho infantil é comum nas fábricas de roupa, de sapatos, nas plantações de cacau e de café. Os princípios do CJ proíbem estas práticas e promovem condições de trabalho dignas, de modo a garantir os direitos dos trabalhadores durante o processo de produção.
ODS12 – Produção e Consumo Sustentável: A produção agrícola de CJ é, maioritariamente, oriunda de práticas de agricultura biológica, o que concorre para uma maior sustentabilidade ambiental. Podemos questionar se é sustentável consumir produtos que vêm do outro lado do mundo, dado o que isso implica, em termos de consumo de combustível e de poluição atmosférica. Porém, há uma forma alternativa e global de CJ que apoia e estimula a produção e consumo locais.
Deixamos para o fim os ODS16 – Paz, Justiça e Instituições Eficazes, e o ODS17, que implica parcerias para que se atinjam os ODS. Se pretendemos dar resposta aos problemas mundiais, não podemos agir individualmente. É necessária uma acção, colectiva e concertada, que envolva os indivíduos, as instituições públicas, as empresas e os governos, no sentido de dar prioridade à sustentabilidade em todas as dimensões e esferas de vida. Na medida em que o CJ junta, na mesma cadeia comercial, produtores, trabalhadores, consumidores, organizações da sociedade civil, empresas e entidades governamentais, reúne todas as condições para que seja encarado como um caminho para atingir os ODS. Para tal, torna-se premente que se reconheça ao CJ estas capacidades, que se divulgue o CJ nas escolas, nas universidades e nas empresas.
Portugal está entre os países que se comprometeram a trabalhar para que os ODS e a Agenda 2030 sejam uma realidade. O Estado Português, enquanto grande consumidor, não pode continuar a eximir-se de adquirir bens e serviços de CJ, fazendo com que a compra e o consumo públicos sejam acções que contribuem para que se atinjam os ODS, conforme se comprometeu a fazer. Favorecendo o CJ, o Estado Português contribuiria para que os pequenos produtores fossem protagonistas do seu próprio desenvolvimento. Ao introduzir os princípios do CJ nas decisões e procedimentos públicos de contratação, os organismos públicos contribuiriam para a equidade Norte/Sul, para a redução da pobreza e o desenvolvimento sustentável, pautando o consumo público por princípios éticos e encorajando outras organizações e os agentes económicos a seguirem-lhes o exemplo.
Não conhecemos nenhuma outra forma de comércio que encoraje a uma maior responsabilidade para que se assegure o futuro das gerações, tanto das actuais como das vindouras, nem que contribua de forma tão significativa, directa e abrangente para que se cumpram os ODS e a Agenda 2030.
Referências
Fairtrade Foundation (2015). Delivering the Sustainable Development Goals through trade – a five-point agenda for policy coherence. Disponível em: https://www.fairtrade.org.uk/wp-content/uploads/2020/07/Delivering-the-SDGs-through-Trade_Five-Point-Agenda_FINAL.pdf
United Nations (s/d). The 17 Goals. Disponível em: https://sdgs.un.org/goals
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